O maior desafio de ser cristão hoje não é enfrentar a oposição de ateus
ou seguidores de outras crenças. Não é o embate com grupos de defesa de
direitos individuais diante de afirmações morais de grupos fundamentalistas.
Não é nem mesmo a rejeição à fé que a secularidade vem promovendo nos meios de
comunicação. O maior desafio para ser cristão hoje é a indiferença.
Quando se fala de indiferença, isso está relacionado tanto à maneira
como o pensamento contemporâneo trata a questão de Deus, quanto ao modo como cristãos
vivem no mundo. Explicando melhor. O mundo atual aprendeu a viver sem a compreensão
de Deus como uma hipótese válida para explicar a complexidade da vida. Além
disso, ser cristão e não ser cristão hoje envolve uma assimilação de valores
seculares que não dá mais para diferenciar o que orienta as escolhas das
pessoas.
O apóstolo Pedro disse certa vez: “Vivam entre os
pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de
praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a
Deus no dia da sua intervenção.” 1 Pedro 2.12. Parece
que esse era um problema também na época do começo do cristianismo. Cristãos
que orientam sua vida pelos mesmos valores que uma sociedade secularizada
tornam-se indiferentes aos apelos do evangelho para o exercício da missão.
Há alguns
que poderão olhar para essa afirmação de Pedro como uma advertência moral, porém
o que está em jogo quando o assunto é viver é a capacidade de levar em conta as
circunstâncias em que se dá a nossa existência. Talvez isso leve até a pensar
que fazer as coisas certas resulta em uma vida melhor e encoraja outros a que
façam o mesmo. Entretanto, essa conclusão é precipitada e equivocada.
Viver é uma
experiência rara, única. A vida está aí, dada para ser vivida em meio às
circunstâncias concretas do mundo, no qual estamos inseridos. É o que nos
remete ao sentido do ser-aí – o dasein
de Martin Heidegger. Cada um é uma história que está acontecendo e caminha para
um final. Isso corresponde a uma angustiante ambiguidade: quando se olha para o
futuro, temos uma indeterminação; mas quando olhamos para o passado, vemos o
que nos determina e confere significado, de tal modo que a cada passo dado a
história se transforma. Por essa razão, Riobaldo – o personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa – dirá: “Moço, viver é muito perigoso”.
Viver é a
melhor dádiva que recebemos, e viver de acordo com os propósitos de Deus é
fazer dessa dádiva uma oportunidade única de realização pessoal e de encontro. Vivemos melhor
quando experimentamos a vida na vida de Deus. Uma vida nessa dimensão desperta
o sentido celebrativo. Isso é adoração. É no curso da vida que somos chamados a
uma experiência de encontro com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, que nos remete
a um encontro com o próximo em missão. E essa é uma vivência que se atualiza e
se renova a cada dia, de modo que viver é estar sempre aberto para o novo.
Viver desse modo para o cristão é viver a
dispensação da graça. Quando se vive a vida de Deus, descobre-se que não
existimos para nós mesmos, mas para o cumprimento da missão. Isso nos remete a
um deslocamento, que vai da minha autossatisfação para a realização do
encontro, que parte do individualismo para a vida em comunhão. O que nos
permite fazer este deslocamento é a fé como experiência individual que se
expressa coletivamente. Missão não é oferecer um espetáculo para a admiração de
todos, mas ser a comunidade dos que celebram a vida por que a experimentam na
fé no Deus vivo.
Isso deve orientar uma nova vida em comunidade,
ser a igreja de Deus no mundo. A igreja que não assume a missão de Deus em sua
vida comunitária, como sua forma de ser no mundo, torna-se como um clube
religioso, fechado em si mesmo, insensível às dores do mundo. Ela pode até ser
espetacular em suas celebrações – o que é bom e deve ser sempre buscado e
aperfeiçoado – mas será sempre um lugar de fuga, nunca um lugar de esperança e acolhida.
Será mais um esconderijo, e não um lugar de descanso para tratar das dores da
vida.
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