Qual é a espiritualidade que
podemos desenvolver nesses tempos de pandemia de Coronavírus? Essa fase de
crise, de calamidade, de surto é importante para aprendermos algumas lições
necessárias para a vida. Quem imaginou, há dois meses, que o mundo passaria por
esse quadro, que tem afetado as economias de todos os países? Uma das coisas
que temos a ressaltar é que muitas notícias que chegam até nós está repleta de desinformação
e de temores.
Em termos sociais, temos visto o
quanto as políticas de saúde pública são importantes, o quanto o trabalho
científico é fundamental e o quanto a cultura é relevante. Essa é uma fase
importante para revermos conceitos sobre economia e política de modo que haja
planejamento e ações que sirvam de prevenção para as nossas fragilidades.
Mas é uma fase importante também
para aprendermos algumas coisas que a Bíblia procura nos mostrar. E a primeira
delas é a de que Deus cuida de nós. Qual é a palavra para hoje, para o mundo
que está com medo de ser infectado pelo vírus e de ver alguém querido ser
atingido pela doença, ou quem sabe de perder alguém que ama? É a boa notícia de
que Deus tem cuidado de nós. A Bíblia diz: “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem
cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7).
Não conheço outra promessa mais
preciosa para a humanidade do que essa, de que Deus está cuidando da gente.
Pode até parecer que Deus esteja indiferente, que Ele se esqueceu de nós, que o
mundo está abandonado por Deus, mas essa não é a realidade. Nós vivemos no
mundo orientado tanto pela nossa responsabilidade quanto pelo exercício da
liberdade. É nesse meio entre responsabilidade e liberdade que se encontra o
cuidado divino. Deus trabalha por nós, provê o sustento, mantém sua promessa,
mas não tira a nossa responsabilidade nem a nossa liberdade.
Nós estamos diante de uma
sociedade que desenvolveu uma cultura do medo, e até de uma teologia do medo,
que se baseia na crença de que os males e doenças que nos assolam são resultado
da ação de um deus severo e castigador. Essa não é a mensagem bíblica. A fé
cristã é firmada na promessa divina e na esperança. Precisamos desenvolver uma
teologia do cuidado que nos leve a nos preocuparmos com as pessoas desse tempo.
Como podemos, dentro de uma situação de medo e de ameaça, desenvolver uma
teologia do cuidado? É através de uma espiritualidade nova.
Uma espiritualidade para esse
tempo de crise, em que as pessoas estão tomadas pelo medo, envolve pelo menos três
aspectos que seriam necessários destacar. Muitas vezes a religião foi utilizada
como instrumento de medo, mas essa não é a realidade experimentada pelos
cristãos em todo o tempo. O fato é que a história da igreja e do cristianismo
foi atravessada por vários episódios de surtos, de epidemias doenças graves.
Parece que a história da humanidade de epidemia em epidemia. E, em todos esses
episódios, os cristãos se destacaram como aqueles que servem como pessoas que
cuidam, muitas vezes colocam em risco sua própria vida, de se contaminarem e de
se envolverem diretamente com os que sofrem, para poder cuidar de pessoas em
tempo de crise. Essa é a marca do cristianismo em tempo de crise. Os cristãos sempre
foi o grupo de pessoas que se destacou por se mobilizar, de se motivar e
colocar a sua vida a serviço do cuidado. Uma espiritualidade do cuidado é
aquela que permite Deus agir entre nós, fazendo de cada um de nós seus
instrumentos para expressar o seu cuidado divino sobre a humanidade.
O primeiro aspecto da
espiritualidade do cuidado diz respeito à nossa relação com Deus. Precisamos
abrir espaço para experimentar um novo modelo de vida, que emerge da palavra de
Deus. De um modo geral, temos visto como Deus tem sido lançado para fora da
espiritualidade, ao ponto de falarmos de uma espiritualidade sem Deus,
diferente daquela que foi ensinada nas Escrituras. Isso afeta inclusive a
muitos cristãos, que afirmam que amam a Deus, mas vivem como se Deus não
existisse, com sentimentos estranhos e práticas morais estranhas aos ensinos
bíblicos. Muitos desses cristãos são líderes e autoridades religiosas que
desenvolvem um discurso completamente distante da proposta do amor divino. A
Bíblia ensina que o cuidado de Deus sobre a humanidade se dá a partir de dois
aspectos: o da justiça e o da misericórdia. Deus sempre age por justiça, ao
lado da justiça, Ele não se familiariza com a injustiça de qualquer natureza. E
Deus também age orientado por sua misericórdia, que conduz ao acolhimento e à
prática do amor. Precisamos desenvolver uma espiritualidade como se Deus
estivesse agindo por meio de nossas mãos, de nossos pés, de nossa voz, de nosso
pensamento e até do nosso coração.
O segundo aspecto dessa espiritualidade
do cuidado tem a ver com o espaço do outro em nossa relação. Cada vez mais, temos
nos afastados uns dos outros, seja pelo individualismo, seja pela indiferença
ou até mesmo o preconceito. Nessa fase de tratamento dos riscos do coronavírus,
precisamos cuidar também dos riscos do afastamento social. Hoje dispomos de um
meio para nos aproximar, que é a internet, e também de um instrumento, que é o
celular. Embora muitos digam que a internet e o celular afastaram as pessoas,
podemos descobrir novas possibilidades de relacionamento em tempos de
quarentena a partir desses modos de comunicação, como uma tecnologia que nos
aproxima uns dos outros, para construir relações que nos consolam, que nos
edificam e nos transformam. Esse é um tempo para praticarmos novas expressões
de nossa humanidade, a partir da solidariedade, do respeito mútuo e da atenção
à necessidade do outro a fim de cuidar, cuidar-se e de ser cuidado.
O terceiro aspecto dessa
espiritualidade é a necessidade que temos de aprender a desenvolver esperança.
A graça de Deus nos confere a possibilidade de desenvolver esperança. Deus está
cuidando de nós, e a primeira marca disso é que ele deixou promessas. Diante da
calamidade, é muito comum se levantarem anunciadores de um fim iminente. Alguns
até usam argumentos bíblicos para dizer que o fim dos tempos será assim, com
guerras, catástrofes e epidemias. Mas Jesus alertou para o fato de que não
deveríamos ter medo, pois esse ainda não é o fim. Ele disse: “[...] É necessário que tais coisas
aconteçam, mas ainda não é o fim” (Marcos 13.7). Mas ele disse também: “Será para vocês uma oportunidade de dar
testemunho” (Lucas 21.13). Nós estamos vivendo uma fase em que a humanidade
é chamada a enfrentar desafios. E nós vamos superar mais essa como já passamos
por tantas outras. Podemos ter esperança de dias melhores porque Deus prometeu
cuidar de nós até o fim. A promessa divina fala também de novos céus e nova
terra, das mansões celestiais que estão sendo preparadas para nós. Sabemos que
podemos passar por muitas provações e lutas, mas no final dessa trajetória tem
uma vitória garantida por Deus. Podemos ter esperança, porque Deus está conosco
e Ele nos dará a vitória.
Nesse tempo estranho de pandemia
em que a gente é tentado a pensar que Deus abandonou a humanidade, é bom
lembrar que Deus está nos chamando a uma relação Ele. Precisamos abrir espaço
em nossa vida para uma nova relação com Deus, para uma relação de cuidado com o
outro e para aprender a desenvolver esperança. O grande recado divino para
todas as pessoas é que Deus está cuidando de cada uma delas e que ele quer
continuar fazendo isso através de nós.
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