Uma das máximas que a Reforma
Protestante produziu é a que diz: “Igreja reformada, sempre reformando”. A
ideia que essa frase traz em si é um desafio para a igreja cristã de hoje. Uma
igreja reformada não tem a ver com uma inovação nem mesmo uma reafirmação de
valores antigos com novas roupagens. Assim como uma igreja que está sempre se
reformando não corresponde a introduzir práticas, ritos e costumes novos em sua
liturgia e ação.
Embora esteja
alicerçada no espírito dos reformadores, a frase não esteve na boca nem na pena
de Lutero, Zwinglio ou Calvino, mas dos representantes do que podemos chamar de
“segunda reforma”, principalmente da vertente ligada ao pietismo. Sua origem
remonta a uma frase atribuída a Santo Agostinho: “A igreja está sempre
sendo reformada” que em latim é: Ecclesia
semper reformanda est. Lutero era um monge agostiniano e muito
provavelmente foi influenciado por essa ideia.
A frase só vai aparecer no
contexto da Reforma através Jodocus von Lodestein (1620-1677), uma proeminente
figura do pietismo reformado alemão, que achava que a igreja não deveria ser
chamada de reformada, mas de “reformanda”. Para ele, a Reforma havia afetado a
igreja, mas a vida das pessoas precisava sempre também ser reformada. Outros
entendem que ela foi citada por Gisbertus Voetius (1589-1676) por ocasião o
sínodo de Dort (1618-1691), na Holanda, com a forma: Ecclesia Reformata et Semper Reformanda
Est. Esse lema foi expandido
para Ecclesia reformata
semper reformanda est secundum verbum Dei. Ou seja: Uma igreja reformada
sempre sendo reformada segundo a palavra de Deus.
Richard Baxter (1615-1691), um
puritano inglês, chegou a indagar: “Como podemos achar que a Reforma está
terminada quando nos livramos de algumas cerimônias e mudamos alguns trajes, gestos
e formas? Não, Senhores! Converter e salvar almas é a nossa real atividade.
Essa é a principal parte da Reforma”, conforme citado por Michel Reeves, em A chama inextinguível.
Mais tarde, Karl Barth
(1886-1968) a reafirmou em seu tratado de teologia dogmática, argumentando que
os limites da reforma da igreja se encontram dentro da própria dinâmica da vida
comunitária, na maneira como Cristo toma forma como Senhor da igreja,
construindo não só a maneira como ela se constitui internamente, mas também
como ela se expande e alcança o mundo. Nessa construção, ela precisa
compreender os limites de ser uma igreja reformada e as implicações de uma
igreja sempre em reforma. As possibilidades e as necessidades de mudança da
igreja devem abranger suas regras, suas estruturas e até suas concepções
doutrinais à luz daquilo que foi ligado ao longo do desenvolvimento histórico
da fé cristã.
A frase também está implícita
nos documentos do Concílio Vaticano II, que reconheceu a necessidade de uma
igreja sempre em reforma, ao afirmar, no documento Lumen Gentium, que “a Igreja,
contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre
necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação”.
Como se pode notar, esse lema da
reforma contempla tanto o mais piedoso conservador, como também o mais radical
revolucionário. O que se pretende não é preservar valores e princípios somente
por causa da tradição, nem mesmo mudar apenas pela mudança. Ele tem uma
dimensão ecumênica e lança uma proposta de reflexão a respeito da maneira como
a igreja realiza sua missão historicamente.
Nesse sentido, o lema precisa
ser revisto à luz do próprio sentido de missão da igreja. Não se trata de mudar
a igreja apenas ao sabor das transformações da cultura e do conhecimento, mas
de rever os valores e princípios de origem para tornar a mensagem mais
compreensível às pessoas em seu tempo, mas também para se viver de uma forma
mais coerente a fé e a graça salvadora para aqueles que nos são contemporâneos.
O próprio lema pode nos levar a
compreender de maneira equivocada que a igreja pode ser agente autônoma da sua
própria reforma. Não se pode esquecer que a igreja é campo de trabalho de Deus.
A ideia não é de uma igreja que se reforma, mas que vem sendo reformada pelo
Espírito Santo. Isso desperta a necessidade de refletir sobre a sua própria
identidade, mas também a sua relevância: a igreja existe para cumprir a Missio Dei no mundo.
Quando a reforma para, a igreja
se deforma. E quando a igreja se deforma, ela se conforma. A igreja sempre
sendo reformada pelo Espírito à luz da palavra de Deus para cumprir sua missão
no mundo, essa é a transformação radical que necessária em nossos dias. Alguém
certa vez orou: “Deus nos livre de um novo Lutero!” E hoje precisamos clamar
por uma renovação na vida da igreja.
Muito bom! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirMuito bom! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirVerdade, a igreja precisa ser reformada pelo Espírito Santo de Deus.
ResponderExcluirVerdade, a igreja precisa ser reformada pelo Espírito Santo de Deus.
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