A cultura do encontro é um
dos temas desafiadores trazidos pelo atual Papa Francisco que, ao meu ver, deve
nos conduzir a uma reflexão sobre a conduta de cristãos de todos os segmentos.
Entretanto, não se trata de um fato novo. Desde o Concílio Vaticano II, há uma
recomendação que consta do documento Gaudium
et spes para que se considere o próximo como um “outro eu” tendo em vista a
formação de uma vida mais digna. Diz o documento: “sobretudo em nossos dias,
urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem, e de o
servir efetivamente quando vem ao nosso encontro”.
O chamado para a
consolidação de uma “cultura do encontro” foi apresentado pelo Papa Francisco em 2013, principalmente em quatro ocasiões, como uma
alternativa à cultura da exclusão e da indiferença: na homilia proferida na
missa com os religiosos, por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude; na
mensagem do dia Mundial do Migrante e Refugiado; na aula magna da Pontifícia Faculdade
Teológica da Sardenha; e na exortação apostólica Evangellii Gaudium.
No primeiro discurso, ele
afirmou que a igreja precisa ter a coragem de ir
de encontro à cultura do descartável e de desenvolver uma atitude que favoreça
a solidariedade. Segundo ele, “o encontro e o acolhimento de todos, a
solidariedade [...] e a fraternidade são elementos que tornam a nossa
civilização verdadeiramente humana. Temos de ser servidores da comunhão e da
cultura do encontro”.
Na segunda oportunidade, o
Papa Francisco disse que: “O mundo só pode
melhorar se a atenção é dirigida, em primeiro lugar, à pessoa; se a promoção da
pessoa é integral, em todas as suas dimensões, inclusive a espiritual; se não
se deixa ninguém de lado, incluindo os pobres, os doentes, os encarcerados, os
necessitados, os estrangeiros (cf. Mt 25, 31-46); caso se passe de uma cultura do
descartável para uma cultura do encontro e do acolhimento.”
A cultura do encontro
implica uma preocupação com a condição humana atual em função da crise
econômico-financeira, bem como a que afeta as condições de vida humana no
âmbito da ecologia, da moral e do conhecimento, que põe em risco o presente e o
futuro. Uma crise que envolve o ocidente com implicações para todo o mundo e
que tem a ver com o modo como a humanidade realiza sua existência no mundo. No
terceiro discurso, o Papa acrescentou: “Penso
não só que há um caminho para percorrer, mas que precisamente o momento
histórico que vivemos nos impele a
procurar e encontrar caminhos de esperança, que abram horizontes novos à
nossa sociedade”, afirmou. E mais: “Esta é uma proposta: cultura da
proximidade. O isolamento e o fechamento em si mesmo ou nos próprios interesses
nunca são o caminho para voltar a dar esperança e realizar uma renovação, mas é
a proximidade, a cultura do encontro. O isolamento, não; a proximidade, sim.
Cultura do confronto, não; cultura do encontro, sim.”
A proposta da cultura do
encontro está afinada com a defesa que o próprio Papa Francisco faz por uma
igreja “em saída”, que consiste na ideia de uma igreja que sai ao encontro das
pessoas em sua circunstância de vida. No documento Evangellii Gaudium, ele afirma:
“[...] prefiro uma Igreja acidentada, ferida e
enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e
a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja
preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e
procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a
nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz
e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os
acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar,
espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma
falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos
hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão
faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6,
37).”
As condições de vida no
mundo atual interpelam a práxis cristã de modo que “torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se
relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores
fundamentais”. Nesse sentido, “a
igreja é chamada a ser servidora dum diálogo difícil”. E acrescenta: “Neste
tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram
progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a ‘mística’
de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos,
participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira
experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação
sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em
novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos.”
O
evangelho possui uma dimensão social que interpela e convida a que o
cristianismo saia de sua zona de conforto e desenvolva uma atitude que supere a
desconfiança e o medo de ser invadido. “A verdadeira fé no Filho de Deus feito
carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço,
da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus
convidou-nos à revolução da ternura.”
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