No aforismo
125 do seu livro Gaia ciência,
Nietzsche fala de um louco que carregava uma lanterna acesa em plena luz do dia
e corria pela praça dizendo que estava a procura de Deus. Como muitos daqueles
que se encontravam na praça não acreditavam em Deus, essa atitude provocou
risos e zombaria. Porém, o louco salto no meio da turba que fazia galhofa,
olhou para cada um deles severamente e disse: “Para onde foi Deus? É o que vou
dizer. Nós o matamos – vocês e eu! Nós todos, nós somos seus assassinos! Mas
como fizemos isso?”
O louco,
então, passa a fazer várias indagações a respeito de como não nos demos conta,
ao longo de nossa existência, das grandes transformações decorrentes da
ausência de Deus no mundo. Um grande vazio tomou conta da vida humana ao mesmo
tempo em que nos tornamos insensíveis ao ponto de não percebermos que a
humanidade lançou Deus para fora de suas relações. Com isso, a humanidade se
viu impelida a desenvolver artifícios e argumentos que pudessem substituir a
presença de Deus, como se tivesse que criar deuses a partir dos próprios
homens. E isso lançou a humanidade numa outra maneira de encarar a história,
que é relativa aos tempos modernos, como se fossem os momentos mais nobres de
toda a vida humana na Terra. Foi nesse ponto que o louco parou de falar, e
todos os seus zombadores ficaram em silêncio.
Após essa
cena, o louco jogou sua lanterna no chão, que se espatifou e se quebrou. Ele
entendeu que tinha chegado cedo demais, pois as pessoas ainda não estavam
preparadas para compreender o que estão fazendo com a vida. Os grandes
acontecimentos precisam de tempo para serem discernidos. E quanto a essas
transformações decorrentes da ausência de Deus, ainda vai levar um tempo para
que a humanidade se dê conta do que está a acontecer ainda hoje como
consequência.
Nietzsche
termina a história do louco de forma muito curiosa. Naquele mesmo dia, ele
entrou em uma igreja e cantou um réquiem de exaltação ao eterno Deus. Mas foi
expulso e questionado sobre suas ideias. Nietzsche disse que ele teria repetido
as mesmas coisas e ainda teria acrescentado: “Para que servem essas igrejas, se
não são os túmulos de Deus?” A igreja se tornou como um mausoléu. Monumentos suntuosos,
mas que só servem para guardar restos mortais de alguém, que pode até ter feito
algo de muito significativo, mas que hoje não faz o menor sentido.
Talvez alguém
ache que essa narrativa toda esteja desconectada da realidade histórica a
respeito da fé cristã, que foi escrita por alguém que assumiu a tarefa de
atacar o cristianismo como um inimigo. Porém, quando olhamos para os evangelhos
e encontramos algumas parábolas contadas por Jesus, podemos entender que essa
história do louco não é estranha. Ela serve como uma metáfora para demonstrar
como a própria cristandade contribui para esse cenário ocidental em Deus foi
lançado para fora do mundo.
Voltando à
pergunta do louco: “Mas como fizemos isso?” Há três modos como a cultura
ocidental moderna, com base na herança cristã, lançou Deus para fora do mundo.
Primeiro, por afirmar a capacidade da razão suficiente, em que o indivíduo pode
dar conta de si mesmo. Segundo, pela maneira como a ciência foi construída,
como um modo de conhecer que é capaz de encontrar todas as respostas sem a
necessidade da fé, em que a espiritualidade não é considerada para explicar os
fenômenos, inclusive os humanos. E, terceiro, pelo pensamento dualista que
separa matéria e espírito, corpo e alma, objeto e sujeito, natureza e cultura,
fato e história, mundo físico e mundo espiritual, natural e sobrenatural,
ignorando que tudo está interligado num todo complexo. Nesses contextos, Deus
não tem lugar. O que restou foi a necessidade de inventar formas morais que
obriguem as pessoas a práticas que servem como substitutos de Deus para suas
vidas. Assim se tornou a religião, firmada no ensino da obediência como sinal
de que faz a vontade de Deus.
Durante seu
ministério, Jesus alertou as pessoas do risco de lidar com a fé e a relação com
Deus distante da realidade e da vida. Ele contou algumas parábolas que
sinalizavam os distanciamentos possíveis com respeito a quem Deus é o espaço
que Ele ocupa na história humana. Essas parábolas nem sempre são bem
compreendidas até hoje, e, talvez por isso mesmo, são pouco estudadas nas
igrejas atualmente. Elas ajudam a compreendermos a vida, os ensinos e missão de
Jesus de forma completa, vinculada a uma compreensão de nossa condição de
existência no mundo. São elas: a parábola dos lavradores maus, a parábola do
administrador astuto, a parábola da rede com toda sorte de peixe e a parábola
do sinal do tempo. Elas apresentam um olhar diferenciado a respeito da pessoa e
mensagem de Jesus que nos remetem a novas formas de aplicação em nossa vida.
A grande revelação
de Deus na pessoa de Jesus Cristo é o Seu cuidado para com a humanidade toda. A
história contada e registrada de Jesus nos evangelhos serve como uma grande
metáfora que demonstra o cuidado de Deus por todos nós. Esse cuidado é
expressão do amor pela humanidade inteira, como um esforço de resgatar o que há
de mais humano em todos nós. Um cuidado que é estendido a toda criatura e a
toda criação, em que ninguém pode ficar de fora, excluído ou rejeitado. E
também um cuidado que aponta para a esperança, como possibilidade de superação
daquilo que nos desumaniza. A partir da leitura dessas parábolas, podemos crer
no cuidado de Deus através de Jesus por toda a criação.
Jesus chamou as
pessoas que viviam uma vida de aparência por sua religiosidade de “sepulcros
caiados”. E ainda acrescentou: “Assim são
vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de
hipocrisia e maldade” (Mateus 23.28). E ainda mais: Jesus denunciou que
tais pessoas olham para o passado, para aqueles que mataram os profetas, e
ainda dizem que não teriam feito nem permitido tal maldade. A igreja de hoje
repete os mesmos erros quando não se abre para rever a maneira como tem
colocado em prática os ensinos de Jesus a respeito do cuidado sobre toda a
criação e não corrige sua caminhada para viver o evangelho como sinal do cuidado
de Deus.
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