Warnock é, inclusive, o primeiro cidadão negro da Geórgia e
de todos os estados do Sul dos EUA a ocupar uma cadeira no Senado
norte-americano. Trata-se de um pastor da igreja batista, a mesma confissão de
Martin Luther King Jr. e John Lewis, ativistas pelos direitos civis. Sua
eleição é, portanto, uma vitória do movimento negro.
O segundo fato é referente à invasão
do Capitólio, o Congresso norte-americano, quando este se reunia para
referendar a eleição de Joe Biden à presidência. Toda a ação foi praticada por
grupos supremacistas brancos e movimentos orientados por ideias conspiratórias,
articulados por Donald Trump e seus seguidores, que não aceitam a derrota nas
urnas. As infundadas alegações de fraude apresentadas por Trump foram todas contestadas judicialmente.
Para alguns analistas, a
invasão ao Capitólio não foi apenas um protesto, mas uma tentativa de insurreição
contra a decisão democrática das eleições presidenciais de 2020. Para outros,
foi a demonstração fracassada de forças da extrema direita e de seu modo de
ação, ao intimidar pela truculência a fim de mudar os resultados eleitorais. Do
meu ponto de vista, foi uma demonstração do fracasso do atual modelo
democrático diante das novas formas de relações políticas que emergem num mundo
marcado por uma crise de legitimidade.
Ainda estão bem vivos na
lembrança dos norte-americanos os protestos encabeçados pelo movimento Black
Lives Matter (vidas negras importam, em tradução livre para o português) em
função da morte de negros em ações praticadas por policiais brancos. Os dois fatos, vistos simultaneamente, representam a repetição dos motivos que levaram à
Guerra de Secessão da década de 1860.
Lançando um olhar a partir da
América Latina, o que se percebe num primeiro momento é que os EUA provaram de
seu próprio veneno com a primeira tentativa declarada de golpe em toda a sua
história republicana. De tanto patrocinar golpes em outras repúblicas, a ação
dos aliados de Trump lembra o que foi praticado pela inteligência
norte-americana em países com regimes frágeis tanto política quanto
economicamente, conhecidos pela alcunha de “república das bananas”.
Do ponto de vista da
constituição norte-americana, Trump deverá ser responsabilizado criminalmente
pela invasão ao Capitólio, que inclusive resultou em mortes de manifestantes e de
agentes de segurança, bem como de muitos feridos. As cenas chocantes e
lamentáveis foram transmitidas para o mundo todo. Do ponto de vista jurídico,
deveria ser também afastado do cargo e conduzido preso. Entretanto, essa ação
depende de decisões no Congresso, na Suprema Corte e do Procurador Geral da República
dos Estados Unidos.
Para nós, brasileiros, essas
tentativas de invadir o Congresso, acampar em frente a ele, cercar o prédio do
STF, lançar fogos de artifícios contra ele e fazer ameaças a membros do congresso,
ministros do Supremo e seus familiares já foram vistas por aqui. Tais ações
foram praticadas por grupos extremistas de direita, todos apoiadores do governo
Bolsonaro e apoiados pelo próprio Presidente da República e seus familiares.
Em função disso, não dá para
evitar a constatação de que o dia 6 de janeiro de 2021 foi um ensaio para o que
pode acontecer em função de uma provável ação de impeachment contra o governo
Bolsonaro ou, se conseguir concluir o mandato, em uma possível derrota na
eleição de 2022.
Isso é uma ameaça à
democracia. Não à democracia em si, mas ao modelo de democracia liberal a que
se chegou no Ocidente. O próprio do Presidente da República brasileiro, no dia
seguinte ao episódio, mencionou uma possível reação semelhante diante do
resultado das eleições desfavorável a ele. A fala presidencial soa como
desrespeito às instituições democráticas que o elegeram. Na verdade, é mais uma
quebra de decoro do cargo, envolvendo a responsabilização pelo que pode acontecer
daqui pra frente.
Foto: de Leah Millis, da
Agência Reuters, publicada no site do jornal Deutsche Welle.
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