Os atentados que aconteceram simultaneamente em Paris, na noite da
sexta-feira 13 de novembro de 2015, são resultado do conflito civilizatório que
a humanidade tem experimentado. De um lado, se percebe uma reação ao processo
de ocidentalização do mundo; de outro, uma busca por afirmação de valores que são
caros para o Ocidente, como são a democracia, a liberdade e os Direitos
Humanos.
O processo de ocidentalização do mundo aponta para um problema
grave, que é o fato de que o pensamento ocidental vem acompanhado de toda a
tendência neoliberal e do capitalismo em sua forma mais selvagem, que são
marcados pelo individualismo hedonista, pela ganância e a sede de lucro a
qualquer custo. Isso faz com que a afirmação dos valores ocidentais se dê através
de uma contradição, que envolve a concentração de riqueza e poder em meio ao
aumento das condições concretas de desigualdade.
Este quadro faz emergir toda forma de estereótipo. A cultura
ocidental construiu uma imagem do Oriente Médio como sendo uma região dominada
por um misto de sedução e mistério. Filmes e literaturas ocidentais realçam a vida
nos países árabes como permeada tanto de danças do ventre quanto de práticas de
vingança, traições, ódio e rancor por parte de extremistas religiosos. O
Oriente Médio, tal como conhecemos hoje, tem muito de invencionice ocidental.
Não resta menor dúvida que algo semelhante acontece na contramão. Os discursos fundamentalistas
orientais acabam criando uma imagem do Ocidente como recheada de devassos,
blasfemos e hereges.
Por outro lado, a cultura oriental enfrenta uma situação em que,
em meio às várias expressões de organização da vida social, emerge uma
tendência de se lançar mão de argumentos religiosos para justificar o acesso e
o controle do poder. O Ocidente já conheceu essa história: a mistura entre
poder e religião não traz bons resultados. Com isso, tenta se justificar toda
forma de opressão e cerceamento da liberdade, bem como o combate a tudo aquilo
que se apresenta como ameaça ao projeto de poder, a partir do discurso
fundamentalista. De fato, o mundo árabe está em busca de identidade e os diversos
grupos oligárquicos lutam para se manterem em evidência, muitos deles com
grande poder bélico e muito petróleo. Diga-se de passagem que grande parte do
poder bélico que está na mão desses grupos é fornecida pelas próprias potências
ocidentais que, por não conseguirem exercer o controle nos territórios em
conflito, treinam e municiam milícias locais para o combate em terra.
A organização conhecida como Estado Islâmico, ou ISIS (sigla em
inglês) ou Daesh (em árabe), é um retrato disso: um grupo jihadista que se
formou a partir das lideranças oriundas da Al-Qaeda e da participação na guerra
civil síria. Eles utilizam os próprios mecanismos de poder do Ocidente para
fazer valer seus interesses. O foco não é religioso, mas político-econômico. O
que está em jogo é a institucionalização política dos califados oligárquicos,
que tem em seu controle muito petróleo e armamento bélico. Esse grupo ainda faz
uso da religião para reforçar o discurso de poder e impor, pelo medo e terror,
suas intenções.
A estratégia do terror é marcada por ações coordenadas, visando
atingir alvos simbólicos, caracterizadas pela espetacularização dos atentados.
O terror chega a fazer uso de elementos da pós-modernidade para atingir a
humanidade em suas fragilidades. Não é a toa que os alvos em Paris foram
espaços frequentados por jovens em pleno exercício de sua liberdade de
entretenimento. Da mesma forma, o atentado de 11 de setembro de 2001 atingiu a
potência norte-americana em seus símbolos de poder político, militar e
econômico.
Entretanto, não é isso que faz com que o terror seja pior ou menor
do que o que acontece nas áreas de conflito no Ocidente. Outras práticas
terroristas já são conhecidas. Ações do IRA, do ETA ou das FARCS já fizeram uso
de práticas terroristas. Isso não é diferente também nas áreas dominadas pelo
narcotráfico e por ideologias extremistas, seja de direita ou de esquerda.
O terrorismo é essa tática militar de impor uma forma de poder por
meio do medo, com vista a produzir o efeito psicológico de subordinação ao
regime que se quer implantar. Pode ser praticado por grupos políticos,
movimentos separatistas e até por governos em exercício. Lutar contra o
terrorismo é um dever por parte de quem deseja ver a paz reinar. Entretanto, é
um erro pensar que a luta contra o terror se faz com mais guerra. O risco de um
círculo vicioso de retaliações bem como o de aumentar o emprego de práticas
xenofóbicas contra imigrantes e refugiados são possibilidades reais.
Embora no campo político a guerra seja uma complexa instituição de
controle, a luta contra o terror precisa trilhar outras vias. É preciso que a
humanidade se dê conta de que, quando a vida coletiva está em perigo, só a
união de esforços pode apontar um caminho possível. As pessoas cujas vidas são
orientadas pela fé e pelo bom senso precisam se levantar para o cuidado e a
proteção uns dos outros, para a prevenção da violência, para o combate a toda
forma de desigualdade e para a garantia de toda a forma de vida no planeta.
Isso vale para Paris, Mariana, Síria, Turquia, Irlanda, Colômbia, México,
Complexo do Alemão, enfim, seja onde for que a vida de todos esteja em risco.
Sensibilizar-se diante do horror e da tragédia é uma atitude
humana. Lembra-nos que somos gente. Mexeu com meu semelhante, mexeu comigo. Eu sou
um com ele. A inércia e a indiferença é que são atitudes desumanas e devem ser
não só combatidas, mas rejeitadas veementemente. (Foto: REUTERS/Benoit Tessier.
Fonte: Globo.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário