terça-feira, 3 de agosto de 2010

Novos paradigmas para a fé cristã/ New paradigms for faith / Nuevos paradigmas para la fe

Uma das características da fé neste tempo é que o cristianismo perdeu sua hegemonia. Ele hoje é apenas uma opção entre muitas. Na verdade, somos herdeiros de uma teologia que se firmou com o Iluminismo, em que a centralidade da razão e das explicações objetivas eram os principais interesses. Com isso, adotou-se uma missiologia que se converteu em uma estratégia de guerrilha, ao considerar o mundo como campo de batalha contra o mal. Com isso, desenvolveu-se uma abordagem que privilegia o periférico e despreza o essencial. Prova disso é que nos preocupamos muito pouco com a causa das desigualdades sociais e da origem do mal na sociedade contemporânea.
Estes sintomas ganham maior visibilidade diante do contexto de uma sociedade pós-moderna, marcada pela fragmentação e descontinuidade do conhecimento, pela instabilidade dos discursos. Temos assistido a uma redução da experiência ao presente vivido, à perda de valores e crenças tradicionais e até mesmo uma mudança na noção de temporalidade.
A pergunta é: há caminhos para a solução do problema? A minha compreensão é que precisamos estabelecer novos paradigmas para o exercício da fé. Longe de traçarmos um caminho de combate e luta contra as oposições, precisamos desenvolver atitudes que possam fazer sentido para a nossa geração. Afinal, Deus não precisa de advogados de defesa, mas de testemunhas fiéis, humildes e sinceras.
A primeira atitude está relacionada com a preocupação com o que de fato estamos comprometidos. As pessoas não estão muito interessadas sobre as nossas convicções teológicas e doutrinárias. Elas não se impressionam com a força de nossos argumentos, mas com aquilo com que estamos comprometidos. Eles querem saber como lidamos com os conflitos familiares, como nos relacionamos com o poder, como tratamos de nossas necessidades. A nossa luta é no campo de nossa consciência: “Portanto, estejam com a mente preparada, prontos para a ação; sejam sóbrios e coloquem toda a esperança na graça que lhes será dada quando Jesus Cristo for revelado.” 1 Pedro 3.13
Uma segunda atitude é de não se preocupar em oferecer respostas prontas, mas perspectivas de fé. A mentalidade engendrada pela racionalidade construiu um gosto pela cientificidade. A teologia também tentou explicar e provar a existência de Deus, a buscar respostas científicas para as questões que dominavam o cenário humano. Mas as pessoas ainda têm dúvida e a verdade é que não temos todas as respostas. Precisamos abandonar a ingenuidade de achar que as questões que dizem respeito à existência e à vida são fáceis. Isso envolve uma complexidade que demanda a cooperação de todos os campos de conhecimento, inclusive a dimensão da fé. Precisamos ser maduros o suficiente para entender que os problemas da vida são um mistério a ser explorado em uma perspectiva de fé. Isso requer reconhecimento de nossas limitações, humildade e maior dependência de Deus. Essa é a dimensão do que vem a ser santidade. “Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem.” 1 Pedro 3.15
Uma terceira atitude é a de desenvolver uma reflexão mais profunda sobre o que aflige o homem contemporâneo. Precisamos aprender a refletir sobre temas que sejam relevantes para o exercício de uma fé coerente com as necessidades deste tempo. Quais foram os temas que dominaram o diálogo entre cristãos nos últimos 20 ou 30 anos? Maldição hereditária, dente de ouro, bênção do sopro, do paletó, do riso, a validade do apostolado, pregadores que urram, pulam, gritam etc. Quem já se sentiu motivado ou mobilizado para combater problemas ligados ao meio ambiente, corrupção, pobreza, analfabetismo, fome, doença, violência? Problemas que estão realmente destruindo vidas e que deveriam nos motivar a levantar um clamor por uma geração ferida por esses males.
Uma quarta atitude é de se esforçar para amar as pessoas no estado em que elas se encontram . Jesus não alcançou as pessoas pelo conhecimento da ciência ou da filosofia de sua época. Ao contrário, confrontou as pessoas em suas convicções. Jesus não foi um conquistador de argumentos, mas de corações. Ele alcançava as pessoas em suas necessidades mais íntimas. A Bíblia diz: “Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram.” 2 Coríntios 5.14. Há circunstâncias em que é difícil amar. É difícil amar um político corrupto, quem comete um crime hediondo ou mesmo quem se levanta como um inimigo da fé. Mas Jesus intimou seus discípulos a fazerem isso. De que modo? Sei lá! Só em humildade para aprender com ele esse modo estranho de amar.
(Uma das palestras apresentadas na Catedral Presbiteriana de São Paulo, 1/8/2010)

2 comentários:

  1. Antonio Carlos Ribeiro4 de agosto de 2010 às 00:02

    Muito boa a reflexão. Com base bíblica, em diálogo com a realidade, consciente dos limites e adotando uma postura de abertura poimênica. Agrega, cria relações e mantém portas abertas. Que leve alegria e esperança aos que a lerem!

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  2. Interessante a reflexão. Contudo, a questão mais importante não é que o cristianismo seja hegemônico, muito embora Deus deseja que todos sejam salvos, mas Ele em Sua soberania sabe quem e quantos serão salvos, confiando tão somente na pessoa e obra do Senhor Jesus, para remissão dos seus pecados. Olhando para Is 53, observamos "muito" e não todos serão parte do fruto do seu trabalho. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Satanás trabalha na mente das pessoas para abrigar a idéia de que no final, ainda terão chanses, quer no limiar da passagem desta vida para a outra, ou então após, através das teorias de purgatório e reencarnação e assim o evangelho vai sendo encoberto por ele. 2 Co 4:4. Abraços. Celso

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