quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Nota do Grupo Fé e Política: Reflexões / Note Faith and Politics: Reflections Group / Nota del Grupo Fe y Política: Reflexiones


NOTA DE SOLIDARIEDADE ÀS VÍTIMAS DE BRUMADINHO – MG 
“A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados” (Romanos 8.19 NVI). 
O Grupo Fé e Política vem a público manifestar seu apoio e solidariedade às vítimas da tragédia ambiental envolvendo o rompimento da barragem de rejeitos de mineração no Município de Brumadinho – MG, no último dia 25 de janeiro de 2019.
Entendemos que o cuidado com a natureza, o cuidado com os trabalhadores e o cuidado com os espaços comunitários onde relações de convivência em família e histórias de vida acontecem são partes integrantes da missão de Deus confiada a todos nós, independentemente de confissão de fé. Trata-se do mandato universal do cuidado com a vida e da preservação de nossa casa comum a fim de proporcionar realização pessoal e qualidade de vida para todos e todas.
Entendemos também que a dignidade da pessoa humana abrange o respeito à vida em todas as suas expressões. Por essa razão, reconhecemos que as dimensões da tragédia de Brumadinho atentaram contra a vida de pessoas e seres vivos de todas as espécies com danos irreparáveis para indivíduos, famílias, sociedade e o meio ambiente em geral.
A Bíblia nos ensina que a natureza é expressão do cuidado de Deus para com a vida.
“[...] a terra inteira está cheia da sua glória” (Isaías 6.3 NVI).
Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmos 19.1 NVI).
Cuidas da terra e a regas; fartamente a enriqueces. [...]  eles exultam e cantam de alegria!” (Salmos 65.9 e13 NVI).
A natureza reflete não só o poder de Deus, mas também seu amor compassivo e sua bondade generosa para com todas as criaturas. Jesus Cristo ensinou a contemplar as aves dos céus e os lírios do campo para que pudéssemos compreender o cuidado de Deus acima dos poderes instituídos (Mateus 6.26-30).
Em face do acontecido, levantamos juntos um clamor no sentido de:
- que Deus console as famílias enlutadas;
- que Deus conceda força, coragem e esperança aos familiares dos que ainda estão desaparecidos;
- que Deus redobre o ânimo das equipes de busca sabendo que seu esforço não é em vão;
- que haja entendimento por parte das autoridades para terem diligência no atendimento à necessidade dos desabrigados e desamparados;
- que haja arrependimento e mudança de atitude por parte dos responsáveis pela exploração das riquezas naturais, quer sejam agentes públicos, quer sejam técnicos e executivos das empresas, quer sejam investidores ligados ao mercado financeiro.
- que haja mudança na conduta da igreja no sentido de se tornar, ao mesmo tempo, voz profética e comunidade acolhedora a todos envolvidos.
Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2019.
Grupo Fé e Política: Reflexões

domingo, 27 de janeiro de 2019

Crime ambiental: as lições não aprendidas de Mariana e Brumadinho / Environmental crime: the lessons not learned from Mariana and Brumadinho / Crimen ambiental: las lecciones no aprendidas de Mariana y Brumadinho


Mais uma vez assistimos a uma tragédia humana. Não, não foi uma tragédia ambiental, mas uma tragédia humana provocada pelo crime cometido contra o meio ambiente. Tragédias ambientais são provocadas por fenômenos naturais. O que aconteceu em Brumadinho no começo da tarde de 25 de janeiro de 2019 foi provocado pela ação humana. Dois dias depois do rompimento da barragem dos rejeitos da mineradora privatizada Vale, a contabilização dos mortos cresce cada vez mais, o drama dos parentes dos desaparecidos aumenta e os sinais de degradação da vida pela invasão da lama tóxica vão aparecendo de forma dramática. Se compararmos com o acidente de proporções semelhantes de Mariana em 2015, podemos dizer que se trata de uma tragédia anunciada.
A todo tempo, pela mídia e pelas redes sociais, vão sendo apontados os possíveis culpados: uns dizem que são os governos atuais que prometeram afrouxar as fiscalizações ambientais; outros dizem que foram os governos anteriores que fizeram vistas grossas para a falta de cuidado com as barragens. Sem tirar a razão dessas críticas, é preciso voltar os olhos para outro ator. A verdadeira e única culpada da tragédia de Brumadinho – que também o foi de Mariana em 2015 – é a privatizada Vale, cujos acionistas e executivos financiam lobbies para cooptar políticos, juízes e procuradores a fim de que estes facilitem a exploração do homem e da natureza.
O crime ambiental tem sempre o mesmo viés: é resultado de uma visão capitalista de produção, que é voltado para a exploração da natureza visando a obtenção de lucro. A lógica capitalista obriga a que empresas aumentem sua lucratividade reduzindo custos de exploração da mão de obra para a extração da matéria prima da natureza logo no começo da cadeia produtiva. Incentiva o uso de técnicas predatórias, isso para não falar do emprego de venenos que destroem a natureza e comprometem a qualidade dos alimentos.
Para essa ação, empresas nunca atuam sozinhas. Contam com a falta de políticas públicas de preservação da natureza e cuidado com a terra, com uma legislação frágil de regulação e de fiscalização das atividades econômicas ligadas à vida e ainda com instituições reguladoras e fiscalizadoras tomadas por pessoas comprometidas com interesses do capital. Esse cenário forma um círculo vicioso que não permite punir o verdadeiro culpado. Numa sociedade séria, os principais executivos da empresa responsável deveriam estar presos preventivamente.
A extensão do estrago deveria ser, por si só, motivo de punição: o Rio Paraopeba – que deságua no Rio São Francisco que deságua no mar dos estados de Alagoas e Sergipe – teve suas águas contaminadas num trecho de cerca de 220 quilômetros; a produção agropastoril da região foi devastada por onde a lama passou afetando diretamente a economia; áreas de preservação ambiental foram invadidas. Isso sem contar com o mais trágico: vidas soterradas, a maioria de trabalhadores da mineradora em questão. Fazendo mau uso do trocadilho, a vida não vale nada para a Vale.
Não são poucos os estudiosos de várias áreas que alertam para o risco que a humanidade enfrenta. Pela primeira vez na história humana, estamos diante da ameaça de extinção da humanidade em que o principal responsável é o próprio ser humano. O episódio de Brumadinho, como o de Mariana e outros crimes ambientais em diversas partes do planeta, é um sinal de que o alerta precisa ser levado a sério. Ou mudamos a forma como lidamos com a natureza ou a humanidade sofrerá danos irreversíveis.
(Foto: Folha de São Paulo)

sábado, 12 de janeiro de 2019

Evangelho, salvação e libertação / Gospel, salvation and freedom / Evangelio, salvación y liberación


A Carta aos Gálatas traz uma rica mensagem para a igreja de hoje. De todos os escritos do apóstolo Paulo, é o que traz o evangelho para o centro da vida e trata a vida a partir do evangelho. Nunca vivemos um tempo em que se faz tão necessário evangelizar os crentes como os dias atuais. Talvez precisemos reescrever uma carta aos cristãos de hoje como Paulo escreveu aos gálatas.
Paulo procurou apresentar o evangelho da vida aos crentes da Galácia assim como defendeu a vida a partir do evangelho. Ele colocou a vida diante do evangelho. Para ele, o evangelho é um manual de vida que nos orienta a como vivermos neste mundo como participantes do Reino de Deus. É pelo evangelho que sabemos como somos transformados como cidadãos do Reino e como nossa vida de comunhão se tornam comunidades do Reino.
É um grande equívoco achar que a vida cristã se resume a uma prática ritual, legalista ou formal. Vida cristã é vida no, pelo e com o evangelho. Isso porque o evangelho é a boa notícia do favor imerecido de Deus, de que o amor gracioso de Deus foi revelado a nós na pessoa de Jesus Cristo. O nascimento, vida, ensino, crucificação, ressurreição e glorificação de Jesus revelam o quanto Deus nos ama e o modo como somos salvos por essa graça.
A Carta aos Gálatas nos ajuda a entender o que é salvação pela graça, em contraposição à salvação pelas obras, e a transformação da vida pela graça e a liberdade da vida imersa no Espírito, em lugar do formalismo religioso. O evangelho nos intima a compreender que somos piores do que imaginamos e nos convida a acreditar que somos mais amados e acolhidos por Deus do que possamos merecer. E é pelo evangelho que podemos mudar o nosso entendimento e nossa visão de mundo.
A questão que domina a carta é a respeito de como os gálatas se deixaram influenciar pelas ideias religiosas dominantes, em substituição ao evangelho que lhes fora anunciado. O problema principal das igrejas da Galácia era com respeito aos costumes religiosos. Um grupo de mestres ensinava que era preciso retomar os hábitos judaicos para que a fé cristã tivesse validade. A Galácia era uma região da Ásia Menor (atualmente compreendida pela Turquia) que era dominada pela cultura greco-romana. Isso quer dizer que a dificuldade enfrentada era de ordem cultural e social, na medida em que os crentes precisavam aprender a viver o evangelho de forma integral dentro de sua própria cultura.
Para os mestres judaizantes, a relação com Cristo dependia de algo a mais, de alguma contribuição ou esforço pessoal para que fosse validada. Eles acusavam que Paulo havia anunciado um evangelho sem fundamento. Paulo, entretanto, afirma enfaticamente que só Cristo basta para se ter uma vida transformada. Esse foi o evangelho que Paulo havia ensinado quando plantou igrejas na região. Acreditar ou seguir um “outro evangelho” diferente desse seria algo impensável. Paulo chega a chamar essa atitude de uma maldição, como algo a ser rejeitado veementemente pelos cristãos.
Duas preocupações envolvem a redação da Carta aos Gálatas: a primeira é que Paulo queria provar e afirmar a sua autoridade como apóstolo; a segunda é que Paulo queria deixar clara a base de toda a mensagem do evangelho, que tem a ver com a salvação e a liberdade. Paulo vai direto ao assunto, sem rodeios, provocando polêmicas o tempo todo. O que estava em questão era a essência do evangelho que Paulo pregava com a própria vida. Esse é o evangelho que liberta, em confronto com o discurso que escraviza a uma prática legalista e moralista.
Afinal, qual a essência do evangelho? Em princípio, o evangelho não está preocupado com o que as pessoas podem fazer por Deus, mas com o que Deus faz pelas pessoas. A mensagem do evangelho é a boa notícia da salvação, que é o que proporciona libertação de toda forma de opressão, de exploração e de ignorância. Essa mensagem alcança o homem todo, que conduz a uma vida plena no mundo e a uma relação íntima com Deus. Em toda a carta, a ênfase é dada ao evangelho que é centrado no evento salvífico da vida, morte e ressurreição de Jesus. A própria vida de Paulo é a concretização desse evangelho na vida.
O evangelho é a boa notícia do acolhimento em amor, de respeito à diversidade, de cuidado com os mais pobres e necessitados, de liberdade para uma vida mais humana. O ato profético de anunciar essa mensagem para a igreja de hoje é um grande desafio. Proclamar a liberdade conquistada na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo requer uma vida comprometida no evangelho. Dizer que “foi para liberdade que Cristo nos libertou” (Gálatas 5.1) só faz sentido na boca de quem é capaz de dizer que “Cristo vive em mim” (Gálatas 2.20).

domingo, 6 de janeiro de 2019

A salvação é pelo amor / Salvation is for love / La salvación es por el amor


Quando se fala em salvação, três modos de abordagem vêm à tona. O primeiro se refere ao bem-estar, àquilo que proporciona prazer e felicidade, às condições de realização e satisfação da pessoa. O segundo está ligado à libertação, à emancipação do sujeito, às formas em que a liberdade se concretiza em meio à dinâmica da vida social, ao superar a opressão, a dominação e a exploração. Já o terceiro é voltado a uma retomada de algo que se perdeu no passado, a um resgate de uma certa condição perdida por causa de rupturas históricas ou mesmo de escolhas malsucedidas em algum momento que fizeram com que a trajetória da vida perdesse seu rumo.
Dessa forma, falar de salvação, de um modo geral, tem a ver com o bem-estar, com a libertação e com a restauração do ser humano. E esse cuidado com a salvação está presente em todos os discursos religiosos na medida em que se buscam caminhos para a construção relações que proporcionem a dignidade e o valor do ser humano. Entretanto, o modo como a fé cristã trata o tema de salvação extrapola a dimensão discursiva presente no fenômeno religioso. A salvação, para o cristianismo, está centrada na pessoa, obra e ensino do Cristo.
O cristianismo sempre tratou da salvação como um tema norteador de sua teologia. Ora com um viés moral, ora com uma preocupação existencial, mas sempre centrada na pessoa de Cristo. Como argumento moral, a salvação sempre se referiu a uma espiritualidade como fuga do mundo, como um despojar-se das paixões terrenas tendo em vista a vida futura, como um “negue-se a si mesmo”. A vida presente é tratada como um ensaio para a eternidade. Já como uma preocupação existencial, a salvação tem a ver com a abertura para Deus no sentido de uma comunhão que se reflete no modo como realizamos nossa vida no mundo, expresso pelo convite amoroso do “vinde a mim”.
O que é a salvação, afinal? O que significa ser salvo? Somos salvos de quê e para quê? São questões fundamentais para refletirmos sobre nossa própria condição humana que não comportam respostas simples. Poderíamos afirmar, em princípio, que a salvação é a condição de comunhão do homem com Deus e consigo mesmo. Que ser salvo significa ser o humano que se é diante de Deus que sabe quem somos e diante do outro que nos interpela constantemente. E que somos salvos de nós mesmos, de nossa própria perdição, para realizarmos o projeto divino da vida em comunhão com Deus e com os outros.
Proponho aqui três eixos para pensar o tema da salvação: a criação, o pecado e o amor. A salvação como realização do projeto divino de comunhão do homem com Deus, consigo mesmo e com o outro é algo que se dá historicamente, de forma concreta, dentro da esfera da realidade humana, propondo transformações e conduzindo a uma realização plena em Cristo. A salvação não se dá fora deste mundo, mas dentro das condições intramundanas em que estão em questão quem somos, o que fazemos e como nos relacionamos.
No eixo da criação, é preciso rever o modo como podemos compreender o ato criador, não a partir de uma origem, mas como um projeto salvífico. A Bíblia sempre apresenta a Deus, e o exalta assim, como criador e salvador. A criação não é um momento estanque da história. O mesmo que cria natureza e o humano é aquele que está presente e se manifesta historicamente em meio às relações do homem em seu contexto. O criador salva porque ele não está de fora da história. Entretanto, sua presença não é a de um demiurgo, mas como salvador.
No eixo do pecado, não podemos ignorar o fato de que se trata também de uma realidade histórica, como ruptura de nossas relações com Deus, conosco, com o outro e com a natureza. O pecado não é uma mera falta pessoal, não é simplesmente um “errar o alvo” como se tivéssemos deliberadamente escapado de um roteiro pré-estabelecido. O pecado tem mais a ver com a nossa condição humana de romper com nossas relações para dar lugar a uma atitude egoísta, em vez de solidária; a uma visão individualista do mundo, em vez de comunitária; a uma perspectiva imediatista, em lugar da esperança; a uma postura acumuladora, em vez de generosa; à competição, em vez de compaixão; ao ódio, em vez de misericórdia. O pecado, dessa forma, se dá tanto em nível pessoal como social. É o que nos impede de realizarmos nossa humanidade a partir de nossa própria realidade cotidiana, da maneira como nos conduzimos como pessoas no mundo. O gesto salvífico de Deus está em nos alcançar em meio às consequências do pecado em na vida humana de forma integral, alcançando o homem todo e em todas as suas relações.
No eixo do amor, encontramos as narrativas da revelação de Deus na pessoa histórica de Jesus Cristo. Ele é o Salvador porque encarnou o projeto salvífico de Deus na sua própria pessoa. Fora desse amor encarnado não há salvação. Não se trata de uma afirmação exclusivista da salvação, mas de entender que, independentemente do credo religioso que se professa, da cultura ou da condição sócio-histórica, Jesus Cristo assumiu em si mesmo as contradições humanas e apontou o caminho da salvação, que é viver como ele viveu, ser um com ele, assumir a cruz e segui-lo.
Se entendermos a criação como parte do projeto divino, podemos dizer que o mundo vale a pena. Se entendermos o pecado como uma ruptura de nossa humanidade, compreendemos como a maldade nos corrompe e o quanto ela afeta o cuidado divino sobre nós. Se entendermos a pessoa de Jesus Cristo como realização histórica do amor divino, podemos avaliar o quanto a salvação é um bem precioso. É possível, então, dizer como os apóstolos: “Não há salvação em nenhum outro...” (Atos 4.12).

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