terça-feira, 17 de março de 2020

Espiritualidade em tempo de Coronavírus / Spirituality in times of Coronavirus / Espiritualidad en tiempos de Coronavirus



Qual é a espiritualidade que podemos desenvolver nesses tempos de pandemia de Coronavírus? Essa fase de crise, de calamidade, de surto é importante para aprendermos algumas lições necessárias para a vida. Quem imaginou, há dois meses, que o mundo passaria por esse quadro, que tem afetado as economias de todos os países? Uma das coisas que temos a ressaltar é que muitas notícias que chegam até nós está repleta de desinformação e de temores.
Em termos sociais, temos visto o quanto as políticas de saúde pública são importantes, o quanto o trabalho científico é fundamental e o quanto a cultura é relevante. Essa é uma fase importante para revermos conceitos sobre economia e política de modo que haja planejamento e ações que sirvam de prevenção para as nossas fragilidades.
Mas é uma fase importante também para aprendermos algumas coisas que a Bíblia procura nos mostrar. E a primeira delas é a de que Deus cuida de nós. Qual é a palavra para hoje, para o mundo que está com medo de ser infectado pelo vírus e de ver alguém querido ser atingido pela doença, ou quem sabe de perder alguém que ama? É a boa notícia de que Deus tem cuidado de nós. A Bíblia diz: Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7).
Não conheço outra promessa mais preciosa para a humanidade do que essa, de que Deus está cuidando da gente. Pode até parecer que Deus esteja indiferente, que Ele se esqueceu de nós, que o mundo está abandonado por Deus, mas essa não é a realidade. Nós vivemos no mundo orientado tanto pela nossa responsabilidade quanto pelo exercício da liberdade. É nesse meio entre responsabilidade e liberdade que se encontra o cuidado divino. Deus trabalha por nós, provê o sustento, mantém sua promessa, mas não tira a nossa responsabilidade nem a nossa liberdade.
Nós estamos diante de uma sociedade que desenvolveu uma cultura do medo, e até de uma teologia do medo, que se baseia na crença de que os males e doenças que nos assolam são resultado da ação de um deus severo e castigador. Essa não é a mensagem bíblica. A fé cristã é firmada na promessa divina e na esperança. Precisamos desenvolver uma teologia do cuidado que nos leve a nos preocuparmos com as pessoas desse tempo. Como podemos, dentro de uma situação de medo e de ameaça, desenvolver uma teologia do cuidado? É através de uma espiritualidade nova.
Uma espiritualidade para esse tempo de crise, em que as pessoas estão tomadas pelo medo, envolve pelo menos três aspectos que seriam necessários destacar. Muitas vezes a religião foi utilizada como instrumento de medo, mas essa não é a realidade experimentada pelos cristãos em todo o tempo. O fato é que a história da igreja e do cristianismo foi atravessada por vários episódios de surtos, de epidemias doenças graves. Parece que a história da humanidade de epidemia em epidemia. E, em todos esses episódios, os cristãos se destacaram como aqueles que servem como pessoas que cuidam, muitas vezes colocam em risco sua própria vida, de se contaminarem e de se envolverem diretamente com os que sofrem, para poder cuidar de pessoas em tempo de crise. Essa é a marca do cristianismo em tempo de crise. Os cristãos sempre foi o grupo de pessoas que se destacou por se mobilizar, de se motivar e colocar a sua vida a serviço do cuidado. Uma espiritualidade do cuidado é aquela que permite Deus agir entre nós, fazendo de cada um de nós seus instrumentos para expressar o seu cuidado divino sobre a humanidade.
O primeiro aspecto da espiritualidade do cuidado diz respeito à nossa relação com Deus. Precisamos abrir espaço para experimentar um novo modelo de vida, que emerge da palavra de Deus. De um modo geral, temos visto como Deus tem sido lançado para fora da espiritualidade, ao ponto de falarmos de uma espiritualidade sem Deus, diferente daquela que foi ensinada nas Escrituras. Isso afeta inclusive a muitos cristãos, que afirmam que amam a Deus, mas vivem como se Deus não existisse, com sentimentos estranhos e práticas morais estranhas aos ensinos bíblicos. Muitos desses cristãos são líderes e autoridades religiosas que desenvolvem um discurso completamente distante da proposta do amor divino. A Bíblia ensina que o cuidado de Deus sobre a humanidade se dá a partir de dois aspectos: o da justiça e o da misericórdia. Deus sempre age por justiça, ao lado da justiça, Ele não se familiariza com a injustiça de qualquer natureza. E Deus também age orientado por sua misericórdia, que conduz ao acolhimento e à prática do amor. Precisamos desenvolver uma espiritualidade como se Deus estivesse agindo por meio de nossas mãos, de nossos pés, de nossa voz, de nosso pensamento e até do nosso coração.
O segundo aspecto dessa espiritualidade do cuidado tem a ver com o espaço do outro em nossa relação. Cada vez mais, temos nos afastados uns dos outros, seja pelo individualismo, seja pela indiferença ou até mesmo o preconceito. Nessa fase de tratamento dos riscos do coronavírus, precisamos cuidar também dos riscos do afastamento social. Hoje dispomos de um meio para nos aproximar, que é a internet, e também de um instrumento, que é o celular. Embora muitos digam que a internet e o celular afastaram as pessoas, podemos descobrir novas possibilidades de relacionamento em tempos de quarentena a partir desses modos de comunicação, como uma tecnologia que nos aproxima uns dos outros, para construir relações que nos consolam, que nos edificam e nos transformam. Esse é um tempo para praticarmos novas expressões de nossa humanidade, a partir da solidariedade, do respeito mútuo e da atenção à necessidade do outro a fim de cuidar, cuidar-se e de ser cuidado.
O terceiro aspecto dessa espiritualidade é a necessidade que temos de aprender a desenvolver esperança. A graça de Deus nos confere a possibilidade de desenvolver esperança. Deus está cuidando de nós, e a primeira marca disso é que ele deixou promessas. Diante da calamidade, é muito comum se levantarem anunciadores de um fim iminente. Alguns até usam argumentos bíblicos para dizer que o fim dos tempos será assim, com guerras, catástrofes e epidemias. Mas Jesus alertou para o fato de que não deveríamos ter medo, pois esse ainda não é o fim. Ele disse: “[...] É necessário que tais coisas aconteçam, mas ainda não é o fim” (Marcos 13.7). Mas ele disse também: “Será para vocês uma oportunidade de dar testemunho” (Lucas 21.13). Nós estamos vivendo uma fase em que a humanidade é chamada a enfrentar desafios. E nós vamos superar mais essa como já passamos por tantas outras. Podemos ter esperança de dias melhores porque Deus prometeu cuidar de nós até o fim. A promessa divina fala também de novos céus e nova terra, das mansões celestiais que estão sendo preparadas para nós. Sabemos que podemos passar por muitas provações e lutas, mas no final dessa trajetória tem uma vitória garantida por Deus. Podemos ter esperança, porque Deus está conosco e Ele nos dará a vitória.
Nesse tempo estranho de pandemia em que a gente é tentado a pensar que Deus abandonou a humanidade, é bom lembrar que Deus está nos chamando a uma relação Ele. Precisamos abrir espaço em nossa vida para uma nova relação com Deus, para uma relação de cuidado com o outro e para aprender a desenvolver esperança. O grande recado divino para todas as pessoas é que Deus está cuidando de cada uma delas e que ele quer continuar fazendo isso através de nós.

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