segunda-feira, 21 de abril de 2025

Legados de Francisco: o papa que encarnou o evangelho ao mundo / Legacies of Francis: The Pope Who Incarnated the Gospel to the World / Legados de Francisco: El Papa que encarnó el Evangelio al mundo

Encerrou-se na manhã deste dia 21 de abril de 2025 a trajetória do primeiro papa jesuíta, devoto de Francisco de Assis, primeiro papa não europeu depois de 1200 anos e o primeiro papa latino-americano. Com o falecimento do Papa Francisco, a Igreja Católica Apostólica Romana é chamada a repensar sua própria natureza e missão ao se preparar para o processo de escolha de seu novo pontífice.

Nascido Jorge Mario Bergoglio (nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Argentina) e tornado Francisco ao ser eleito, ele proporcionou ao mundo uma oportunidade de repensar os caminhos da igreja como povo de Deus, sua identidade como corpo de Cristo e sua mensagem de misericórdia para um mundo em permanente conflito. Seu pontificado durou 12 anos, 1 mês e 8 dias (foi eleito em 13 de março de 2013). Nesse tempo, o mundo experimentou o aumento dos efeitos da crise ambiental e climática, enfrentou uma pandemia, assistiu a Rússia invadir a Ucrânia e aos ataques de Israel contra o povo palestino em sua guerra contra o Hamas.

Os temas morais envolvendo o divórcio, a união de casais do mesmo sexo, a participação religiosa das mulheres, a questão LGBTQIA+, a eutanásia e a eucaristia aos recasados ainda foram tratados pelo viés conservador. Porém, a preocupação com a justiça social, a defesa de uma economia mais solidária em vez do capitalismo neoliberal e o diálogo ecumênico e inter-religioso foram marcas de seu magistério.

Francisco será sempre lembrado por tendências significativas para a ação da igreja nesse tempo. A primeira delas é a preocupação em ser uma igreja pobre para os pobres. Sua opção preferencial pelos pobres se refletia na simplicidade de seu pontificado. Outra tendência é ser uma igreja em saída, com a ênfase na sinodalidade e no diálogo com o mundo. Os documentos que publicou (Evangelii Gaudium, Fratelli tutti, Gaudete et exultate, Laudato si e Lumen Fidei) apontam para um cristianismo misericordioso e fraterno, preocupado com a formação de uma cultura do encontro. Há ainda a tendência de se assumir um compromisso com o cuidado de nossa casa comum.

O novo papa que deverá ser escolhido nos próximos dias terá o grande desafio de, no mínimo, continuar o legado de Francisco. A igreja não consegue mais esconder os graves problemas que envolve sua pesada estrutura no mundo. A influência do ultraconservadorismo também afeta a cúria romana, tanto que as análises a respeito do sucessor de Francisco apontam tanto para o retrocesso quanto para o avanço progressista. Pelo menos por ora, é momento de lamentar essa perda, agradecer pela oportunidade de conviver com alguém que encarnou o evangelho e orar pelo consolo aos católicos e cristãos de todo o mundo.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O drama da cruz / El drama de la cruz / The drama of the cross

 

A crucificação de Jesus foi cercada de vários aspectos que poderiam servir para abreviar a sua morte. Ele já tinha sido açoitado e torturado pelos soldados, estava faminto e tinha sede, recusou beber a mistura de vinho com fel que lhe serviria de entorpecente, os cravos em suas mãos e pés tinham por objetivo provocar uma hemorragia, recebeu vinagre para beber e ainda tinha sido ferido em seu ventre. A crucificação foi por volta das 9 horas da manhã no monte chamado Gólgota, que quer dizer “caveira”. Hoje o chamamos de monte do Calvário. Jesus expirou por volta das três horas da tarde. Antes de expirar, Jesus clamou em aramaico como um sinal de seu grande sofrimento. Ele não estava afirmando que Deus o havia abandonado. A expressão enkatelipes deve ser mais bem traduzida como “deixar em apuros”. Mateus registra que a morte de Jesus foi acompanhada de alguns fenômenos sobrenaturais: começou com o período de trevas desde o meio dia até as três da tarde, a cortina que dividia o lugar santo do lugar santíssimo no templo se rasgou de alto a baixo, houve um terremoto, os sepulcros se abriram, alguns mortos ressuscitaram. Esses fatos levaram o centurião e os soldados que acompanhavam a crucificação a reconhecerem que Jesus era realmente o Filho de Deus.

Jesus veio ao mundo em cumprimento de uma promessa divina para a redenção dos homens. Muitos profetas anunciaram a sua vinda afirmando ser ele um rei. E o próprio Evangelho de Mateus usa a designação de rei oito vezes para referir-se a Jesus Cristo como tal. Ele foi reconhecido como rei pelos magos que vieram do oriente, na época do seu nascimento (conforme Mateus 2.2). Ele foi aclamado rei pela multidão, quando entrou em Jerusalém pela última vez (Mateus 21.5). Ele mesmo se apresentou como sendo rei (Mateus 25.24 e 40). E foi julgado por ser apontado como rei dos judeus, o que significaria uma alta traição para o governo romano que dominava aquela região (Mateus 27.11). A inscrição na cruz era uma informação a respeito do crime pelo qual Jesus estava sendo punido, por ter falado a verdade de que ele era o Messias. Embora aquela expressão proclamasse uma verdade, Jesus é muito mais que um rei. Ele é o Senhor de todos os povos e tem sobre si todo o poder.

Se notarmos bem o que aconteceu ali durante a crucificação, Jesus foi maltratado por três grupos diferentes de pessoas: os que iam passando (Mateus 27.39), os religiosos importantes (Mateus 27.41) e os salteadores que foram crucificados com ele (Mateus 27. 44). Poderíamos dizer que Jesus sofreu o escárnio devido à ignorância das pessoas (pelos passantes), por pura discriminação religiosa (pelos sacerdotes, escribas e anciãos) e por puro ressentimento (pelos salteadores crucificados). Aquele que foi desprezado entre os seus, era verdadeiramente o “Filho amado” do Pai que “veio para os que eram seus e os seus não o receberam, mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem em seu nome” (João 1.11-12).

O clamor de Jesus na cruz foi uma expressão de extremo sofrimento físico, moral e espiritual. Ali, Jesus se fez pecado por nós, carregando sobre si os pecados de toda a humanidade, com o propósito de salvar a todo o que nele crê. Como ser humano, Jesus sentiu-se isolado e abandonado, durante aquelas quase seis horas de sofrimento, das quais três horas corresponderam a um período de trevas. Era necessário que Jesus chegasse ao auge do sofrimento para que, assim, ele pudesse ser perfeitamente Salvador e substituto de todos nós, pecadores. Só assim podemos afirmar que ele morreu em nosso lugar, pagando o preço pela nossa própria salvação.

A morte de Jesus foi o sinal mais evidente do amor de Deus por todos os homens. Jesus foi crucificado para o perdão de nossos pecados. Não haveria outro motivo pelo qual Deus viesse consentir com tamanho sofrimento de seu Filho, quando de sua vida entre os homens. A morte na cruz significou um grande sofrimento para Jesus. Ele foi obediente em tudo, deixou-nos o seu exemplo de resignação e amor, em tudo foi submisso ao Pai para cumprir todo o propósito de Deus. Tudo isso para que pudesse garantir liberdade de acesso a Deus. O pecado, a maior barreira que separa o homem e Deus, foi vencido ali na cruz, concedendo pleno perdão a todo aquele que o busca pela fé.

Mateus 27.55-56 chama a atenção do leitor para as mulheres que serviam a Jesus e acompanhavam todo aquele drama até o momento final da sepultura (v. 61). Nem todos os seguidores de Jesus haviam fugido, as mulheres haviam permanecido fiéis até o fim. Mateus fala também de um discípulo chamado José de Arimateia, que era homem rico, membro do Sinédrio (Marcos 15.43) e amigo de outro judeu ilustre chamado Nicodemos que o ajudou (João 19.18.39), que providenciou o sepultamento de Jesus em um túmulo novo de sua propriedade. Uma tradição essência dá conta de que o crucificado pelos mesmos motivos alegados contra Jesus deveria ser sepultado no mesmo dia de sua morte [1]. Além disso, logo a tarde seria finda e o sábado teria início, quando ninguém poderia fazer qualquer trabalho, muito menos tocar em um morto, considerado um serviço imundo. Os fariseus demonstraram que, no fundo, acreditavam no poder miraculoso de Jesus ao solicitar a Pilatos uma guarda especial para o sepulcro e providenciar um selo para pedra que o fechava. A ideia do embuste era só uma desculpa.

(Extraído do meu livro Mateus, o evangelho do Reino, disponível em: https://a.co/d/id6yeMi ).



[1] Jean Dominic CROSSAN. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 195.

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