quarta-feira, 23 de julho de 2025

Caminho do Itinerário do Amor: uma reflexão a partir do Castelo Interior / Path of the Itinerary of Love: a reflection from the Interior Castle / Camino del Itinerario del Amor: una reflexión desde el Castillo Interior

Um dos textos mais sublimes da espiritualidade cristã é, sem sombra de dúvidas, a obra “O castelo interior”, de Teresa de Ávila, santa e doutora da igreja que viveu na Espanha durante o século XVI. Trata-se de um clássico da literatura de espiritualidade e mística. Nesse livro, a fundadora do Convento das Carmelitas Descalças ofereceu, de forma simples, uma proposta de experiência de encontro com Deus e de busca de santidade.

Teresa de Ávila usa a metáfora de um castelo formado por muitas moradas para se referir à alma humana. Consideremos nossa alma como um castelo, feito de um só diamante ou de um cristal claríssimo, onde há muitos aposentos, à semelhança das muitas moradas que há no céu”, diz ela. Essa jornada em direção ao encontro com Deus é também conhecida como o “caminho do itinerário do amor”, um guia de experiência de espiritualidade que o campo da mística tem se debruçado em suas investigações e descobertas.

Nesse caminho místico, não estamos sozinhos. É o próprio Rei que nos guia e nos conduz, a cada morada, em direção ao grande salão real. Para percorrer essas moradas, é preciso primeiro tomar a decisão de entrar no castelo interior. Logo na primeira morada, a alma é despertada para a vida espiritual, convidada a reconhecer o seu valor e a sua necessidade de Deus. Embora ainda estejamos presos aos desejos e envolvidos com o pecado, não podemos esquecer que fomos criados como imagem e semelhança de Deus.

Ao chegar à segunda morada, a alma é encorajada à prática da oração e aos exercícios espirituais. O objetivo é perseverar na luta contra as distrações e a na busca por uma vida mais próxima da vontade divina. A terceira morada corresponde ao momento em que a alma desfruta do cuidado divino e começa a sentir a presença de Deus de forma mais intensa. Entretanto, ela ainda pode sofrer oscilações e dificuldades.

Na quarta morada, a alma experimenta um aprofundamento da experiência mística, com um desejo ardente de se entregar completamente a Deus. Ná quinta morada, a alma atinge um grau de união mais profundo com Deus, frequentemente descrito como um êxtase místico, onde a vontade da alma se torna mais alinhada com a vontade divina.

Na sexta morada, a alma experimenta uma união quase plena com Deus, com a prática constante da oração, das virtudes e da caridade. Enfim, a sétima morada corresponde à plenitude da experiência de Deus vivendo em perfeita harmonia com a vontade divina e desfrutando a verdadeira paz e alegria espiritual.

Há quatro lições que podemos extrair dessa obra de Teresa de Ávila. Os sete estágios de progresso espiritual descritos por Teresa implicam conhecer a alma humana e descobrir a vida interior. A primeira lição é o caminho da descoberta de si; a segunda tem a ver com nossa luta interior que confronta nossos desejos e a carência de Deus que todos possuímos; a terceira é a alternativa que o chamado divino nos oferece, de experimentar uma vida de intimidade com Deus; e, por fim, a lição de que uma vida de plenitude da presença de Deus é possível num mundo tão conturbado como o nosso.

Teresa de Ávila viveu numa época bastante contraditória. Era um tempo de mudanças em que o Ocidente abandonava a mentalidade medieval e se abria para a Modernidade. Essa transição foi dominada pela descoberta da racionalidade e pela defesa da dignidade humana. Além disso, a Espanha encontrava-se sob forte influência da inquisição, com o temor constante de aderir aos novos ventos que vinham do humanismo e das ciências nascentes e, sobretudo, dos ideais da Reforma Protestante.

Havia também o fato de ela ser mulher numa sociedade patriarcal. Embora tivesse sido estimulada a escrever sobre suas ideias e sua experiência, ela foi muitas vezes considerada como impulsiva e desajustada à sociedade. Aos 21 anos, abandonou a família para viver de forma radical a sua experiência de fé. Em vez de uma vida reclusa em um mosteiro, optou pela missão peregrina de formar diversos conventos pela Espanha.

A jornada de espiritualidade, quando vista à luz da tradição mística cristã e da Escritura, nos oferece uma compreensão mais aprofundada da vivência do amor ensinada por Jesus de Nazaré. A proposta de Teresa de Ávila está bem ajustada à experiência mística. De um modo geral, essa experiência envolve a prática da ascese, a meditação e o êxtase. Dito de outro modo, envolve a prática de purificação dos sentidos, o esforço para esvaziar a mente e a experiência de fortalecer o espírito. É um processo lento e gradual, com muitas idas e vindas, até que se alcance a união mística com Deus. Tudo isso para que possamos atravessar o deserto e refazer o caminho novamente.

A essência da experiência de Deus é o amor. Esse é o mistério divino que perpassa a relação de Deus com a Sua criação e nos interpela a experimentarmos sua realização de forma concreta em nossa vida. Ter um encontro com Deus é encontrar o amor em sua forma mais profunda.
(Assista à série de reflexões Moradas: Caminhos para a experiência de Deus >> no meu canal: https://www.youtube.com/playlist?list=PL4NVfVIy5Bi7DkhSi1oYXv2cJB2VF0sy4

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Deus cuida de mim: Você não está só / God takes care of me: You are not alone / Dios cuida de mí: Usted no está solo

 

 

“Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7).

A poesia da música “Deus cuida de mim”, de Kleber Lucas, é uma das mais impactantes letras do cenário evangélico brasileiro. A música foi lançada em 1999 e ganhou repercussão em todos os segmentos religiosos então. Esse foi o título do terceiro álbum do cantor e é a sua composição de maior sucesso. O álbum chegou a vender mais de 100 mil cópias no promeiro ano e recebeu o Globo de Ouro no ano 2000.

Grandes cantores da música gospel a regravaram, alcançando sucesso nas vozes de Eyshila e Paulo César Baruk, entre outros, inclusive o padre Fábio de Melo. Grupos históricos, carismáticos e pentecostais, tanto no catolicismo quanto no protestantismo, entoam essa canção em seus cultos e celebrações. Ela tem sido cantada até mesmo por grupos afro-brasileiros e em rodas de pagode. Em 2022, a música ganhou maior projeção quando Kleber Lucas gravou um clip com um dos maiores cantores da música popular brasileira Caetano Veloso, que já se declarou ateu convicto.

A canção de Kleber Lucas conseguiu agradar tanto ao gosto do público no canto congregacional quanto nas programações de rádio. Ela compõem o imaginário da espiritualidade brasileira e orienta as práticas de oração e buscas de experiências de Deus de quem a ouve, pelo fato de a sua letra apontar para o o sentido teológico da presença divina.

Quando a Escritura declara que Deus cuida de nós, isso implica algumas definições teológicas fundamentais para o exercício da fé. Ela declara que o Deus da vida se faz presente entre nós em qualquer circunstância. É uma afirmação de que o Deus que é amor se faz comunhão e fortalece a crença e a esperança de que o Deus de Justiça age em favor da paz.

O Deus que cuida de nós está conosco é o mesmo que se afasta para que possamos compreendê-lo. O Deus onipresente muitas vezes se mostra ausente para que possamos cuidar de nós mesmos. O Deus que está próximo ao mesmo tempo está distante para que possamos busca-lo. A relação com Deus é sempre atravessada por uma tensão que envolve presença-afastamento, onipresença-ausência, proximidade- distância.

Experimentar o Deus que cuida de nós implica um exercício de aprendizado sobre quem Ele é, acolher o seu convite amoroso, desfrutar de seu cuidado e amar os espaços em que ele se revela. A canção nos traz essa proposta de espiritualidade de encontro com Deus, conosco e de comunhão.

Assista às mensagens da série “Deus Cuida de Mim: Não estamos sozinhos” em meu canal do Youtube>>: https://www.youtube.com/playlist?list=PL4NVfVIy5Bi7ZJ0eQhXMEB4vBOhP0RDlX ).

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