quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Psicanálise e Clínica Pastoral: caminhos para o cuidado da alma / Psychoanalysis and Pastoral Clinic: paths to care for the soul / Psicoanálisis y Clínica Pastoral: caminos para el cuidado del alma

É possível uma aproximação entre a Psicanálise e o Aconselhamento Pastoral? Para muitos, a Psicanálise e o Aconselhamento Pastoral são campos completamente distintos. A bem da verdade, a abordagem psicanalítica nasceu a partir de um contexto arreligioso e leigo. Entretanto, não podemos negar a relevância da ação pastoral em meio aos conflitos vividos pelas pessoas, sobretudo nos dias atuais.

Ao longo do tempo, a ação pastoral foi adquirindo novos contornos. Desde a antiguidade clássica, aquilo que hoje chamamos de aconselhamento pastoral esteve ligado aos processos terapêuticos que os antigos gregos já vinham elaborando. A filosofia greco-romana, especialmente os estoicos, desenvolveram práticas e concepções que visavam o cuidado com a espiritualidade e com a vida saudável.

Os cristãos se apropriaram de muitas dessas práticas que resultaram nos ideais da vida regrada desde o século II. Essa apropriação formou o que Michel Foucault chamou de poder pastoral, que tinha a ver com uma certa habilidade do guia de almas para fazer com que os iniciados fossem capazes de falar a verdade sobre si e para confessarem as formas com que a maldade interferia em seus pensamentos e comportamento.

Com os avanços da ciência moderna, houve um distanciamento do cuidado com a alma, reduzindo-a a uma racionalidade. No âmbito das ciências médicas, isso representou o tratamento de problemas de saúde mental a partir dos aspectos biológicos e fisiológicos, considerando os comportamentos divergentes como loucura ou alienação. A Psicanálise representou um esforço na psiquiatria e na psicologia para trazer de volta a preocupação com o campo psíquico, agora não mais como um exercício espiritual, mas como uma ciência.

O tempo em que nós vivemos demanda uma abordagem da condição humana em todas as dimensões. Isso inclui também a espiritualidade e os aspectos ligados à vivência em uma comunidade de fé. Trazer a clínica pastoral para mais próximo da abordagem psicanalítica é um caminho necessário para cuidar de pessoas que sofrem os males desse tempo. Angústia, ansiedade, fobias, pânico, estresse e depressão são enfermidades que assolam cada vez mais pessoas.

As comunidades de fé também estão repletas de pessoas que sofrem com essas enfermidades, muitas vezes em silêncio por causa de preconceitos e ignorância a respeito da própria condição humana. Por causa dessa demanda que foi pensado o curso de Psicanálise e Clínica Pastoral.

A Psicanálise como método psicoterapêutico pode contribuir para o trabalho da clínica pastoral, fornecendo conceitos e técnicas para que as pessoas entendam melhor o funcionamento de sua psiquê e o papel do inconsciente, dos sentimentos e das emoções no processo de tomada de decisões, na maneira de pensar e de compreender a realidade. No âmbito do aconselhamento pastoral, o emprego de princípios de psicoterapia contribui para que as pessoas tenham mais liberdade para tratar a causa dos seus sofrimentos.

A clínica pastoral é um espaço em que as pessoas podem ter um primeiro contato com os processos terapêuticos e para a busca de tratamento de sua dor. Por isso que é importante oferecer uma abordagem a respeito do aconselhamento pastoral a partir da escuta atenta, tendo em vista fazer com que os que recebem o cuidado pastoral possam se conhecer melhor, compreender a sua condição de sujeito e desenvolver-se como pessoa a partir de suas próprias potencialidades e competências.

[Saiba mais sobre o curso Psicanálise e Clínica Pastoral. As inscrições já estão abertas e o início será em 2 de novembro de 2024. É um curso de extensão, com 20 horas de duração, com aulas aos sábados. O curso visa a capacitação daqueles que atuam na área de aconselhamento pastoral. Ele não se destina a formar terapeutas, mas capacitar profissionais e lideranças que atuam como conselheiros em suas comunidades de fé. Para saber mais e fazer sua inscrição,, acesse o link: https://www.e-inscricao.com/ireniochaves/cursopsiclinpast ]

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

A arte de perguntar / The art of asking / El arte de preguntar

Interrogou-o com muitas perguntas, mas Jesus não lhe deu resposta” (Lucas 23.9).

Quantas vezes você já se perguntou sobre qual é o sentido da vida, como será o futuro, quem é você ou mesmo qual é o seu valor como pessoa? Fazer perguntas é uma habilidade humana diante daquilo que não conhecemos. Jesus ouviu muitas dessas perguntas e procurou conduzir as pessoas a uma busca pelas respostas mais adequadas.

Por que perguntamos? Perguntamos quando somos confrontados diante daquilo que desconhecemos. As perguntas funcionam como chaves que abrem portas para o nosso entendimento. Só é capaz de fazer perguntas quem admite sua própria ignorância.

As perguntas estimulam o conhecimento em todos os campos de saber. A ciência só consegue avançar quando o próprio cientista reconhece que não tem conhecimento sobre um assunto. Quando as perguntas são feitas de forma adequada, elas podem gerar diversas possibilidades de respostas, podem despertar novas investigações e podem promover mudanças de entendimento que parecem consolidados há muito tempo.

O ato de perguntar ou de ser perguntado dá origem a novas descobertas , nos mobiliza a construir novos conceitos e aponta novas formas de compreensão da realidade. As perguntas têm o poder de despertar novos sentidos. Se nós não formos capazes de indagar a respeito dos problemas que enfrentamos, podemos nos tornar pessoas que se queixam de tudo sem buscar soluções.

A arte de perguntar é milenar. Os primeiros filósofos procuravam compreender os fenômenos naturais a partir da indagação sobre a causa dos próprios fenômenos. Sócrates desenvolveu um método próprio de fazer perguntas, chamado de maiêutica. Seu objetivo com isso era descobrir o que seus interlocutores tinham certeza a respeito do que sabiam. Através de um jogo de perguntas com base na ironia, Sócrates levava seus alunos e seus oponentes a novas descobertas.

Os tempos mudaram, o volume de informações aumentou e nossas demandas por conhecimento se tornaram mais urgentes. O conhecimento não está mais na capacidade de obter respostas, mas em fazer novas perguntas. Qualquer um de nós é capaz de olhar em volta e se perguntar a respeito do significado ou utilidade das coisas. As crianças descobrem isso desde cedo e começam a perguntar sobre o que é e o por quê das coisas.

Em tempos de novas tecnologias de informação e de inteligência artificial, quando alguém quer saber sobre algo, a recomendação mais fácil é: “dá um Google”. Mas a realidade é que não há ninguém que tenha uma inteligência tão extraordinária que seja capaz de resolver todos os problemas. Sempre haverá a necessidade de se fazer novas perguntas diante de novas possibilidades.

Nos evangelhos, encontramos Jesus ouvindo muitas perguntas de diversas pessoas a respeito de vários assuntos relacionados à vida. Ricos e pobres, autoridades e pessoas comuns, religiosos ou não, todos procuravam Jesus para perguntar sobre aquilo que angustia a todos nós: o sentido da vida, quem somos, para onde vamos. Jesus, porém, aproveitou essas oportunidades para desenvolver um diálogo com essas pessoas a respeito daquilo que mais as interpelavam.

Isso faz lembrar a ideia filosófica de que por traz de uma pergunta há sempre outras que não são ditas, mas que estão ali implícitas. Houve questões, entretanto, que não foram respondidas, como no caso de Herodes antes da crucificação. Houve outras que Jesus devolveu com um chamado à autorreflexão, como no caso da mulher pega em adultério. Houve também perguntas a respeito da sua pessoa, como a que foi feita pelos discípulos de João Batista, que só a observação dos fatos poderia oferecer a melhor resposta. E ainda houve as que Jesus aproveitou a ocasião para passar grandes ensinamentos, como no caso da cura do cego de nascença.

Se a fé nasce da busca de entendimento, como afirmou Anselmo de Cantuária, ela se faz através de muitas perguntas. Para ele, a busca de Deus é permeada de indagações: onde podemos encontrá-lo? Por que não o vemos? De que forma podemos buscá-lo? São algumas das muitas perguntas que também podemos fazer hoje. A fé cristã não é passiva, mas uma inquietante atitude diante do imponderável.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails