A sucessão do papa está cercada de
surpresas: a surpresa da renúncia, a surpresa da escolha rápida, a surpresa do
primeiro papa jesuíta e latino-americano e a surpresa do nome Francisco. O
Cardeal Jorge Mario Bergoglio, Arcebispo de Buenos Aires, escolhido no dia 13
para ser o novo papa, traz expectativas de mudanças para uma igreja que se encontra
em crise. É, sem dúvida, um fato histórico cercado de muitos significados e que
exige muito cuidado para sua análise e compreensão.
A princípio, ventos de mudança sopram
pelo Vaticano e o cristianismo como um todo. Primeiro por que a igreja passa
por uma crise diferente das que já passou em outras épocas. A igreja que já
enfrentou feras, fogueiras, imperadores e heresias enfrenta uma crise que é
deste tempo, marcado pelo desencantamento do mundo, pela fragmentação do
sujeito e pelo fim dos absolutos. O que está em jogo não é mais a autoridade e
identidade da igreja, mas a validade da fé em Jesus Cristo como único meio de
salvação. O homem contemporâneo aprendeu a viver sem Deus e se sente muito bem
com isso, de tal maneira que é indiferente à proposta de fé cristã.
O discurso religioso do cristianismo é
como uma voz em meio a muitas outras vozes que soam aos ouvidos de uma
humanidade errante como ovelhas sem pastor ao mesmo tempo em que a voz do pastor
como aquele que guia já não faz mais qualquer sentido hoje se não for marcada
pelos apelos da sociedade de consumo, do prazer e do individualismo que se
formou.
A chegada do novo papa é marcada pela
esperança de que as mudanças sonhadas pela cristandade desde o fim da Idade
Média finalmente cheguem até nós. É desde lá que se diz que a igreja precisa
mudar o rumo. Essa foi a vocação de Francisco, o de Assis. Esse foi o legado de
John Wycliff, João Huss e Savonarola. Essa foi a intenção dos reformadores
protestantes. Essa foi a proposta do Concílio Vaticano II. E que mudanças são
essas? A retomada de um modo de vida marcado pelo caráter de Jesus de Nazaré.
Conforme Leonardo Boff afirmou, o nome
Francisco é um arquétipo das possibilidades de mudanças. Uma igreja pobre para
os pobres, centrada nos valores anunciados pelo Cristo, como o perdão, a
misericórdia e a simplicidade. Conseguiremos ver isso acontecer? Num espaço
curto de tempo, será difícil de se ver. As mudanças na igreja romana fazem
parte de um processo muito lento, dado o seu gigantismo e seu milenarismo, que
pode levar tempo, séculos talvez. O importante é que o discurso se faz ouvir a partir
do núcleo, do centro em que se exerce o poder da igreja, o próprio pontífice,
não mais das suas periferias.
Tenho para mim que as mudanças que são
de fato necessárias não são estruturais, eclesiológicas ou políticas. Elas são
conjunturais. Cristãos precisam assumir uma nova consciência, a de que somos
parte de um todo complexo e que dependemos uns dos outros para existir. Precisamos
nos dar conta do fato de que não somos espectadores de um naufrágio, seguros em
um porto. Estamos todos num mesmo barco e corremos os mesmos perigos.
O fato de o novo papa ser argentino,
latino-americano e jesuíta é secundário. O que pesou mais em sua escolha foi o
fato de ser conservador e ter uma história de cuidado no campo pastoral.
Afinal, um colégio de cardeais conservadores elegem sucessores a sua imagem e
semelhança. Suas primeiras palavras indicam que há duas tendências que serão
pautadas: a experiência mística e a ação pastoral. Não são alternativas novas. É
o apelo da fé e da missão. Não são alternativas entre muitas. São as únicas
alternativas viáveis. Que esses ventos de mudança soprem sobre protestantes
também.