Viver é fazer
transições. Fazemos transições o tempo todo: da infância para a adolescência,
da adolescência para a juventude, da juventude para a maturidade, da maturidade
para a velhice.
Algumas
transições são socialmente marcadas: de solteiro para casado, de estudante para
profissional, de estranho para amigo, de indiferente para comprometido, de
isolado para quem possui pertença, de excluído para incluído. O contrário
dessas travessias socialmente marcadas também pode acontecer.
Outras
transições são espiritualmente marcadas: de descrente para crente, de
observador a seguidor, de quem conhece de ouvir falar a testemunha. E essas
transições dificilmente oferecem um caminho seguro de volta. Pelo menos, não há
como voltar ou desistir dessas transições e continuar o mesmo.
E há aquelas
transições solitárias, que exigem exercícios dolorosos de mudança interior,
como as que afetam nossa vida emocional: de apaixonado a desiludido ou perdido
de amor, de convencido a incompreendido ou valorizado, de ofendido a quem
perdoa ou alimenta mágoas, do anonimato à exclusão ou tornar-se celebridade.
São transições que doem por exigirem escolhas tanto nossas quanto de outros.
Fazer
transições é fazer deslocamentos, é deixar de ser o que é para assumir aquilo que
está se tornando. Isso é parte de nossa condição humana. Para nos humanizarmos,
precisamos fazer ajustes constantes, dar passos em direção a um ideal, assumir
o risco das muitas travessias. Como disse Guimarães Rosa, em Grandes Sertões:
Veredas: “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não
estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre
mudando.”
Nem mesmo Deus
escapou das transições para se tornar humano: esvaziou-se, abriu mão de sua
glória, o eterno se fez história, o pensado encarnou-se, o distante tornou-se próximo.
Jesus Cristo é a revelação do Deus que se desloca na direção do humano. Sua
vida e mensagem são um convite a assumirmos nossas próprias travessias para nos
tornarmos aquilo que ele gostaria que fôssemos como um pai amoroso e criador
genial que é.
Dentre as
muitas histórias que a Bíblia relata de pessoas que experimentaram transições
e deslocamentos, encontra-se a do êxodo do povo hebreu desde o Egito
até a terra prometida. Chegar a Canaã não foi fácil, exigiu vários
deslocamentos e transições. Fazer a travessia até a terra da promessa não
significava simplesmente seguir uma estrada que, orientada por um guia normal,
demandaria três ou quatro dias. A travessia durou quarenta anos pelo deserto,
com idas e vindas, perdas e ganhos, vitórias e derrotas, companheirismo e traições,
dúvidas e esperanças.
O livro de
Êxodo serve como metáfora para compreender nossos próprios deslocamentos. As
muitas transições que o povo precisou fazer para chegar até a terra “que mana
leite e mel” funcionam como arquétipos de nossas próprias transições.
Entendê-las é construir um caminho novo para se alcançar uma vida mais humana.
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