quinta-feira, 26 de julho de 2018

A igreja de Jesus / The Church of Jesus / La iglesia de Jesús


Jesus Cristo não criou a igreja tal como ela se configura hoje, como uma instituição dotada de liturgias, hierarquia, sistemas doutrinários e ritos. Ele reuniu um grupo inicial que contava com mais ou menos setenta pessoas que era capaz de mobilizar gente em torno de seus ensinos e de seus feitos milagrosos. A igreja que Jesus formou tinha mais a ver com a dinâmica dos relacionamentos do que com formas institucionais de organização.
Ele mesmo disse que edificaria sua igreja. Mas, o que Jesus tinha em mente quando se referiu à sua igreja? Com certeza não eram rituais, vestes, sacramentos, dias santos, clero ou santuário. Esses são representações elaboradas pelos seus seguidores carregadas de significados históricos construídos ao longo das muitas experiências culturais e de formas de expressão da fé. Jesus estava interessado em atrair pessoas para si e transformá-las em novas criaturas.
Em princípio, é preciso ter em mente que Jesus foi um judeu, criado por seus pais dentro dos costumes do judaísmo do seu tempo. Os evangelhos enfatizam que os fatos envolvendo a gravidez, o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus foram marcados pela cultura dominada pela fé judaica. Lucas deixa claro que era “[...] conforme o costume” (Lucas 2:42). Mateus salienta que tais acontecimentos eram em cumprimento a profecias bíblicas.
Jesus foi consagrado no templo quando bebê de acordo com a tradição judaica. Ele possuía uma genealogia que só os judeus mais nobres poderiam relatar. Tinha uma proximidade com os mestres da religião desde o início de sua adolescência. Atuou como um mestre extraordinário, empregando habilidosamente recursos retóricos e didáticos do seu tempo. Era convidado a falar nas sinagogas, o que era uma prática comum aos fariseus. Dialogou com os doutores da lei e confrontou os fariseus por conhecê-los de uma forma bem peculiar, como quem tivesse intimidade com eles. Foi chamado por muitos de seus interlocutores de rabbi e por seus discípulos de rabbouni, termos que eram atribuídos aos mestres religiosos. Ele mesmo tratou seus primeiros seguidores como discípulos ou aprendizes.
Apesar disso – e talvez por isso mesmo –, Jesus confrontou as formas religiosas de seu tempo. Jesus nunca esteve preocupado em formar uma nova religião nem de criar uma instituição. Tudo o que sabemos hoje sobre igreja está presente nos ensinos dos apóstolos, nas cartas escritas por eles para dar direção ao movimento que a fé cristã foi ganhando à medida que expandia e avançava pelo mundo, sobretudo no Ocidente. Os discursos de Jesus, porém, falam mais de uma relação.
O foco de Jesus era criar as condições para a inauguração do seu Reino. Para isso, atraiu pessoas para conviverem com ele por um tempo. Ofereceu a essas pessoas ensinos e experiências que influenciariam suas condutas após a sua crucificação. Os ensinos não eram sobre teorias de liderança, fórmulas doutrinárias ou estratégias de crescimento, mas princípios para uma vida significativa no mundo. As experiências não eram voltadas para a prática de curas, atos religiosos ou exorcismos, mas para que eles tivessem uma vivência do que é ter uma vida marcada pela compaixão.
Quando se diz que a igreja de hoje precisa retornar ao tempo da igreja primitiva ou à dos primeiros apóstolos, penso que esse retorno deveria se dar para um pouco antes, para ouvir de novo o que Jesus tem a dizer sobre sua igreja. É preciso retomar os ensinos de Jesus, rever com mais atenção as narrativas sobre suas práticas com seus discípulos e redescobrir um novo jeito de ser igreja que esteja para além do domingo, do clero e do templo.
A igreja como conhecemos hoje passou e tem passado por muitas transformações. Não resta a menor dúvida de que toda mudança foi resultado da necessidade de agir no mundo, de encontrar modos de se cumprir missão, de dialogar com as expressões organizacionais de cada tempo. Para isso, ela tanto desenvolveu relações de poder como configurou um espaço onde fosse possível ter uma experiência de encontro. Algumas dessas formas foram cristalizadas e resultaram na multiplicidade de eclesiologias que conhecemos.
Jesus não estabeleceu regras para a continuidade histórica de sua igreja. Compreende-se que ele encarregou seus discípulos dessa responsabilidade. Para tanto, eles estariam livres em todo o tempo para encontrar maneiras de se reunir como povo de Deus e cumprir a missão que Jesus designou de levar a todo o mundo a boa notícia do amor de Deus a toda criatura.
A igreja precisa resgatar sua identidade de povo de Deus, deixar de ser um lugar para se ir para se tornar um modo de ser. Para isso, é preciso ouvir de novo o que Jesus tem a dizer sobre a comunhão daqueles que ele atraiu para si, aos quais ele quis que estivessem ligados a ele como ramos da videira, e não como adeptos de um segmento religioso.

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