Após três décadas da morte de Michel Foucault, seu pensamento
continua sendo uma referência para quem está em busca de mudanças, sobretudo no
que diz respeito a questões éticas e às relações que envolvem a dinâmica da
vida social. A maneira como entende a relação entre saber, poder e sujeito tem
ajudado a diversos campos de investigação a desvendar as múltiplas formas como
o poder se dá e como é instituída uma rede de saberes que visa a transformação
de indivíduos em sujeitos, abrangendo aí a moral e as práticas sociais.
A partir das últimas obras de Michel Foucault, é possível
problematizar a respeito da compreensão do sujeito contemporâneo e das
estratégias para se desenvolver uma transformação do sujeito, uma forma de
contrapoder, que permita resistir aos modos de sujeição que lhes são impostos.
Ao delimitar o que tem sido denominada de “último Foucault”, o que se busca é a
possibilidade de construir uma cultura de si que permita que o indivíduo se
mantenha livre em relação às formas de subjetivação que lhes são impostas e que
lhe permita uma afirmação de si como sujeito do conhecimento.
A obra de Michel Foucault está inserida no contexto das reflexões
levadas a efeito na segunda metade do século XX e que pode ser denominada de
uma filosofia da indeterminação, visto que se ocupa das questões relativas ao
sentido e ao sujeito, em contraposição a uma filosofia do saber, centrada na
racionalidade e no conceito. O que está em discussão é a reflexão que se faz
necessária sobre as relações entre a questão do fundamento da racionalidade e
as condições históricas que, na atualidade, tornam possível essa mesma
racionalidade.
Foucault ocupou-se especificamente das relações do sujeito consigo
mesmo e isso se tornou mais nítido em seus últimos escritos. O conjunto de seu
pensamento consistia em uma abordagem ética que visava a um sujeito liberado dos atributos que lhe foram dados pelo
saber da modernidade, determinadas pelo poder disciplinar e normalizador e por
uma moral orientada para o código, como resultado de procedimentos históricos
que vêm sendo construídos desde a antiguidade greco-romana.
Seu principal interesse foi mostrar a possibilidade de
orientar os esforços de pensamento e da ação para a constituição daquilo que
ele denomina “estética da existência” como um modo de vida orientado para o
cuidado de si. Uma vez que a tentativa de se encontrar o fundamento para uma
moral universal de caráter normativo, engendrada pela modernidade, fracassou, o
que resulta é a relação do indivíduo consigo mesmo cujo centro é a liberdade.
A ética que emerge desse contexto é vista pelo próprio Foucault
como a possibilidade de formação de um modo de vida que possa fazer sentido e
servir de inspiração como uma obra de arte. Ele disse:
“O que me surpreende é o fato de que, em nossa
sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e
não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feito por
especialistas que são artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se
transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um
objeto de arte, e não a nossa vida?”
Foucault está empenhado em analisar as ações que governam outras
ações a partir de categorias que orientam as práticas sociais que formam o
sujeito ético, categorias essas ligadas às relações de verdade, ao poder e à
ética que constituem a realidade humana. Na trajetória que ele estabelece para
essa investigação – que se dá pelo método arqueológico e genealógico –,
Foucault se depara com o cristianismo, que irá se apropriar de técnicas já
organizadas do cuidado de si na antiguidade greco-romana para dar lugar a novas
formas de uso dessas mesmas práticas.
Foucault tenta diagnosticar quais são os aspectos que caracterizam
o momento atual da racionalidade ocidental, identificando os perigos que são
inerentes a esse tempo, não na tentativa de redimir a humanidade dos seus
perigos, mas de reconhecer que cada época tem seus próprios perigos e que é
necessário enfrentá-los. Dreifus e Rabinow denominaram essa atitude de Foucault
de um “pessimismo hiperativo”.
“Sua prática sugere, contudo, que ele compreenda que seu
diagnóstico dos perigos atuais da luta cristã pela pureza e pela salvação, e da
fé iluminista numa razão universal, assim como sua preferência por uma ética
que é uma estética da existência com seus perigos, é, em última instância, uma
interpretação a ser julgada em termos de sua ressonância com outros pensadores
e atores da vida social e seus resultados.”
(Trecho tirado da tese de doutorado “Espiritualidade e
subjetividade: a provocação de Michel Foucault e a teologia em tempos
pós-modernos”.)
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