“O meu povo cometeu
dois crimes: eles me abandonaram, a mim, a fonte de água viva; e cavaram as
suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água.” Jeremias 2.13
Dostoiévski, em
sua célebre obra Irmãos Karamazov, diz: “Se Deus não existe e a alma é mortal,
tudo é permitido”. Essa frase lembra a condição humana a que a cultura
ocidental foi submetida a partir da Modernidade ao lançar Deus para fora do
mundo.
As charges da
revista francesa Charlie Hebdo, que sofreu um ataque terrorista na última
quarta-feira, 7/1, são apenas reflexos de um quadro maior de rejeição ao
religioso e o estágio de absoluta indiferença a respeito de Deus. O Ocidente
aprendeu a não considerar Deus como uma hipótese de conhecimento.
Essa condição
cultural, niilista, interfere na maneira de ver o mundo, nas artes e até nas
ciências. Todas as verdades são colocadas sob suspensão e até mesmo o senso de
humor cede lugar ao deboche, ao grotesco, ao escracho. O conteúdo das charges
que despertaram a fúria de terroristas é constrangedor, chega a ser vergonhoso
de se mencionar.
A afirmação de
autonomia do homem moderno, no entanto, depende da afirmação da liberdade. A
máxima de Voltaire torna-se uma bandeira para a defesa do direito de expressar
livremente o pensamento: “Posso
não concordar com nenhuma palavra que você disser, mas defenderei até a morte o
direito de você dizê-las.”
O mundo
desencantado e secularizado perdeu-se de si mesmo e rejeita toda forma de
crença ou discurso de verdade que lhe aponte o caminho de volta para um tempo
de engano e de trevas, como foi definido o período medieval, dominado pela
relação entre fé e razão.
A atitude
crítica para com o fenômeno religioso conduz a um temor de retorno ao estágio
pré-moderno, que lembra a inquisição e o discurso de culpabilização e medo. Mas
remete também para um sentimento pós-moderno que reacende as muitas formas de
fundamentalismo construídas a partir do século XX, seja ele protestante, de
esquerda, de extrema direita, ateísta e até mesmo islâmico. Um mundo de
extremos, marcado pela intolerância, que não conhece limites, que prega a absolutização
do eu, que exige a relativização de toda a forma de poder e de verdade.
Esse mundo que
se perdeu de si mesmo carece de uma voz que lhe aponte o caminho. Contudo, a
única voz possível nesse momento de angústia é: até quando? Até quando teremos
que assistir indefesos os muitos cerceamentos de liberdade, de tratamento
desigual e de opressão num mundo que se afastou de Deus?
Aquele que tem o
controle da história, porém, ainda repete chorando o seu discurso na cruz: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que
estão fazendo” (Lucas 23.34).
(Extraído do informativo de domingo, 11/1/2015, da Igreja Batista da Orla Oceânica)
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