A fé cristã é um apelo à fraternidade. A mensagem de Jesus é um chamado à vida em comunhão, que corresponde a viver uns com os outros numa relação de afinidade que se aproxima com a vida em família em que todos se reconheçam como irmãos. Jesus mesmo se apresentou como um irmão e tratou a todos como seus irmãos e irmãs. A palavra origina-se do latim “frater”, que quer dizer irmão. Trata-se de uma relação entre pessoas que não se dá apenas por consanguinidade, mas que o transcende e estabelece o respeito à dignidade de cada um bem como a garantia da igualdade de direitos entre todos.
A palavra fraternidade remete a
um relacionamento dentro de uma convivência social. E isso tem implicações
políticas, não apenas sociais ou afetivas. As organizações, movimentos e grupos
sociais que levantam a bandeira da fraternidade se baseiam em princípios que
defendem a democracia, a igualdade de direitos e o respeito à liberdade de
todos e todas.
A cultura ocidental aproximou o
conceito de fraternidade aos de igualdade e de liberdade. Essa relação envolve
a decisão consciente de viver em sociedade de tal modo que todos sejam tratados
em direitos e oportunidades de forma equitativa. Esse princípio está presente
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz em seu artigo primeiro: “Todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão
e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”.
O lema da fraternidade associada
à igualdade e à liberdade nasceu do ideal iluminista e motivou a Revolução
Francesa no final do século XVIII, em busca de uma sociedade mais justa e livre
da tirania. Essa tríade passou a representar a luta pelos ideais de democracia
e de conquistas de direitos civis em todo o mundo. Entretanto, o ideal de
liberdade sempre foi limitado, assim como a igualdade tem sido tratada de forma
precária e a fraternidade vista como uma ilusão.
O sentido de fraternidade está
diretamente associado aos de cidadania, amizade e solidariedade. Nesses tempos
de globalização, o tema da fraternidade emerge como uma exigência para a
construção de um mundo mais justo e pacífico. Cada vez mais, despontam apelos
para uma ação consciente em que os gestos fraternos se despontem acima dos moralismos
e legalismos como uma superação ao individualismo e o autoritarismo.
Hanna Arendt, em Homens em tempos sombrios, fala da
fraternidade como um modo de agir humano para aqueles grupos de pessoas que
sofrem perseguições ou são escravizados, que se tornam párias da sociedade,
como se fossem dotados de alguma força interior para encontrar dignidade em si
mesmos. É uma forma de resistência que faz com que os excluídos se aproximem
entre si e construam novos espaços de existência. Esse modo de enfrentar a
rejeição desperta sentimentos de generosidade, de compaixão, de cordialidade e
de bondade que as pessoas em tais condições dificilmente seriam capazes de
desenvolver entre si em outras circunstâncias.
A fraternidade cria as condições
para se viver em comunidade a partir do exercício e do direito à igualdade e à
liberdade. A vida comunitária só encontra legitimidade quando todos e todas
desfrutam das mesmas condições de liberdade e de acesso igual às mesmas
oportunidades. A fraternidade, portanto, se configura como uma condição
cultural que emerge em meio às ameaças à vida para preservar e resgatar o
sentido da vida comum.
Jesus fez da ideia de
fraternidade um dos elementos norteadores de sua mensagem. Ele disse que
devemos nos tratar como irmãos e irmãs. Ele recomendou para que ninguém fosse chamado
ou agisse como mestre, pai ou chefe do outro porque “[...] todos vocês são irmãos” (Mateus 23.8). E ele mesmo chamou
aos seus seguidores de seus irmãos e irmãs: “Quem
faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Marcos 3.35).
A Bíblia trata a fraternidade a
partir do princípio do amor. Ela recomenda o exercício da expressão de amor
fraternal: “Seja
constante o amor fraternal” (Hebreus
13:1). Os apóstolos tinham esse ensinamento comum. Paulo disse: “Dediquem-se uns aos outros com amor
fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios” (Romanos
12.10). E Pedro também concordou: “Quanto
ao mais, tenham todos o mesmo modo de pensar, sejam compassivos, amem-se
fraternalmente, sejam misericordiosos e humildes” (1 Pedro 3:8).
A chamada para a prática da
fraternidade e do amor fraternal tem se tornado um apelo urgente num mundo sob
tensão. O papa Francisco editou em 2020 sua terceira encíclica em que faz uma
reflexão sobre esse tema, com o sugestivo título Fratelli Tutti, que quer dizer “somos todos irmãos”. Ele diz: “perante
as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de
reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a
palavras” (FRANCISCO, 2020, § 6).
Desenvolver um sentimento fraterno
e promover a fraternidade são formas de cuidarmos do mundo em que vivemos. E
cuidar do mundo significa cuidarmos uns dos outros e de nossa casa comum. Isso
implica transformar nossa vivência no mundo como espaço de cuidado, compreendendo
que todas as criaturas, tanto pessoas como a natureza, são essenciais para a
preservação da vida. O apelo à fraternidade é um convite a aprendermos a nos
tratarmos como irmãos e irmãs que convivem em harmonia.
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