segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Consciência Negra: Por que ainda precisamos de um dia para lembrar? / Black Consciousness: Why do we need a day to remember / Consciencia Negra: ¿Por qué necesitamos un día para recordar

É preciso ter vivido a condição de negro para saber o porquê de um Dia da Consciência Negra. Eu, que nasci branco, não sei qual é a dor de se sentir excluído, oprimido e marginalizado por causa da cor da pele. O fato de ter sido pobre, estudado em escolas públicas em todos os níveis, crescido na periferia de um grande centro, convertido à fé evangélica e formado em meio à luta contra desigualdades a partir de um viés mais à esquerda não me dão a ideia do que um negro ou uma negra passa em termos de discriminação, preconceito e falta de oportunidades.
Por mais que eu me esforce, ou estude, ou leia, jamais vou alcançar o sentimento de quem se descobre diferente por causa de um tratamento ofensivo, de uma agressão moral ou física, de um olhar de desconfiança somente pela aparência. Nunca fui expulso de um ambiente, barrado em uma festa, excluído de um grupo ou demitido por causa da minha feição física. Isso para não falar da maneira desigual em que é tratado durante uma ação policial, diante de uma concorrência por emprego, na busca de cuidado por bem-estar.
Vivo num país dominado por uma elite branca, em meio a uma população de maioria formada por negros e pardos. Só nisso dá para se ter uma ideia de que a luta da comunidade dita afrodescendente – de acordo com o politicamente correto – é desigual. Políticas de cotas, leis contra o racismo e campanhas publicitárias pelo fim do preconceito não têm sido suficientes. As marcas de uma história escravocrata e de um racismo velado ainda estão vivas nas principais mídias, nas universidades, nas altas instituições da sociedade.
Volta e meia você precisa assistir, nesta terra, discursos como o do notável jurista Ives Gandra da Silva Martins, que se acha um “modesto” professor, injustiçado por ser branco em face da luta por espaço por aqueles que não tiveram a mesma sorte de ser luso-descendente. Ou as reações a uma piada racista feita pelo âncora de um dos principais noticiários da maior empresa de TV do país. E há até quem tenta substituir a ênfase do Dia da Consciência Negra por uma consciência humana. Se não formos capazes de nos darmos conta da humanidade que há nesse dia, não é mudando o foco que vamos conseguir. O primeiro passo para a formação de uma consciência humana passa pelo mínimo de respeito à consciência negra.
Não, eu não sei o que é ser negro. E nunca vou saber. E nem adianta tentar buscar formas de entender. O que preciso fazer é me dar conta da história de dor, de luta e de sofrimento de quem não é branco como eu. E não é um fato que envolve o Brasil. Ela está presente em todos os lugares do mundo em que o negro, em todas as épocas, foi visto como sub-humano. Até mesmo na mãe África, explorada por quem sempre se achou civilizado.
A lógica da escravidão, da segregação, do Apartheid, da supremacia branca e de outras mentalidades racistas só têm lugar em meio à falta de consciência sobre a condição humana de quem nasceu negro. E elas estão ainda aí fazendo suas vítimas. O Dia da Consciência Negra é para lembrar que quem quer manter o negro oprimido é uma sociedade dominada por uma elite branca. Se você não consegue perceber isso, é sinal de que precisamos dessa conscientização. Que em pelo menos um dia do ano a gente seja capaz de parar para pensar nisso, e tomar consciência. Se isso nos conduzir a uma atitude de respeito, é um bom começo.

domingo, 5 de novembro de 2017

O poder extraordinário da oração / The Extraordinary Power of Prayer / El poder extraordinario de la oración

Todo mundo enfrenta circunstâncias difíceis na vida. Se você não está passando agora, certamente já passou alguma vez e muito provavelmente virá a enfrentar lutas e grandes desafios. Isso faz com que todos nós precisemos de algo que nos dê um impulso, que nos encoraje, que desperte em nós um estímulo para seguir adiante apesar das condições desfavoráveis que possamos experimentar.
A oração é um recurso de que dispomos como um alento para as horas de aflição, como um grito de socorro na hora do medo, como um refúgio diante de nossos fracassos. Orar é o reconhecer nossa dependência de Deus, uma declaração de que não somos tão suficientes como imaginamos, que não temos o controle sobre as circunstâncias, que somos mais orientados pelas nossas incertezas do que pelas nossas convicções.
A oração é sinônimo de aproximação, de diálogo, de intimidade. Aquele que ora se abre para uma relação mais íntima com Deus, aceita humildemente a oportunidade de estar diante daquele que tudo pode mesmo apesar de ser aquele que nada pode. Ela alimenta a nossa relação com Deus e nos estimula a viver a fé em meio às nossas condições mais concretas de vida.
O maior mestre de oração foi Jesus Cristo não só por ter ensinado seus discípulos a orar, mas também por desenvolver uma vida significativa de oração. E essa é uma forte justificativa por que devemos orar: Jesus orou e ensinou a orar. Jesus orou ao começar o seu ministério e orou quando teve que suportar a cruz. A oração esteve presente nos momentos mais expressivos, como a ressurreição de seu amigo e a preparação para a sua prisão final, como também nos seus momentos de maior solitude. Jesus orou em companhia dos seus discípulos, diante das dores das pessoas e pelo futuro daqueles que o viriam segui-lo.
Se queremos experimentar o poder extraordinário da oração, precisamos aprender com Jesus. Jesus também enfrentou situações difíceis. E em todas elas, Jesus demonstrou que, quando nossos sentidos estão voltados para Deus, encontramos confiança e segurança de maneira singular. Jesus estava certo de que estava cumprindo o propósito de Deus para sua vida em seu tempo.
A oração é o remédio divino para a ansiedade, para o medo e a solidão. A oração não muda a realidade externa, mas altera completamente o nosso interior. A oração não move o braço de Deus, mas move o nosso coração na direção de experimentar a vontade de Deus. Ela nos ajuda a manter o foco nos propósitos divinos e, com isso, descansar no Senhor e descobrir o que realmente importa para cada circunstância vivida.
A falta de oração na vida é um grave problema. Mas, pior do que isso, a oração usada equivocadamente é um pecado gravíssimo. Usar a oração como arma de defesa, como fuga da alma, como instrumento de barganha ou tentativa de controlar o poder de Deus é sinônimo de fracasso espiritual. A oração revela o nosso caráter. Se você quer saber qual é a sua índole, quais as suas reais intenções de caráter e a maneira como você compreende Deus, basta fazer uma análise honesta dos seus motivos de oração.
Assim como a oração pode desvendar nossas ambiguidades e equívocos, ela é o caminho seguro para reparar nossas distorções, visto que Deus conhece nossas fragilidades e está sempre pronto a nos fortalecer. A oração é sinônimo de uma espiritualidade madura. Quando oramos, nossa mente e coração estão atentos ao cuidado divino, que fala e age como um pai amoroso. Deus se revela com poder e graça ao coração mais acolhedor e humilde.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Celebrar a Reforma / Celebrate the Reformation / Celebrar la Reforma

A geração atual tem o privilégio de comemorar o quinto centenário da Reforma Protestante de uma forma única na história. Nunca antes o cristianismo pode celebrá-la tal como tem sido marcado, com conferências, publicações e reconhecimentos do mérito e do legado dos reformadores, envolvendo não só protestante, mas também católicos.
Há duas razões para isso. A primeira é a superação dos mal-entendidos produzidos pela contrarreforma católica, não só com as tentativas reformadoras do concílio de Trento, de 1545 a 1563, como também pelas campanhas difamatórias empreendidas pela igreja católica contra Lutero. Em 1529, Johannes Cochlaeus, que era um adversário do luteranismo e também o primeiro biógrafo de Lutero, descreveu o Reformador como “tendo sete cabeças”, filho “ilegítimo de Satanás”, “instrumento do demônio” que trouxe “à Alemanha e à cristandade a desgraça e a miséria” e “uma cópia humana de Lúcifer”. E essa foi a ideia que se nutriu por muito tempo.
A compreensão sobre a pessoa de Lutero só começou a ser alterada a partir do começo do século XX, com o trabalho do teólogo católico Yves Congar, que considerou a obra de Cochlaeus como “uma imundície que não pode ser desculpada nem mesmo pela intenção do autor de servir à sua igreja” (apud Elben M. Lenz Cesar, em Conversas com Lutero). Por ocasião do quinto centenário do nascimento de Martinho Lutero, em1983, o Papa João Paulo II escreveu uma carta ao cardeal Johannes Willebrands, então Secretário para a União dos Cristãos, sobre a necessidade de se chegar a uma compreensão “justa” sobre a imagem de Lutero como alguém que contribui decisivamente para as transformações da igreja no Ocidente. Recentemente, o atual Papa Francisco tem afirmado a necessidade de diálogo e aproximação entre católicos e protestantes em face das comemorações dos 500 anos da Reforma.
Quando a Reforma completou o seu primeiro centenário, a Europa estava mergulhada nos atos provocados pela inquisição católica. Somente entre os séculos XVI e XVII, os tribunais católicos efetuaram mais de mil execuções. A perseguição aos movimentos protestantes huguenotes na França e valdenses na Itália foi violenta. A repressão ao protestantismo ceifou milhares de vidas.
Quando a Reforma completou o seu segundo centenário, a Europa estava tomada por uma nova mentalidade científica. O Iluminismo nascente apregoava a superioridade da razão sobre a fé. Voltaire começava seus discursos sobre as liberdades civis e a necessidade de uma reforma racional, por meio do progresso da ciência e da tecnologia, em que a religiosidade não poderia mais ter lugar.
Quando a Reforma completou seu terceiro centenário, o mundo passava por uma grande transformação política e econômica. Emergia o conceito de estado burguês, assim como um crescimento vertiginoso da concentração de renda motivado pela revolução industrial. As antigas colônias buscavam sua emancipação, o capitalismo ampliava suas bases teóricas, o cientificismo tomava conta dos meios acadêmicos e o romantismo marcava a estética e a arte literária daquele tempo.
Quando a Reforma completou seu quarto centenário, o mundo estava em guerra. Era o auge da Primeira Guerra Mundial e as revoluções populares que levaram ao fim do czarismo na Rússia e às transformações sociopolíticas em todo o mundo. Pela primeira vez, as tropas usavam tecnologia para a destruição do inimigo. A humanidade, que havia sonhado com o tempo em que poderia voar e se locomover em maior velocidade, agora via o uso do avião, da metralhadora e do automóvel como armas de combate. É o começo do grande desencantamento e a afirmação do niilismo.
Quando a Reforma completa o seu quinto centenário, o mundo não está em paz e muito menos tem se transformado em um lugar melhor para se viver. Pela primeira vez, a humanidade se vê diante de uma possibilidade real de extinção em que a principal causa é o próprio homem. Problemas como o aquecimento global, a crise migratória, o crescimento da mentalidade de extrema direita e até as novas faces dos fundamentalismos religiosos colocam em risco a vida humana no planeta. Lembrar a Reforma e trazer de volta um sentido de espiritualidade que restaura a compreensão em um Deus de graça e misericórdia, que resgata o homem de sua própria perdição por meio da fé em Jesus Cristo.
Celebrar a Reforma hoje não pode se restringir a uma declaração ufanista de um movimento que deu certo, até por que teve seus problemas. É claro que deve haver um reconhecimento do importante papel que ela exerceu no campo da política, da economia, da teologia, da filosofia e das relações sociais. Entretanto, faz-se necessário compreender o espírito dos reformadores, que não quiseram apenas dividir a igreja, mas renová-la para enfrentar as grandes transformações que o mundo atravessava e que ainda vem atravessando.
Celebrar a Reforma tem um sentido de gratidão pela coragem dos primeiros reformadores, mas também de um chamamento a uma resistência à tendência de se prender a um conservadorismo paralisante, um moralismo discriminatório e a um fundamentalismo obscurantista. Celebrar a Reforma deve ser muito mais um ato de resistência às muitas formas de cercear a liberdade, de impor mais opressão e de exercício de totalitarismos. É promover a grande revolução que restaura o sentido de humanidade e que nos conduz a uma vida mais humana diante de Deus e uns dos outros.

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