terça-feira, 10 de junho de 2025

O Reino em Família: Tudo começa em casa / The Kingdom in Family: It all starts at home / El Reino en Familia: Todo comienza en casa

Os valores do Reino de Deus são apontados nos evangelhos para que tenhamos uma vida mais humana no mundo. Assim como acontece em tudo oque diz respeito ao nosso desenvolvimento pessoal e às nossas relações interpessoais, tudo começa em família. Nesse sentido, o melhor lugar para aprendermos a colocar em prática os valores do Reino de Deus é a vida em família.

Os valores do Reino de Deus ensinados por Jesus nos ajudam a conviver melhor em família, na igreja e na sociedade. Eles estão voltados para práticas pouco enfatizadas na vida em comum, como a compaixão, a justiça, a esperança e o amor fraternal. Você não encontrará apelos para uma vida marcada por esses valores a não ser nas palavras de Jesus que falam do Reino de Deus.

Jesus convidou seus ouvintes para tomarem parte de seu Reino. Ao dizer que seu Reino era chegado, ele estava apontando para uma nova mentalidade que deve orientar a humanidade. O Reino de Deus é espaço para nos tornarmos mais humanos, com uma identidade própria e com mais consciência de quem somos.

Isso envolve um processo que chamamos de subjetivação, o qual construímos ao longo da vida, através de nossas relações com o mundo e uns com os outros. Donald Winnicott, em Tudo começa em casa, reconheceu que o ambiente familiar é importante para o desenvolvimento saudável de qualquer indivíduo. A casa e a família são o ponto de partida para a formação da personalidade, das relações sociais e da saúde mental.

Dessa forma, desenvolvemos o processo de subjetivação quando nos tornamos capazes de pensar, de sentir e de agir diante das condições de vida no mundo. As experiências em família são espelhadas na vida comunitária, formando a consciência crítica dos sujeitos a respeito do seu papel, a maneira de compreender o mundo e as formas de exercer influência para a vida em comum.

O caminho para a nossa construção como sujeitos passa pela vida em família. Ela é lugar de profundos aprendizados dos valores essenciais para a vida em comum. É nela que aprendemos a viver em comunhão. Da mesma forma, nela podemos aprender os valores do Reino de Deus como esse lugar de relações e de formação.

Algumas razões para compreendermos a importância do ambiente familiar para o nosso bem-estar:

- A casa é onde a vida começa e onde a vida se realiza.

- A casa é o nosso refúgio, o berço das nossas memórias e o palco dos nossos sonhos.

- O lar é o lugar onde nos sentimos seguros, amados e onde podemos ser nós mesmos.

- A casa é um espelho da nossa alma, mostrando o que somos e o que queremos.

- Em casa, aprendemos a amar, a perdoar, a respeitar e a construir relações sólidas.

Quando os valores do Reino de Deus são vivenciados em família, podemos compreender melhor o que é fundamental para a vida em comum na sociedade. A compaixão, a justiça, a esperança, o cuidado e a paz são valores essenciais para a vida em família que estão em sintonia com o que Jesus propôs como marcas da presença do Reino entre nós. São sinais que apontam para a prática do amor, do perdão e da reconciliação que podem ser aprendidos em família, mas que também fazem falta no mundo atual.

Na epígrafe de seu livro, Winnicot cita o trecho de uma poesia de T.S. Eliot:

“O lar é nosso ponto de partida. À medida que crescemos

O mundo se torna mais estranho, mais complexos os padrões

De morrer e viver. Não o momento intenso

Isolado, sem antes nem depois.

Mas uma vida ardendo em cada momento.”

Quando descobrimos a importância da vida em família para o desenolvimento e o bem-estar das pessoas, o ambiente familiar se torna mais acolhedor e propício a um relacionamento mais saudável. A família é como um pequeno reino, com suas próprias características e contextos, mas que pode ser reflexo do Reino maior, a fim de que seus membros possam se tornar cidadãos do Reino de Deus no mundo.

(Assista às mensagens da série O Reino em Família: Valores para a vida em comum >> em meu canal no Youtube).

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Censo 2022: O Brasil se torna mais plural quanto à religião / Census 2022: Brazil becomes more religiously plural / Censo 2022: Brasil se vuelve más pluralista en lo religioso

Os dados preliminares do Censo Demográfico 2002: Religiões, divulgados pelo IBGE neste dia 6 de junho de 2025, revelam que o Brasil se tornou mais plural em termos religiosos. Levando em consideração os dados dos últimos censos, especialmente o de 2010, verifica-se que a diversidade religiosa é uma realidade em todo o país.

A cada época, o Brasil vai deixando de ser um país predominantemente cristão para se tornar um espaço em que todas as crenças vão ocupando novas posições no cenário religioso. Desde o primeiro censo, em 1872, em que a população do Brasil era formada por 99,7% de católicos, o aumento da diversidade tem avançado de tal modo que se constitui um desafio para a projeção do que poderá acontecer daqui para a frente.

Principais índices verificados:

a) Redução de 8,3 pontos percentuais dos Católicos, que saem de 65,0% em 2010, para atuais 56,7%, uma redução um pouco menor do que na década anterior que foi de 9,0 pontos percentuais.

b) Os evangélicos tiveram aumento de 5,2 pontos percentuais, passando de 21,7% em 2010 para 26,9% em 2022. Esse índice foi de 6,7% entre 2000 e 2010.

b) Aumento nas proporções das religiões Umbanda e Candomblé, que saíram de 0,3 % em 2010, para 1,0%, em 2022, um aumento de 0,7 pontos percentuais.

c) Aumento de 1,3 pontos percentuais entre 2010 e 2022 dos que se declararam Sem Religião, passando de 7,8% para 9,3%.

d) Declínio na religião Espírita de 0,3 pontos percentuais, passando de 2,1% para 1,8%.

(Fonte: IBGE).

Em algumas regiões, esses índices apresentam variações. Por exemplo, as regiões Norte e Centro-Oeste têm maior concentração de evangélicos. O Acre é o estado com maior percentual de evangélicos no país. O catolicismo é maioria em todas as regiões, mas tem maior concentração nas regiões Nordeste e Sul. Os estados com maior número de católicos são Piauí e Ceará. Espíritas e seguidores de religiões afro-brasileiras têm maior concentração no Sul e no Sudeste e a maioria dos Sem Religião estão no Sudeste.

Outro dado importante apontado nessa amostra preliminar é a participação de negros e brancos nos grupos religiosos. A religião mais negra do Brasil continua sendo a evangélica. Das pessoas que se declararam pretas, 30% se identificaram com a religião evangélica e 2,3% com as religiões afro-brasileiras. Entre os que se declararam pardos, 29,2% se declararam evangélicos. Esse percentual chega a 32,2% da população indígena que se declara evangélica.

A tendência verificada em 2010 do aumento do grupo de pessoas que se declara Sem Religião continuou nessa amostra do Censo 2022. Hoje, de cada 10 brasileiros, 1 afirma ser Sem Religião. Se juntarmos os grupos católicos e evangélicos, verifica-se que o número de cristãos vem caindo a cada censo, contando atualmente com 56,7% da população. Isso se deve a dois fatores: a queda do 8,4 pontos percentuais de católicos em relação ao 2010 e o crescimento de 5,2% dos evangélicos, considerado abaixo do esperado tendo em vista que a população cresceu 6,5% no mesmo período.

Os dados do censo também levantaram o nível de instrução por religião. O número de pessoas que se declarou sem instrução e que possui apenas formação no ensino fundamental constitui a maioria em todas as religiões, exceto entre os Sem Religião e os Espíritas. Estes últimos têm o maior índice de participantes com curso superior completo e o menor índice dos que não têm instrução.

Esses números apontam para alguns fatos importantes:

a) O Brasil caminha para deixar de ser um país predominantemente cristão para ser marcado pelo pluralismo religioso.

b) Tanto o pluralismo religioso e quanto a multiculturalidade emergem como valores sociais que devem orientar a formação de um estado laico onde todas as crenças e tradições religiosas possam ter espaço.

c) O fenômeno do pluralismo religioso e a laicidade não significam o fim da religião, mas atestam o fato de que o povo brasileiro continua sendo um povo religioso.

d) As religiões católicas e evangélicas têm o grande desafio de investir na formação dos seus membros.

e) A diversidade da religião evangélica no Brasil não foi contemplada nessa mostra preliminar. O IBGE ainda não divulgou o percentual por denominação nem o índice dos que se declaram sem vínculo com uma igreja.

f) As mulheres continuam sendo predominantes em todos os grupos religiosos.

Os dados divulgados são preliminares e, por isso, não permitem um diagnóstico mais abrangente da condição religiosa dos brasileiros. Porém, é possível perceber que há uma mudança sensível no comportamento religioso, em que as pessoas se sentem mais à vontade para falar de suas crenças e assumir sua pertença religiosa. É um novo cenário que emerge, resultado de uma mudança cultural que substitui o catolicismo hegemônico pela diversidade religiosa. Essa tendência pode também interferir nas decisões políticas do país, com a influência cada vez maior dessas novas expressões.

Imagens: IBGE

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Papa Leão XIV: promessa de diálogo e continuidade de uma Igreja de Portas Abertas / Pope Leo XIV: promise of dialogue and continuity of a Church with Open Doors / Papa León XIV: promesa de diálogo y continuidad de una Iglesia de puertas abiertas

 

Na tarde deste dia 9 de maio de 2025, o Conclave elegeu, em seu segundo dia, o norte-americano Robert Francis Prevost como o 267° Papa da Igreja Católica Apostólica Romana. Uma surpresa para os melhores vaticanistas, que apostavam em nomes mais conservadores. O Cardeal Prevost não constava da lista dos principais prováveis sucessores de Francisco. Eleito Papa, adotou o nome de Leão XIV e tornou-se o primeiro papa americano e o primeiro agostiniano.

Embora pouco conhecido nos meios eclesiástico, Prevost tem um passado marcado por uma atuação pastoral significativa. Serviu como religioso na América Latina, especialmente no Peru. Considerado jovem para o pontificado (tem 69 anos), é também visto como um conciliador moderado e apoiador dos princípios reformistas de Francisco. É um Papa americano, mas com coração latino. Nascido em Chicago, tornou-se cidadão peruano.

Ouvi com atenção seu primeiro discurso na sacada da basílica de São Pedro. Alguns pontos me chamaram muito a atenção pelo fato de serem indicadores de como deverá ser seu pontificado. O primeiro deles foi o desejo pela paz, num tempo em que o mundo enfrenta dois conflitos graves (a guerra da Ucrânia e a destruição do povo palestino na guerra de Israel contra o Hamas), além da ameaça de uma nova guerra de proporções mundiais. Ele frisou que deseja uma paz “desarmada e desarmante”, na contramão da corrida armamentista das nações do mundo.

O novo Papa também apontou seu desejo de dar continuidade à construção do caminho da sinodalidade e de uma igreja de portas abertas, dois legados de Francisco. O seu discurso lembrou bastante as orientações que emanaram da Conferência Episcopal de Aparecida, em 2007, com a ênfase à ação missionária, comprometida com as condições concretas de vida das comunidades locais. Demonstrou claramente que deseja uma igreja que seja capaz de diálogo, que construa pontes, e não muros, que esteja sempre próxima aos que sofrem.

Leão XIV também fez questão de afirmar sua condição de um agostiniano, como “filho de Santo Agostinho”. O lema dessa ordem religiosa, criada no século XIII, se baseia na declaração: “No Único, somos um só”, expressão do ideal de ser uma igreja com um só coração e uma só alma, como a Bíblia registra sobre a vida dos primeiros cristãos: “Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração [...]” (Atos 4.32). É bom ressaltar que as regras de vida monástica escritas por Santo Agostinho enfatizavam a pobreza, a comunhão, a oração e o silêncio.

O nome Leão não é uma escolha de pouca importância. Lembra o pontificado de Leão XIII, no final do século XIX, quando foi estabelecida a Doutrina Social da Igreja, com ênfase no bem comum, na solidariedade, na Justiça e na dignidade da pessoa humana. Ao expor a proposta de uma sociedade mais justa, a encíclica Rerum Novarum  rejeitou as doutrinas marxistas e condenou o capitalismo explorador. Mas o nome lembra também o primeiro Leão, o Magno, no século V, que ampliou o poder do Bispo de Roma e atuou para a afirmação da Cristologia ocidental com base na teologia de Santo Agostinho.

Diante do cenário geopolítico mundial, não há como falar da eleição de um papa americano sem mencionar a figura do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Leão XIV deixou implícito em sua fala que não apoia a atual política norte-americana em relação aos imigrantes, à construção de muros nas fronteiras e à imposição de barreiras tarifárias que afetam a economia mundial. O novo Papa demonstrou que está muito mais próximo da realidade latino-americana do que do imperialismo estadunidense.

É um sinal claro de que a Igreja de Roma se voltou para a América Latina e que consolida a influência do Sul Global. Parte do seu discurso foi em espanhol, inclusive. A teologia latino-americana já vem ganhando força com o pontificado de Francisco, apontando para o cuidado da criação e para a abertura aos mais vulneráveis. Que novos ventos soprem e continuem a soprar para que tenhamos um cristianismo de mente e coração mais abertos para as aflições humanas.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Legados de Francisco: o papa que encarnou o evangelho ao mundo / Legacies of Francis: The Pope Who Incarnated the Gospel to the World / Legados de Francisco: El Papa que encarnó el Evangelio al mundo

Encerrou-se na manhã deste dia 21 de abril de 2025 a trajetória do primeiro papa jesuíta, devoto de Francisco de Assis, primeiro papa não europeu depois de 1200 anos e o primeiro papa latino-americano. Com o falecimento do Papa Francisco, a Igreja Católica Apostólica Romana é chamada a repensar sua própria natureza e missão ao se preparar para o processo de escolha de seu novo pontífice.

Nascido Jorge Mario Bergoglio (nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Argentina) e tornado Francisco ao ser eleito, ele proporcionou ao mundo uma oportunidade de repensar os caminhos da igreja como povo de Deus, sua identidade como corpo de Cristo e sua mensagem de misericórdia para um mundo em permanente conflito. Seu pontificado durou 12 anos, 1 mês e 8 dias (foi eleito em 13 de março de 2013). Nesse tempo, o mundo experimentou o aumento dos efeitos da crise ambiental e climática, enfrentou uma pandemia, assistiu a Rússia invadir a Ucrânia e aos ataques de Israel contra o povo palestino em sua guerra contra o Hamas.

Os temas morais envolvendo o divórcio, a união de casais do mesmo sexo, a participação religiosa das mulheres, a questão LGBTQIA+, a eutanásia e a eucaristia aos recasados ainda foram tratados pelo viés conservador. Porém, a preocupação com a justiça social, a defesa de uma economia mais solidária em vez do capitalismo neoliberal e o diálogo ecumênico e inter-religioso foram marcas de seu magistério.

Francisco será sempre lembrado por tendências significativas para a ação da igreja nesse tempo. A primeira delas é a preocupação em ser uma igreja pobre para os pobres. Sua opção preferencial pelos pobres se refletia na simplicidade de seu pontificado. Outra tendência é ser uma igreja em saída, com a ênfase na sinodalidade e no diálogo com o mundo. Os documentos que publicou (Evangelii Gaudium, Fratelli tutti, Gaudete et exultate, Laudato si e Lumen Fidei) apontam para um cristianismo misericordioso e fraterno, preocupado com a formação de uma cultura do encontro. Há ainda a tendência de se assumir um compromisso com o cuidado de nossa casa comum.

O novo papa que deverá ser escolhido nos próximos dias terá o grande desafio de, no mínimo, continuar o legado de Francisco. A igreja não consegue mais esconder os graves problemas que envolve sua pesada estrutura no mundo. A influência do ultraconservadorismo também afeta a cúria romana, tanto que as análises a respeito do sucessor de Francisco apontam tanto para o retrocesso quanto para o avanço progressista. Pelo menos por ora, é momento de lamentar essa perda, agradecer pela oportunidade de conviver com alguém que encarnou o evangelho e orar pelo consolo aos católicos e cristãos de todo o mundo.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O drama da cruz / El drama de la cruz / The drama of the cross

 

A crucificação de Jesus foi cercada de vários aspectos que poderiam servir para abreviar a sua morte. Ele já tinha sido açoitado e torturado pelos soldados, estava faminto e tinha sede, recusou beber a mistura de vinho com fel que lhe serviria de entorpecente, os cravos em suas mãos e pés tinham por objetivo provocar uma hemorragia, recebeu vinagre para beber e ainda tinha sido ferido em seu ventre. A crucificação foi por volta das 9 horas da manhã no monte chamado Gólgota, que quer dizer “caveira”. Hoje o chamamos de monte do Calvário. Jesus expirou por volta das três horas da tarde. Antes de expirar, Jesus clamou em aramaico como um sinal de seu grande sofrimento. Ele não estava afirmando que Deus o havia abandonado. A expressão enkatelipes deve ser mais bem traduzida como “deixar em apuros”. Mateus registra que a morte de Jesus foi acompanhada de alguns fenômenos sobrenaturais: começou com o período de trevas desde o meio dia até as três da tarde, a cortina que dividia o lugar santo do lugar santíssimo no templo se rasgou de alto a baixo, houve um terremoto, os sepulcros se abriram, alguns mortos ressuscitaram. Esses fatos levaram o centurião e os soldados que acompanhavam a crucificação a reconhecerem que Jesus era realmente o Filho de Deus.

Jesus veio ao mundo em cumprimento de uma promessa divina para a redenção dos homens. Muitos profetas anunciaram a sua vinda afirmando ser ele um rei. E o próprio Evangelho de Mateus usa a designação de rei oito vezes para referir-se a Jesus Cristo como tal. Ele foi reconhecido como rei pelos magos que vieram do oriente, na época do seu nascimento (conforme Mateus 2.2). Ele foi aclamado rei pela multidão, quando entrou em Jerusalém pela última vez (Mateus 21.5). Ele mesmo se apresentou como sendo rei (Mateus 25.24 e 40). E foi julgado por ser apontado como rei dos judeus, o que significaria uma alta traição para o governo romano que dominava aquela região (Mateus 27.11). A inscrição na cruz era uma informação a respeito do crime pelo qual Jesus estava sendo punido, por ter falado a verdade de que ele era o Messias. Embora aquela expressão proclamasse uma verdade, Jesus é muito mais que um rei. Ele é o Senhor de todos os povos e tem sobre si todo o poder.

Se notarmos bem o que aconteceu ali durante a crucificação, Jesus foi maltratado por três grupos diferentes de pessoas: os que iam passando (Mateus 27.39), os religiosos importantes (Mateus 27.41) e os salteadores que foram crucificados com ele (Mateus 27. 44). Poderíamos dizer que Jesus sofreu o escárnio devido à ignorância das pessoas (pelos passantes), por pura discriminação religiosa (pelos sacerdotes, escribas e anciãos) e por puro ressentimento (pelos salteadores crucificados). Aquele que foi desprezado entre os seus, era verdadeiramente o “Filho amado” do Pai que “veio para os que eram seus e os seus não o receberam, mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem em seu nome” (João 1.11-12).

O clamor de Jesus na cruz foi uma expressão de extremo sofrimento físico, moral e espiritual. Ali, Jesus se fez pecado por nós, carregando sobre si os pecados de toda a humanidade, com o propósito de salvar a todo o que nele crê. Como ser humano, Jesus sentiu-se isolado e abandonado, durante aquelas quase seis horas de sofrimento, das quais três horas corresponderam a um período de trevas. Era necessário que Jesus chegasse ao auge do sofrimento para que, assim, ele pudesse ser perfeitamente Salvador e substituto de todos nós, pecadores. Só assim podemos afirmar que ele morreu em nosso lugar, pagando o preço pela nossa própria salvação.

A morte de Jesus foi o sinal mais evidente do amor de Deus por todos os homens. Jesus foi crucificado para o perdão de nossos pecados. Não haveria outro motivo pelo qual Deus viesse consentir com tamanho sofrimento de seu Filho, quando de sua vida entre os homens. A morte na cruz significou um grande sofrimento para Jesus. Ele foi obediente em tudo, deixou-nos o seu exemplo de resignação e amor, em tudo foi submisso ao Pai para cumprir todo o propósito de Deus. Tudo isso para que pudesse garantir liberdade de acesso a Deus. O pecado, a maior barreira que separa o homem e Deus, foi vencido ali na cruz, concedendo pleno perdão a todo aquele que o busca pela fé.

Mateus 27.55-56 chama a atenção do leitor para as mulheres que serviam a Jesus e acompanhavam todo aquele drama até o momento final da sepultura (v. 61). Nem todos os seguidores de Jesus haviam fugido, as mulheres haviam permanecido fiéis até o fim. Mateus fala também de um discípulo chamado José de Arimateia, que era homem rico, membro do Sinédrio (Marcos 15.43) e amigo de outro judeu ilustre chamado Nicodemos que o ajudou (João 19.18.39), que providenciou o sepultamento de Jesus em um túmulo novo de sua propriedade. Uma tradição essência dá conta de que o crucificado pelos mesmos motivos alegados contra Jesus deveria ser sepultado no mesmo dia de sua morte [1]. Além disso, logo a tarde seria finda e o sábado teria início, quando ninguém poderia fazer qualquer trabalho, muito menos tocar em um morto, considerado um serviço imundo. Os fariseus demonstraram que, no fundo, acreditavam no poder miraculoso de Jesus ao solicitar a Pilatos uma guarda especial para o sepulcro e providenciar um selo para pedra que o fechava. A ideia do embuste era só uma desculpa.

(Extraído do meu livro Mateus, o evangelho do Reino, disponível em: https://a.co/d/id6yeMi ).



[1] Jean Dominic CROSSAN. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 195.

domingo, 16 de março de 2025

O cuidado como ação / Care as action / El cuidado como acción

 

Como transformar aspirações em gestos, teoria em prática, discursos em ação? Isso tem a ver com o exercício do cuidado. As bases de uma teologia do cuidado passam pelos aspectos práticos de nossas relações. Cuidar é acima de tudo agir em favor do outro. Envolve um movimento em direção às necessidades do outro.

Há uma gramaticalidade da teologia do cuidado. Implica uma conjugação com outras ações que demandam atenção, relacionamento, valorização e respeito ao outro. É colocar-se em constante processo de aperfeiçoamento, de novas descobertas e de crescimento interpessoal. As pessoas que cuidam são reconhecidas pelo seu valor e inspiram maior confiança.

A Bíblia apresenta vários verbos que remetem à prática do cuidado. O primeiro dele é o próprio verbo “cuidar”, que denota atenção pelo outro. Envolve zelar, proteger, ajudar, acompanhar, encorajar. É um verbo que requer um complemento. Quem cuida, cuida de algo ou de alguém. Dito do ponto de vista linguístico, ele é um verbo transitivo por não esgotar-se em si mesmo, precisa estar ligado a um objeto.

Há três formas do cuidado expressas no Novo Testamento. A primeira remete ao cuidar de si mesmo, em: “Tem cuidado de ti mesmo [...]” (1 Timóteo 4.16 ARC). O verbo em grego é epecho, que significa observar, prestar atenção, segurar firme, conferir. A segunda lembra o fato de ser cuidado por Deus, em: “[...] porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7). O verbo em grego é melei, que significa cuidar de algo ou alguém, preocupar-se, importar-se. A terceira está ligada ao ser cuidado, em: “[...] suprissem as suas necessidades” (Atos 27.3). O verbo grego é epimeleias, cuja tradução é cuidado, necessidades, atenção.

Essa análise levanta uma preocupação sobre como é possível tornar essa ação como efetiva em favor de alguém ou de si mesmo. Como podemos exercer o cuidado? Cuidamos quando construímos parcerias, fortalecemos a comunhão, temos uma atitude mais inovadora, buscamos a excelência, exercemos influência para o bem e temos esperança.

O exercício do cuidado quando o outro está implicado envolve reconhecer o outro como pessoa, dar atenção ao outro de forma individualizada, perceber as necessidades do outro e valorizar as emoções do outro. São ações que procuram servir, cooperar, ser solidário, dar generosamente e acolher o outro em suas necessidades.

A ação do cuidado é terapêutica por si mesma. Em uma perspectiva integral, o cuidado implica o acolhimento, a escuta, o suporte, o esclarecimento. O cuidado nos interpela constantemente a agir como uma marca distintiva de nossa condição, como algo que nos identifica e molda nossas relações no mundo.

Para a fé cristã, cuidar é essencial para sua eficácia. Podemos inclusive parafrasear Tiago 2.14, afirmando que a fé sem o exercício do cuidado é morta. Por essa razão, precisamos descobrir quais são as ações que o exercício do cuidado nos aponta.

Assista à série de mensagens no Youtube: O cuidado em ação: Verbos que orientam a prática do cuidado>> Aproveite para se se inscrever e me seguir no canal.

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