Ser santo é tornar-se quem se é, nem mais nem menos. Essa definição preliminar nos ajuda a compreender a santidade como um exercício de reconhecimento de si diante de quem se está. Dito de outro modo, ser santo é assumir nossa humanidade diante de Deus e toda a criação. Se a ideia que você tem de santo tem a ver com uma pessoa religiosa que vive uma vida enclausurada, ela está distante da realidade. A santidade é uma condição humana em que são confrontadas a nossa própria fragilidade e a soberania divina.
Para Karl
Barth, a santidade está diretamente vinculada à relação com o Totalmente Outro,
como uma experiência que podemos chamar de “outridade”. A santidade, nessa
perspectiva, tem a ver com a maneira como lidamos com a nossa vida humana diante
da realidade de uma vida sem Deus. Para Barth, a santidade não é uma separação
do mundo, mas uma separação para o mundo, na medida em que colocamos a nossa
vida inteira a serviço da luta por uma sociedade justa, na defesa da democracia,
dos Direitos Humanos e da diminuição da desigualdade social. A santidade,
portanto, envolve o engajamento do crente na ação social e política como uma
questão de fé e resposta ao chamado divino para tomar parte do Reino de Justiça,
paz e alegria.
Nas Escrituras,
a palavra tem origem no vocábulo hebraico kadosh,
que se refere ao outro, o diferente, ao que não é comum, ao que é único. As
versões bíblicas mais tradicionais traduzem essa palavra com o sentido de “separado”.
Entretanto, ela é usada para referir-se somente a Deus como o Outro, que nos
interpela para que vivamos de forma integral a nossa humanidade. Na Bíblia,
Deus é santo e nos convida a viver em santidade em resposta ao seu convite
amoroso. E, quando a Bíblia chama os crentes de santo, o faz na medida em que esses
tomam parte da própria natureza divina.
Ao nos criar, Deus
não quis que fôssemos infalíveis, mas que assumíssemos nossa humanidade. O
ideal de perfeição divino não prevê a exatidão, e sim a vulnerabilidade. Para
se viver em santidade, não é preciso uma vida religiosa rigorosa, mas
desenvolver uma atitude mais nobre que é o amor. É indispensável exercitar o
amor em tudo o que se faz, até mesmo nas pequenas coisas.
A santidade é
o desejo de conhecer Deus e fazê-lo conhecido, de amar a Deus e fazê-lo amado e
de seguir Jesus e de convidar a todos para segui-lo juntos. É assumir a imagem
e semelhança de Deus para si. Essa é uma decisão pessoal e interior, de deixar
tudo em busca de uma experiência de espiritualidade integral. Como declarou Teresa de Lisieux: “A
santidade não está nesta ou naquela prática, ela consiste numa disposição do
coração que nos torna humildes e pequenos nas mãos de Deus, conscientes de
nossa fraqueza, e confiantes até a audácia na sua bondade de Pai”.
A essência da santidade é o amor. É pelo
amor que somos chamados à santificação, é o amor que nos torna santos e é em
amor que encontramos forças para seguir em frente. A grandeza da santidade está
em nossa capacidade de amar. Ser santo é se tornar uma referência do
amor divino para o mundo.
A santidade é
um dom divino. A contemplação da santidade divina nos conduz a desejarmos ser
santos como ele é santo e a vivermos a santidade de Deus na nossa vida humana.
É essa experiência contemplativa que nos dá disposição para nos entregarmos ao
Senhor e a adotarmos um estilo de vida mais simples, generoso e solidário,
comprometido com o direito e as necessidades dos mais vulneráveis.
O exercício para se alcançar a santidade começa
como uma oração que se expressa como um abandonar-se em Deus, que nos conduz a um
reconhecimento de nossas fraquezas e a uma consciência de quem somos e diante
de quem estamos. Só há um jeito de ser santo: sendo inteiro. “Não quero ser
santa pela metade, eu escolho tudo”, dizia Teresa de Lisieux.
O cristianismo
na contemporaneidade em geral carece de santidade. Faz-se necessário uma
teologia que faça emergir pessoas que vivam em santidade no mundo atual. Todos
são chamados à santidade, independentemente de condição social, credo religioso
ou até mesmo formação cultural. Toda pessoa tem capacidade de desenvolver
intimidade com Deus ao ponto de experimentar a santidade.
Hans Urs von
Balthasar reconheceu, no começo do século XX, que a igreja encontrava-se diante
de uma tarefa sobre-humana para a qual carecia não só de teólogos, mas
sobretudo de santos, “de figuras pelas quais, como faróis, nos possamos
orientar”. Para ele, há dois tipos de santidade: uma horizontal, que corresponde
à decisão livre da pessoa de atender ao chamado de ser santo como Deus é; e
outra vertical, que é aquela em que Deus elege uma pessoa em especial para o
cumprimento de Sua missão de forma específica. No primeiro tipo, mais comum, os
santos são aqueles que humildemente reconhecem suas falhas e procuram se tornar
semelhantes a Deus em sua bondade e amor. No segundo tipo, que é raro e
imprevisível, a santidade se torna um drama na vida de quem recebe tal
convocação, pois ela tem sua vida invadida pelo divino.
O mundo carece
de santos. Não dos santos canonizados e beatificados, mas daqueles que sabem
administrar a multiforme graça de Deus em suas circunstâncias concretas de
vida. O mundo carece de gente comum que se coloca diante de Deus no caminho da
santificação, com a força do seu testemunho e com a sua disposição de
compartilhar em amor o cuidado de Deus sobre toda a criação.
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