O horror da
guerra, dos atentados terroristas, do drama dos refugiados e das vítimas da
violência, da exploração e da desigualdade social remete à pergunta: será que
Deus está indiferente ao que acontece com o mundo?
Reconhecer a
presença de Deus entre nós é uma necessidade, mas ao mesmo tempo uma ousadia.
Foi o que certa vez Karl Barth, em sua obra Das
Wort Gottes als Aufgabe der Theologie, reconheceu: “nós, como teólogos,
devemos falar de Deus. Nós, porém, somos seres humanos e, como tais, não
podemos falar de Deus. Nós devemos, todavia, estar cientes de ambos, nosso
dever e o nosso não-poder e, mesmo assim, dar glória a Deus”.
É uma
necessidade, pois a primeira pergunta na hora da dor e da aflição é: “onde está
Deus?” Mas é uma ousadia quando descobrimos que a presença divina não se reduz
e nem se limita à percepção humana. Ela só pode ser tratada como um rumor que
aponta para nosso desejo pelo desconhecido e o imponderável, para a nossa
abertura ao que está além de nós, para aquilo que desperta a nossa esperança. Como
pensar em um ser perfeito, sendo pessoas tão pecadoras? Como acreditar que Deus
se importa com nossa dor, sendo pessoas tão indiferentes à dor do outro? Como
reconhecer sua presença sendo tão limitados e mortais?
“A Deus há que
invocá-lo antes de pensar sobre ele, falar com ele antes de aproximar-se dele”,
disse Olegario Gonzalez de Cardedal em sua obra Dios. Todas as tentativas de provar sua existência foram sempre
ligadas à experiência subjetiva de encontro, de sede, de busca e até de
ausência. Pelo fato de não se submeter a uma experiência objetiva de análise,
Deus só pode ser reconhecido ou desprezado, desejado ou rejeitado, digno de
confiança ou ignorado.
Em sua teologia,
Lutero desenvolveu o conceito de “Deus absconditus”, que se opõe à noção de “Deus
revelatus” desenvolvido no pensamento escolástico. Esse conceito novo
corresponde ao fato de que Deus não se revelou completamente em sua essência a
nós, mas permanece de forma oculta e incompreensível ao homem. Só é possível
conhecer Deus a partir de uma relação.
O Deus
absconditus é aquele que se oculta, mas que ao mesmo tempo se desvela ao homem
em meio às condições concretas de sua história. A maior dessas revelações foi a
cruz, em que Ele se mostrou em meio à fraqueza, ao sofrimento e à humilhação daquele
que fora encarnado, crucificado e ressuscitado. Em Cristo, Deus revelou-se
completamente de modo que possamos compreender e perceber sua presença entre
nós. Não é à toa que a Bíblia o chama de Emanuel, o Deus conosco.
Lutero queria
que a fé cristã deixasse um pouco a preocupação com o além e se voltasse mais
para a as condições em que a vida acontece. Ele queria que a teologia e a
religião cristãs deixassem de lado uma teologia da gloria para se voltar para
uma teologia da cruz. Esse é o grito de Jesus na cruz: “Por volta das três horas da tarde,
Jesus bradou em alta voz: ‘Eloí, Eloí, lamá sabactâni?’ que significa: ‘Meu
Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?’” (Marcos 15.34).
Deus só pode agir se escondendo. Caso contrário, não seríamos livres para fazer escolha de crer nele ou não, de confiar nele ou não, de acolher seu amor ou não. E a cruz é o retrato dessa escolha livre. Ela nos envergonha porque representa a nossa rejeição à revelação do amor de Deus por nós.
Deus só pode agir se escondendo. Caso contrário, não seríamos livres para fazer escolha de crer nele ou não, de confiar nele ou não, de acolher seu amor ou não. E a cruz é o retrato dessa escolha livre. Ela nos envergonha porque representa a nossa rejeição à revelação do amor de Deus por nós.
Ao olhar para
a história da crucificação, dificilmente alguém que andou e viveu com Jesus
aceitou sua morte na cruz como resultado da revelação divina ou que Deus havia
enviado seu filho unigênito para morrer de forma tão cruel numa cruz. Principalmente
após a ressurreição, os discípulos de Jesus demonstraram uma compreensão
equivocada e limitada dos propósitos de Deus em relação à redenção humana, que
eles eram participantes de um momento histórico único dentro do contexto dos
propósitos eternos de salvar a humanidade perdida.
Foi preciso
que Jesus se mostrasse de forma especial a eles. A maneira como Jesus se
apresentou aos seus discípulos nos ensina como também podemos encontra-lo hoje,
de uma tão forma improvável e nem tão óbvia como muitas vezes o discurso
religioso tenta nos passar.
Nos relatos
das experiências de encontro após a ressurreição, o que se destaca não é o fato
de que os discípulos procurassem a Jesus, mas que Ele os busca e vai até o
encontro deles. Aos discípulos, cabia-lhes ouvir sua voz, identificá-lo em meio
a sua angústia, sofrimento e dor e acolhê-lo amorosamente. Somente após o
encontro é que foi possível falar de quem ele é, o que ele diz e o que ele faz.
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