A compreensão de Deus na modernidade envolvia um processo que vai desde a redução do Absoluto a um processo de secularização até a afirmação da morte de Deus. Isso implica que, na modernidade, a abertura para o Outro é comprometida, de tal modo que o Outro se desfaz para dar lugar ao eu solipicista e narcisista. A pós-modernidade, porém, com a afirmação da desconstrução e do fragmento, incorpora o pressuposto do totalmente Outro e permite estabelecer novamente o diálogo entre fé e razão, agora marcado pela carência de certezas absolutas. Angel Castiñeira, em A experiência de Deus na pós-modernidade (1997, p. 147) vê nisso uma autêntica dialética da “iluminação” que reconhece, “em nome da razão, a auto-incapacidade de iluminar ou de anunciar todos os aspectos da dimensão humana e, portanto, deveria deixar espaço para a busca daquilo que como alteridade radical se nos apresenta como inefável ou ‘inapreensível’, aquilo que se sustém no âmbito limitado da razão”.
Deus pode ser conhecido como aquele que não pode ser expresso com a palavra, não mais de um modo conceitual e provável. Quando se tenta estabelecer o conhecimento de Deus a partir do conceito, tal como na modernidade, corre-se o risco de ter uma idéia de Deus como um ídolo, de acordo com os limites da própria razão, e não em sua essência de Deus. Nisso consiste a história do ateísmo da modernidade, que é um ateísmo também conceitual, decorrente do erro de se ter pretendido, a partir da metafísica (e de uma teologia fundada em um saber metafísico), estabelecer princípios absolutos para o conhecimento de Deus de modo objetivo por meio dos conceitos. A experiência de Deus na pós-modernidade, segundo Castiñeira (1997, p. 149), implica em um modo diferente de ver, “em que Deus já não se oferece como objeto de visão, mas como o sujeito de um olhar que, silenciosa e discretamente, vê-nos na face”.
Isso, de forma alguma, não aponta para uma teologia da contemplação ou para uma teologia antimoderna, mas uma teologia que esteja “atenta em distinguir o conteúdo inefável da fé e o mesmo fato comunicável da fé” (CASTIÑEIRA, 1997, p. 150). Hans-Georg Gadamer, em Verdade e método (1998), por sua vez, elabora uma compreensão da linguagem humana em que a palavra é um puro acontecer, tomando como ponto de partida a idéia do “verbo de Deus” no prólogo do Evangelho de João. “A singularidade do acontecimento da redenção leva à introdução da essência histórica no pensamento ocidental e permite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sentido e se ofereça à reflexão filosófica” (GADAMER, 1998, p. 609).
Para Gadamer (1998), a palavra é criadora e salvadora. Da mesma forma com que Deus se fez carne, a palavra se torna som, ou seja, emerge e se manifesta em sua exteriorização como palavra. Enquanto a palavra de Deus é uma unidade perfeita que expressa o todo do divino, a palavra humana precisa ser sempre atualizada, porque é como espelho que reflete a expressão do que uma coisa é. A palavra humana, além disso, é palavra imperfeita porque não pode expressar o nosso espírito de maneira perfeita. Por causa das limitações do intelecto, precisamos de uma multiplicidade de palavras. A palavra também é acidente do espírito, uma vez que, como se dirige para a coisa, não pode contê-la em si como um todo. Gadamer vê nessa distinção entre palavra de Deus, que é una, e palavra humana, que é multiplicidade, uma relação puramente dialética que se aplica à proclamação da mensagem cristã.
A proclamação da salvação, o conteúdo da mensagem cristã, é, por sua vez, um acontecer de natureza própria no sacramento e na prédica, e tão-somente expressa aquilo que ocorreu no ato redentor de Cristo. Nessa medida, continua sendo uma única palavra, a que sempre de novo se proclama na prédica. É evidente que no seu caráter de mensagem, existe já uma alusão à multiplicidade de sua proclamação. O sentido da palavra não pode separar-se do acontecer dessa proclamação. O caráter de acontecer faz parte, antes, do próprio sentido. É como uma maldição, que evidentemente não se pode separar do fato de que é dita por alguém contra alguém. O que se pode compreender nela não é, em caso algum, um sentido lógico do enunciado, passível de ser abstraído, mas a maldição que nela tem lugar. O mesmo ocorre com a unidade e a multiplicidade da palavra que a Igreja anuncia. A morte na cruz e a ressurreição de Cristo são o conteúdo da mensagem da salvação que é pregada em todo sermão. O Cristo ressuscitado e o Cristo da prédica é um e o mesmo (GADAMER, 1998, 621).
A pós-modernidade reclama um discurso teológico capaz de despertar ainda o desejo de Deus que mantenha o essencial do cristianismo, que é o testemunho do Cristo mesmo, o Deus impregnado do humano, sem menosprezar a situação histórica que reinterpreta constantemente essa tradição. Uma teologia que assume uma hermenêutica atualizadora da palavra de Deus, que tenha em conta a distância e a diferença, que reclame um sujeito da maioridade que reafirme sua identidade diante do outro, que não tema apresentar o impensável Deus ausente. Castiñeira (1997, p. 153-154) afirma que “só um discurso teológico que tenha em conta os sujeitos sofredores da história, só um cabedal teológico cultivado a partir de uma comunidade de comunicação plural que entenda a Igreja como um espaço culturalmente policêntrico pode hoje triunfar”.
(Extraído de minha dissertação de mestrado em filosofia: Ética protestante e pós-modernidade)
Deus pode ser conhecido como aquele que não pode ser expresso com a palavra, não mais de um modo conceitual e provável. Quando se tenta estabelecer o conhecimento de Deus a partir do conceito, tal como na modernidade, corre-se o risco de ter uma idéia de Deus como um ídolo, de acordo com os limites da própria razão, e não em sua essência de Deus. Nisso consiste a história do ateísmo da modernidade, que é um ateísmo também conceitual, decorrente do erro de se ter pretendido, a partir da metafísica (e de uma teologia fundada em um saber metafísico), estabelecer princípios absolutos para o conhecimento de Deus de modo objetivo por meio dos conceitos. A experiência de Deus na pós-modernidade, segundo Castiñeira (1997, p. 149), implica em um modo diferente de ver, “em que Deus já não se oferece como objeto de visão, mas como o sujeito de um olhar que, silenciosa e discretamente, vê-nos na face”.
Isso, de forma alguma, não aponta para uma teologia da contemplação ou para uma teologia antimoderna, mas uma teologia que esteja “atenta em distinguir o conteúdo inefável da fé e o mesmo fato comunicável da fé” (CASTIÑEIRA, 1997, p. 150). Hans-Georg Gadamer, em Verdade e método (1998), por sua vez, elabora uma compreensão da linguagem humana em que a palavra é um puro acontecer, tomando como ponto de partida a idéia do “verbo de Deus” no prólogo do Evangelho de João. “A singularidade do acontecimento da redenção leva à introdução da essência histórica no pensamento ocidental e permite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sentido e se ofereça à reflexão filosófica” (GADAMER, 1998, p. 609).
Para Gadamer (1998), a palavra é criadora e salvadora. Da mesma forma com que Deus se fez carne, a palavra se torna som, ou seja, emerge e se manifesta em sua exteriorização como palavra. Enquanto a palavra de Deus é uma unidade perfeita que expressa o todo do divino, a palavra humana precisa ser sempre atualizada, porque é como espelho que reflete a expressão do que uma coisa é. A palavra humana, além disso, é palavra imperfeita porque não pode expressar o nosso espírito de maneira perfeita. Por causa das limitações do intelecto, precisamos de uma multiplicidade de palavras. A palavra também é acidente do espírito, uma vez que, como se dirige para a coisa, não pode contê-la em si como um todo. Gadamer vê nessa distinção entre palavra de Deus, que é una, e palavra humana, que é multiplicidade, uma relação puramente dialética que se aplica à proclamação da mensagem cristã.
A proclamação da salvação, o conteúdo da mensagem cristã, é, por sua vez, um acontecer de natureza própria no sacramento e na prédica, e tão-somente expressa aquilo que ocorreu no ato redentor de Cristo. Nessa medida, continua sendo uma única palavra, a que sempre de novo se proclama na prédica. É evidente que no seu caráter de mensagem, existe já uma alusão à multiplicidade de sua proclamação. O sentido da palavra não pode separar-se do acontecer dessa proclamação. O caráter de acontecer faz parte, antes, do próprio sentido. É como uma maldição, que evidentemente não se pode separar do fato de que é dita por alguém contra alguém. O que se pode compreender nela não é, em caso algum, um sentido lógico do enunciado, passível de ser abstraído, mas a maldição que nela tem lugar. O mesmo ocorre com a unidade e a multiplicidade da palavra que a Igreja anuncia. A morte na cruz e a ressurreição de Cristo são o conteúdo da mensagem da salvação que é pregada em todo sermão. O Cristo ressuscitado e o Cristo da prédica é um e o mesmo (GADAMER, 1998, 621).
A pós-modernidade reclama um discurso teológico capaz de despertar ainda o desejo de Deus que mantenha o essencial do cristianismo, que é o testemunho do Cristo mesmo, o Deus impregnado do humano, sem menosprezar a situação histórica que reinterpreta constantemente essa tradição. Uma teologia que assume uma hermenêutica atualizadora da palavra de Deus, que tenha em conta a distância e a diferença, que reclame um sujeito da maioridade que reafirme sua identidade diante do outro, que não tema apresentar o impensável Deus ausente. Castiñeira (1997, p. 153-154) afirma que “só um discurso teológico que tenha em conta os sujeitos sofredores da história, só um cabedal teológico cultivado a partir de uma comunidade de comunicação plural que entenda a Igreja como um espaço culturalmente policêntrico pode hoje triunfar”.
(Extraído de minha dissertação de mestrado em filosofia: Ética protestante e pós-modernidade)
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