quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Como não ser um pessimista / How not to be a pessimist / Como no ser un pesimista


Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensatos, mas como sábios, aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus. Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor” (Efésios 5.15-17).
Vivemos tempos difíceis. Segundo alguns especialistas, atravessamos uma das piores crises que a humanidade já experimentou em termos econômicos, morais, políticos e religiosos. Um dos efeitos dessa crise é que as pessoas vivem em meio à incerteza. Por essa razão, é difícil ser otimista quando você não consegue ter expectativas muito boas sobre o que poderá acontecer amanhã.
De um modo geral, a situação tem piorado, a violência tem aumentado, a economia tem aprofundado as desigualdades sociais, o nível de relacionamento entre as pessoas tem se deteriorado. Mas, ao mesmo tempo em que isso acontece, há um avanço nos recursos voltados para o bem-estar. Há mais tecnologia para os cuidados da saúde, produção de alimentos e até a intercomunicação. A locomoção de um lado para outro se tornou mais veloz, as distâncias diminuíram e a produção de bens e serviços se tornou mais eficiente.
O quadro atual nos lembra três coisas fundamentais. A primeira é que, embora o a humanidade tenha alcançado um grande progresso científico e tecnológico, o coração do homem não mudou. A segunda é que não há uma fórmula mágica para mudar a realidade. As mudanças não acontecem instantaneamente, mas como resultado de um longo e trabalhoso processo. E a terceira é que Deus sempre usa as circunstâncias históricas para conduzir a humanidade para a realização de seus propósitos.
Surge, então, a pergunta: como devemos agir em tempos como esse? Devemos ser otimistas ou pessimistas? Não há uma resposta fácil para essa questão. Uma consideração inicial que precisa ser feita é que, em tempos como este, há grandes oportunidades para aqueles que se voltam para Deus.
Veja algumas atitudes para enfrentar estes tempos difíceis:
Primeiramente, tenha cuidado com a maneira que vive. A Bíblia nos lança um conselho: Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensatos, mas como sábios”. As pessoas hoje estão mais apressadas, intolerantes e ansiosas. Diminua o ritmo. A Bíblia também diz: Parem de lutar! Saibam que eu sou Deus! [...]” (Salmos 46.10). Uma versão mais antiga trazia: “Aquietai-vos”.
Em segundo, aproveite as oportunidades. O texto bíblico continua a nos aconselhar: “ [...] aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus”. A versão antiga dizia: “remindo o tempo”. Tem o sentido de resgatar o tempo perdido. A principal razão para isso é o fato de que os “dias são maus”. Precisamos lembrar que em dias de tanta corrupção e maldade temos a grande chance de, como filhos de Deus, demonstrar a graça e a compaixão divina a partir de nossa própria atitude. Dias difíceis são grandes oportunidades para a manifestação do poder de Deus. A lógica da graça é: “[...] Mas onde aumentou o pecado, transbordou a graça” (Romanos 5.20).
E em terceiro, faça a vontade de Deus. O conselho bíblica se encerra assim: “Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor”. Martin Luther King Jr., em discurso no dia anterior ao seu assassinato, disse que não estava tão preocupado em ter uma vida longa, mas em fazer a vontade de Deus. Dias difíceis sempre existiram, e isso nunca interferiu na realização das promessas divinas em nosso favor. Embora vivamos tempos assustadores, chegamos até aqui. Isso nos revela que temos um Deus que cuida de nós. E aquele que está conosco até aqui é capaz de nos conduzir até o fim. Jesus encorajou a seus discípulos: Não se turbe o vosso coração [...]” (João 14.1).
Aquele que confia no Senhor não é um pessimista nem um otimista. Ele é encorajado pelo Senhor a viver hoje com esperança no futuro que Deus está preparando. Apesar de vivermos dias difíceis, isso é encorajador. A gente precisa se ocupar mais com a maneira como vive, e menos com os problemas do mundo. A gente precisa fazer de cada dificuldade uma oportunidade para viver de acordo com o propósito de Deus. A gente precisa experimentar a vontade de Deus em meios as circunstâncias vividas. Guarde com você essa promessa: Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os abale. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, pois vocês sabem que, no Senhor, o trabalho de vocês não será inútil” (1 Coríntios 15.58).

domingo, 18 de novembro de 2018

Fé e política: aproximações necessárias / Faith and politics: necessary approximations / Fe y política: aproximaciones necesarias


O teólogo alemão Johann Baptist Metz, em seu livro Teologia política, afirmou que “o problema do cristianismo não são as crenças, mas os sujeitos”. O que ele chama de teologia política é aquela que tem como missão “tomar a sério a velha e sempre idêntica missão da Teologia cristã: falar do Deus de Jesus pelo fato de procurar demonstrar as relações existentes entre a mensagem cristã e o mundo atual e traduzir a tradição da fé como memória não concluída e perigosa”. Isso nos remete a uma dimensão prática da abordagem teológica visto que é preciso que a teologia esteja de fato ocupada com a mensagem divina voltada de forma crítica para a realidade vivida no mundo.
A igreja é portadora de uma mensagem de esperança para o mundo porque ela é antecipadora de uma memória histórica da liberdade e da salvação para todos os que se encontram cansados, explorados e sem esperança. Essa mensagem é o que nos faz olhar a realidade presente com outra expectativa, como quem crê em um futuro libertador, e é também o que nos impulsiona a agir pela transformação do presente a fim de proporcionar condições sociais e humanas mais justas. É o que Metz chama de memória subversiva da fé, que deveria ser a marca predominante da ação da igreja.
Porém, a relação entre fé e política deve ser compreendida à luz dos processos de construção da subjetividade e da liberdade modernos. Ao promover um divórcio entre a objetividade e a espiritualidade, a Modernidade acabou provocando uma compreensão equivocada a respeito da fé, muitas vezes tida como distanciada da vida do mundo, voltada para um outro mundo além. E isso tem sido um fator inibidor de uma fé mais engajada e comprometida com as mudanças das estruturas dominantes que favorecem o aumento das desigualdades sociais, da exploração do outro e das injustiças sociais.
Se não formos capazes de compreender e de perceber os mecanismos que têm provocado uma estrutura injusta e desigual, tenderemos sempre a reproduzir os discursos que reforçam essas mesmas estruturas e a perpetuar a lógica da dominação e da exploração. É o que poderíamos chamar de fé engajada, que é aquela que busca trazer para a realidade presente aquilo que é esperança escatológica. Para tanto, compreende de forma adequada quais são os impedimentos para a realização humana em termos de justiça, compaixão e solidariedade.
O sofrimento e a luta social enfrentados hoje trazem consigo uma memória que precisa ser desvendada. Essa memória é o que alimenta as ações em busca de superação dos modelos de desigualdade e de injustiça social. E a busca de solução e superação das condições concretas em que tais modelos acontecem se dá a partir de determinados deslocamentos. Poderíamos falar do deslocamento da exclusão para a solidariedade, do medo à esperança, da competição para a generosidade e da violência para a compaixão.
Os caminhos para a construção de uma cultura de afirmação da dimensão política da fé passam pelo testemunho público da fé, pelo caminho de uma práxis comprometida com os mais vulneráveis e pela inserção histórica na vida comunitária, como agente de transformação em meio a outros agentes.
A fé não é só uma experiência interior, mas a busca de entendimento que se manifesta a partir da relação com o outro. A vida do que crê se dá em meio às estruturas sociais e culturais em que se está inserido. Uma fé que não compreende como as formas de dominação, de exclusão e de opressão estão presentes historicamente na sociedade, bem como o modo como essas formas estão impregnadas na cultura, é alienante. Não promove transformação, não é libertadora, uma vez que o modo como os sujeitos são construídos tem a ver com processos históricos. Somos formados a partir das circunstâncias históricas concretas que nos são dadas.
A aproximação entre fé e política nos remete à ideia de que toda expressão de fé é uma experiência política na medida em que lança um olhar a partir de um determinado lugar em que somos construídos e estão intimamente ligadas às lutas e as necessidades sociais.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Fundamentalismo religioso e política / Religious Fundamentalism and Politics / Fundamentalismo religioso y política


O que é fundamentalismo e por que tem exercido tanta influência na política? O fundamentalismo é um fenômeno social decorrente da racionalidade e do liberalismo tal como esses conceitos foram formulados pela Modernidade. O fundamentalismo nunca é religioso em si mesmo, pois está sempre vinculado a uma forma de perceber o mundo, os costumes e as ideias que orientam as ações políticas, a economia e a moral em uma determinada época, construído a partir de uma ideologia dominante. Corresponde à perda da visão ingênua da condição humana e do momento histórico vivido pelas sociedades, motivado por um sentimento de insegurança e de medo quanto às mudanças que estão em curso.
O racionalismo e o liberalismo são tendências que devem ser entendidas à luz de um cenário mais amplo. O racionalismo procurou exaltar o papel da razão suficiente e instrumental como também afirmar o caráter do sujeito livre e autônomo. E o liberalismo visava defender a dignidade da pessoa humana frente ao poder absoluto do Estado, representado pela defesa do direito ao livre pensamento, de propriedade e de liberdade religiosa. Essas tendências foram sendo consolidadas na medida em que, ao mesmo tempo, se afirmava o individualismo, o materialismo e a defesa de direitos fundamentais, que motivaram o surgimento de movimentos emancipatórios e de resistências diante das práticas e estratégias dos regimes de poder e do capitalismo nascente.
O fundamentalismo é, portanto, produto de uma preocupação que envolve o enfrentamento das transformações trazidas pela Modernidade. Essas transformações provocaram três movimentos que confrontaram com a religião e com o conservadorismo: a secularização, a globalização e o processo de laicização. A secularização tem a ver com o que Max Weber chamou de desencantamento do mundo. A globalização está relacionada com os processos de interferência dos valores e da lógica do consumo criados pelo capitalismo no interior de uma cultura local. E o processo de laicização corresponde a um crescente esvaziamento e abandono do elemento simbólico religioso na cultura.
Ele se constitui como um modo de perceber o mundo que se vale de elementos da tradição religiosa, e se instala no interior da estrutura religiosa – através de suas lideranças, de sua cosmologia, de suas doutrinas e até de sua práxis – para estabelecer um certo regime de saber, de controle e de poder para exercer influência na conduta de toda a sociedade. O fundamentalista é aquele que impõe sua crença e sua moral como padrão aferidor para a conduta dos demais.
Jurgen Habermas, em um artigo publicado na Folha de São Paulo, em 6 de janeiro de 2002, intitulado “Fé e conhecimento”, no qual elabora uma reflexão a respeito do impacto do episódio de 11 de setembro, viu um deslocamento da tensão entre a sociedade secularizada e a religião. Até bem pouco tempo, o centro dessa tensão estava entre os ideais científicos e a defesa da fé. De um lado, estavam aqueles que temiam o obscurantismo e defendiam o avanço científico; de outro encontravam-se aqueles que viam com suspeita o avanço do cientificismo e questionavam a neutralidade do conhecimento científico. Atualmente, o fundamentalismo estabelece essa mesma tensão em outras esferas da vida, como a política, a educação, o cuidado com a saúde e até a economia e as relações internacionais.
Só podemos falar de fundamentalismo no sentido da pluralidade. Há várias formas de fundamentalismos, principalmente os que envolvem o aspecto religioso. Os fundamentalismos religiosos são difíceis de serem tratados visto que atuam em diversas frentes, de diversos modos e através de diversos atores em diversos contextos.
Entretanto, podemos traçar algumas linhas comuns entre os diversos fundamentalismos existentes. Uma dessas características é a busca de retrocesso a um tempo em que o fundamentalista acha que havia uma suposta segurança. Outra característica é o apelo uma moral hegemônica, universal, válida para todos os indivíduos. Há também a ausência de consciência crítica, de espaços para a reflexão, principalmente para a análise das circunstâncias históricas. O que vale é o que se encontra expresso nos discursos hegemônicos fundados num texto sagrado. Os fundamentalistas de um modo geral são acríticos, anacrônicos e literalistas. Eles fazem uso da intimidação através do medo, da exclusão e da ameaça de punição eterna. E, por fim, eles têm apego ao senso comum, sobretudo com a simplificação do saber e a exaltação do elemento fantástico e sobrenatural. No conhecimento fundamentalista não cabe a complexidade.
O fundamentalismo tem arrebanhado cada vez mais adeptos. Dominam a mídia e as redes sociais. Mais recentemente tem avançado na ocupação de espaços públicos como a política. É um avanço irreversível que vem aumentando nos últimos tempos. Não há como contê-lo. A única coisa que pode deter é o exercício incansável da consciência crítica e a defesa constante das liberdades e direitos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Reconciliação: Reconectar o que se perdeu / Reconciliation: Reconnect what was lost / Reconciliación: Reconectar lo que se perdió


Em tempos de tantos desentendimentos, falar de reconciliação parece algo impossível. Entretanto, para que possamos restaurar sentimentos feridos, resgatar valores perdidos e até para restabelecer vínculos afetivos, precisamos aprender a arte de reconciliar. Diante dos conflitos que a vida nos oferece, a reconciliação é um esforço necessário para que possamos encontrar novas possibilidades para os relacionamentos que estão feridos. E isso é um assunto que a fé cristã tem muito a contribuir.
A palavra reconciliação aparece em duas ocasiões nos escritos do apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos e na Segunda Carta aos Coríntios. Ela foi retirada do contexto do mercado de câmbio dos gregos antigos, correspondendo a uma troca por valores equivalentes. Paulo nos dá a entender que há a necessidade de um ajuste de contas diante do cuidado de Deus em nos perdoar e nos acolher como seus filhos. O ato divino em nos reconciliar com Ele deve nos conduzir a uma nova atitude diante de tudo o que se perdeu desde quando nos afastamos de Seu propósito.
Reconciliar é literalmente tentar de novo o concílio, que por sua vez, é uma palavra vem da tradição cristã. Já traz implícita a ideia de uma diversidade de ideias. Concílio dizia respeito a uma concentração de esforços para que pudessem chegar a um acordo, um entendimento comum, diante de uma controvérsia. Tinha o sentido de uma união. Vem do latim concilium, que é a junção de duas expressões: cum, que quer dizer “junto”, e silium, que corresponde a “assento” (mas também pode ser de cillia, que quer dizer “movimento”). A igreja usou essa designação como uma convocatória para que os cristãos em conflito pudessem se reunir, com o sentido de sentarem juntos mesmos, para discutir problemas e chegar a um consenso. Posteriormente, essa palavra ganhou nova significação, relacionada ao sentido do verbo conciliare, que quer dizer acordo ou um ajuste de interesses. A palavra “conciliar” em português pode significar também: ficar em paz, acalmar, combinar e tranquilizar.
A carta de Paulo a Filemom traz um magnífico exemplo de reconciliação. Filemom era um cristão admirável, de uma família tradicional e bem-sucedido em seus negócios Tanto que, mesmo sendo cristão, era proprietário de escravos, o que era uma prática comum para a sociedade de seu tempo. Porém, um daqueles seus escravos fugiu. O nome dele era Onésimo.
A carta não trata das razões da fuga de Onésimo. O que o teria feito fugir? Pode ser que tivesse feito algo muito ruim, como roubar o seu senhor. Pode ser também que tivesse se rebelado por causa dos maus tratos, das condições injustas e opressoras que lhes eram impostas de forma incoerente com a fé que o senhor dizia professar. Ou pode ser ainda que possuísse um esclarecimento a respeito da sua condição social e tenha resolvido lutar por sua liberdade tentando construir uma outra história de vida. Não importa o motivo da fuga, o fato foi que a graça do evangelho alcançou Onésimo e ele veio a tomar parte do movimento cristão e ser um dos seguidores de Jesus que acompanhavam o apóstolo Paulo.
Paulo, então, envia Onésimo de volta a Filemom com um apelo para que fosse acolhido não mais como escravo, mas como um irmão na fé. Era preciso que ambos construíssem uma nova relação, que fosse fundada no amor. Não seria mais uma relação entre senhor e escravo, mas entre cooperadores na fé. Não mais uma relação servil, mas fraterna.
Reconciliar é restaurar conexões perdidas, recuperar as possibilidades de conciliar uma diversidade de situações contraditórias. Não significa voltar ao que era antes, mas dar chance para começar uma nova caminhada juntos. A reconciliação se faz necessária quando a gente se dá conta de que o que se perdeu é maior do que nós mesmos, de que o outro é importante e indispensável para nós. Para a reconciliação acontecer, é preciso reconhecer os próprios erros, perdoar os erros do outro e respeitar a presença e a opinião do outro. Quando a reconciliação não é buscada, corremos o risco do isolamento. Sem reconciliação, só nos resta a solidão.
A reconciliação tem em Deus seu maior realizador. Ele tomou a iniciativa de aproximar o que não é conciliável. Ele é o Deus que vem a nós. Para isso, ele esvaziou-se, fez-se como um de nós. Ele se revelou como o Deus conosco para que nos tornássemos um com Ele, a fim de que exercitássemos a reconciliação como um serviço ao próximo.

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