“[...] A nação não suportará as suas palavras” (Amós 7.10)
Amós foi um
profeta divisor de águas no profetismo do Antigo Testamento. Sua profecia
revela que Deus está ao lado dos mais pobres, das vítimas de uma sociedade
injusta. Ele declara a santidade divina e conclama o povo de Israel a restaurar
sua aliança com Deus. Essa é a essência da proposta de santidade: a proximidade
a Deus restaura as nossas relações humanas.
Amós não era
um profeta profissional e não pertencia a nenhuma ordem religiosa. Era um homem
simples que vivia a realidade social do seu tempo. Ela sabia na prática dos
problemas enfrentados pelas pessoas das classes dominadas, os trabalhadores e
os mais pobres. Ele percebia as injustiças cometidas pelas autoridades
religiosas, jurídicas e políticas. E ele verificava como as classes superiores
ostentavam a riqueza obtida pela exploração dos mais pobres.
Amós não
profetizou a partir dos palácios. Ele falou com base em sua vivência cotidiana.
Esse é um novo modo de fazer profecia, que não se dá a partir da vida
palaciana. Os governos de Judá e Israel experimentavam um período de expansão
territorial e econômica, mas ao mesmo tempo se distanciavam das necessidades
das populações mais carentes, retirando direitos dos trabalhadores e dos mais
pobres. Ele enfrentou um poder político consolidado, forte e centralizador, que
associava política e religião. Os ricos e poderosos desse tempo viviam uma
religiosidade aparente, praticantes que eram de uma religião com um discurso
que agradava à elite dominante. A religião era usada para justificar os atos de
injustiça, de opressão e de extorsão.
A profecia de
Amós denunciava a religiosidade hipócrita, a prosperidade social e econômica
construída a custa dos mais pobres e a falta de justiça no cuidado com os
direitos dos mais vulneráveis. Essa forma de profetizar propunha uma nova ética
baseada no amor de Deus. Na sua mensagem, ele proclamou um Deus que se opõe ao
sistema opressor dominante, que viola direitos, que cerceia a liberdade e
oprime o outro. Esse Deus está disposto a destronar os poderosos, a aniquilar
toda trama sórdida que destrói esperanças e permite toda sorte de pecados
sociais. Amós declarou: “[...] Mas vocês
transformaram o direito em veneno, e o fruto da justiça em amargura” (Amós
6.12).
Amós é o modelo
de santo para esses tempos de avanço do neoliberalismo e das forças extremistas
que tentam impor regimes de exceção, que viola direitos, que promove o ódio
contra os opositores e pratica atos de preconceito e de injustiça. Milton Schwantes
diz, em seu livro A terra não pode
suportar suas palavras, que o modo de vida de Amós possui relevância sobre
sua conduta como profeta. Ele era alguém que se sustentava com os recursos
obtidos em seu próprio trabalho. “[...] Seu trabalho dá autenticidade a suas
palavras. Entre o Amós trabalhador e sua profecia radical contra os
totalitários deve haver uma relação. O trabalhador e o ‘profetizador’ se
correlacionam, embora este não dependa daquele” (p. 43-44).
Por conta
dessa relação entre modo de vida e conteúdo da mensagem, o povo foi lembrado
que Deus não pede para que sejamos perfeitos. O que Ele espera de nós é que
assumamos o risco de buscarmos uma vida mais justa e sejamos sinceros para
reconhecermos nossos erros. O santo não é aquele que faz tudo de acordo com um
paradigma moral que é imposto, mas que sabe que não dá para viver de forma
tranquila quando sabemos que nosso próximo carece de dignidade, de alimento, de
teto, de segurança e de trabalho.
Ser santo é
saber quem é. Deus é santo porque Ele é o que é. E Ele nos chama para vivermos
nossa humanidade perante ele como somos. A todo aquele que ouve seu chamado,
Deus constitui como seu povo e Reino. O povo de Deus é chamado a reconhecer
quem ele é: um povo separado para ser uma expressão de quem Deus é. Deus faz
uma aliança com seu povo para uma vida santa no mundo.
Um povo santo
precisa se dedicar mais à justiça social como expressão da santidade divina. O
profeta anuncia que Deus tem lado, que é o do mais pobre. Como povo santo, cabe
a si a tarefa de denunciar tudo aquilo que fere a dignidade humana e anunciar a
bondade, a justiça e o amor de Deus pelas vítimas.
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