Em seu livro A casa e a rua, o antropólogo brasileiro
Roberto DaMatta fala que há um “entre”. A casa e a rua são categorias
sociológicas fundamentais onde construímos nossas relações sociais, morais e
até espirituais. Não são apenas espaços geográficos, mas o lugar onde
construímos nossa existência ética e cultural, onde desenvolvemos emoções e até
uma estética que carregamos por toda a vida.
A casa é vista
como o espaço do dever, enquanto a rua é o da liberdade. A casa corresponde à
vida privada; já a rua é a esfera pública. A casa é sempre vista como um
aprisionamento, lugar de reclusão, de sossego e de descanso, mas, por isso
mesmo, um lugar seguro e protegido. A rua é o espaço da luta, da festa, do
imprevisível, marcado pela insegurança e pela descoberta do novo. E a vida se
constrói nesse entre casa e rua, entre o privado e o público, entre o que devo
e o que posso, entre o permitido e o desejado.
A família vive
essa tensão que envolve a circulação entre a casa e a rua. Ela é um espaço para
se refugiar e para se realizar como pessoa, mas também para construir o sentido
básico de vida em sociedade. Valores básicos e essenciais para a vida comum são
primeiramente desenvolvidos na família, tais como o respeito, a tolerância, a
generosidade, a gratidão, o perdão, o afeto e até mesmo a liberdade.
Frequentemente
se diz que a família está sob ameaça, mas pouco ouvimos falar a respeito de
onde vêm essas ameaças, quem são os principais responsáveis por ela. Talvez
isso se deva ao fato de que os responsáveis por nossas famílias somos nós
mesmos e que, muito acertadamente, somos também suas principais ameaças. Na
medida em que somos dotados de necessidades e de fragilidades, nós também nos
tornamos coparticipantes das deficiências e aspectos negativos que afetam a
convivência familiar. Porém, somos também chamados para sermos cuidadores.
O modo com que
cuidamos de nossa vida em família tem a ver com o nosso sistema de crenças e
valores, com os nossos padrões de organização pessoal e até com os processos de
comunicação que praticamos. Ou seja, a vida em família depende, em muito, da
maneira como enfrentamos e resolvemos nossos problemas, da nossa flexibilidade
em nos adaptarmos a diversas situações e da nossa capacidade de expressarmos
opiniões e sentimentos. Tudo isso se reflete em nosso convívio em família, que
são os nossos próximos mais próximos.
O autor de
Provérbios diz que: “Quem causa problemas à sua família herdará somente
vento [...]” (Provérbios 11.29).
Isso nos lembra uma relação de causa e efeito. A Bíblia está cheia de relatos
de famílias que enfrentaram problemas causados por membros que agiram com
insensatez, irresponsabilidade ou até mesmo por ignorância. Entretanto, ela nos
mostra que enfrentar problemas em família não é o fim da linha. Há esperança
para a família mesmo em meio aos conflitos que se enfrenta dentro dela.
Nesse tempo de
quarentena e de isolamento social temos aprendido que a casa é o espaço mais
seguro para estarmos e para exercermos cuidado uns dos outros, assim como
encorajarmos uns aos outros. Esse tempo é de aprendizado mútuo, de nos
conhecermos melhor e de construirmos relações mais sólidas.
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