sábado, 27 de fevereiro de 2021

Para que todos tenham vida: Vacina para todos / For everyone to have life: Vaccine for all / Para que todos tengan vida: Vacuna para todos

O Brasil completa um ano de convivência com a pandemia de Covid-19 com dados que são alarmantes: o número de mortos ultrapassa a casa dos 250 mil, os casos de contágio e de óbitos indicam o pior momento da doença e a campanha de vacinação segue em ritmo lento. Não há como negar o fato de que esses fatores são resultado de um descuido por parte do governo em tratar do problema sem a responsabilidade necessária e por promover mais dificuldades nas políticas públicas de enfrentamento, sobretudo no que diz respeito à aplicação do programa de imunização com a vacina.

Embora a ciência já tenha encontrado vacinas para a imunização contra os efeitos do vírus causador da doença, o Coronavírus com suas várias mutações, e os laboratórios estejam disponibilizando doses desde o fim do ano de 2020, há uma campanha de desinformação em curso contra a vacinação. E, para piorar o quadro, há também uma escassez de vacinas que possam atender às demandas das aplicações nas populações de maior risco três meses depois de definido o plano nacional de imunização. Apenas 3% da população foram vacinadas em quase dois meses.

A vacinação terá que seguir o programa de imunização, apesar das dificuldades que vão sendo encontradas, a maior parte por conta da logística e da demora das autorizações do governo para a aquisição de insumos. Porém, a maior dificuldade a ser superada neste momento é a tarefa de convencer a população a ser imunizada. E, para isso, se faz necessário uma campanha intensa de esclarecimento e de informação.

É fato notório, neste momento, não há como esperar grandes incentivos por parte do governo para esclarecer a população. Daí a necessidade de mobilizar grupos e setores da sociedade em geral para uma grande campanha em favor da vacinação para todos. E, dentre os muitos setores da sociedade, o segmento cristão é o que reúne as maiores possibilidades de mobilização.

Por que cristãos podem e devem se envolver na campanha de vacinação? Porque é o grupo com maior capacidade de articulação. Onde o dinheiro e o poder não chegam, a presença da igreja está lá, levando conforto e esperança para as pessoas. Seja nos grandes centros urbanos, em comunidades de periferia, em áreas rurais ou em comunidades indígenas ou quilombolas, ali há a presença de grupos cristãos. Entretanto, é preciso superar o obscurantismo promovido por concepções fundamentalistas em relação ao conhecimento científico.

É preciso, primeiro e ao mesmo tempo, uma campanha de conscientização das comunidades cristãs. Em primeiro lugar, com a afirmação da confiança de que Deus capacita pessoas para cumprirem seus propósitos e construir soluções para os grandes problemas humanos. A ciência é um desses empreendimentos humanos para os quais Deus capacita pessoas. E em segundo lugar, como consequência, desenvolver a consciência de que cristãos estão presentes no mundo para servirem como agentes do bem para toda a humanidade.

O vírus é real. Ele traz dor e sofrimento para as pessoas. Só quem teve um familiar infectado ou quem perdeu um ente querido para a doença sabe aquilatar o tamanho do problema. Os cristãos têm o dever de agir com compaixão e solidariedade como um imperativo divino para com as pessoas que sofrem. Essa atitude de cuidado com as pessoas em tempos de tragédias tem sido uma marca da história do cristianismo em todo o mundo.

Pastores, pastoras e lideranças cristãs têm o compromisso com o conhecimento verdadeiro, de passar para os fiéis em geral informações confiáveis e que estimulem à busca do bem comum. E a vacinação é hoje o único remédio contra a doença, além das práticas de prevenção como o uso de máscaras, a higiene das mãos e o distanciamento social. É dever dessa liderança agir a fim de não permitir que o povo pereça por causa da ignorância e da desinformação.

A ação missional da igreja tem essa dimensão de cuidado, que é pastoral. O cuidado com o outro é parte essencial da missão de Deus no mundo. Por que devemos nos preocupar com a vacinação? Há três motivos para isso: (a) cremos que Deus capacita a humanidade para produzir ciência; (b) consagramos nossa vida a servir como bênção para o outro; e (c) somos chamados a agir em amor pelos outros. A vacinação não só vai imunizar a mim, mas vai servir para que toda a sociedade possa superar a pandemia e, assim, retomar a normalidade.

Isso lembra o compromisso de Jesus. Ele afirmou que toda a sua obra e mensagem tinham como propósito trazer vida para as pessoas. Ele disse: “[...] eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente” (João 10.10). Vida plena inclui também a superação das grandes aflições que afligem a humanidade. Essa é uma forma de testemunhar o cuidado divino por todas as pessoas nesses tempos tão difíceis. Então, por que ser uma voz em favor da campanha de vacinação para todos: para que todos tenham vida.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Quaresma, Diálogo e Compromisso: Focos da Campanha da Fraternidade 2021 / Lent, Dialogue and Commitment: Focus of the 2021 Fraternity Campaign / Cuaresma, Diálogo y Compromiso: Enfoque de la Campaña Fraternidad 2021

 

A Campanha Ecumênica da Fraternidade 2021, que começa hoje, enfatiza o diálogo e o compromisso da prática do amor fraternal como tema orientador, a fim de que cristãs e cristãos possam refletir sobre missão e prática no mundo. A campanha é liderada pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e pelo CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, entidades representativas de segmentos cristãos brasileiros, incluindo tanto o catolicismo romano quanto denominações protestantes.

A campanha é realizada anualmente pela CNBB durante o tempo da Quaresma, que no calendário religioso começa na quarta-feira de cinzas e se encerra no período da Páscoa. Desde o ano 2000, a cada cinco anos, a campanha também assume a forma ecumênica, com a participação de outros segmentos cristãos, abordando temas humanos e com o objetivo de valorizar o que há de comum entre as comunidades cristãs.

O objetivo da Campanha é “pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”, como diz o texto base divulgado. A proposta é de fazer isso sob a inspiração do cuidado amoroso de Cristo que motiva a todas e todos ao diálogo e à vida em unidade em meio à diversidade. A base bíblica para esse propósito da campanha é a palavra do apóstolo Paulo que afirma que “[Jesus Cristo] é a nossa paz, o qual de ambos fez um e destruiu a barreira, o muro de inimizade” (Efésios 2.14).

Os organizadores assumem o desafio de denunciar a violência que é praticada em nome da fé, encorajar a prática da justiça que restaura a dignidade das pessoas, estimular ações concretas de amor pelo outro, promover a cultura do amor em vez da cultura do ódio e fortalecer a convivência ecumênica e o diálogo inter-religioso. Em tempos de pandemia, esses desafios envolvem o enfrentamento dos discursos negacionista, de violência contra a mulher e população LGBTQI+, de preconceito e intolerância, sobretudo em relação ao negro e as pessoas dos segmentos progressistas. São situações que ganharam novos contornos com o avanço da extrema-direita ao governo.

Ao tratar dessa forma o tema da fraternidade e do diálogo, a campanha deste ano foi antecedida por uma manifestação hostil de grupos católicos fundamentalistas e ultraconservadores contra ela. Tais grupos têm demonstrado toda sua animosidade ao realizar uma contracampanha com o sentido de lançar ataques ao ecumenismo e ao esforço de lutar por um mundo mais justo e humano para todas e todos.

Parece ironia, mas enquanto há cristãos que procuram formas de unir as pessoas em torno do bem comum, da solidariedade e da comunhão, existem outros dispostos a promover a desunião e a incentivar o ódio de forma impiedosa, com uso de desinformação (as chamadas fake news) e com discursos reacionários que se utilizam de ideias fascistas. São religiosos que praticam uma fé anacrônica e descontextualizada, que não admitem a convivência com o outro e o diferente, nem mesmo quando são informados que essa é a proposta da prática do amor fraternal anunciada pelo próprio Cristo que afirmam seguir.

A ideia da fraternidade é um convite a viver o Evangelho de forma integral em dias tão difíceis como estes que estamos vivendo. O tema da campanha deste ano, bem como seus objetivos e propostas de engajamento, mostra o caminho de uma igreja comprometida com as pessoas deste tempo, atenta aos problemas emergentes decorrentes da mentalidade consumista, exploradora e dominadora que vem influenciado as políticas e as formas de organização da sociedade.

Serão 40 dias de promoção da fraternidade e do amor fraternal. Em tempos de tantas animosidades, soa como vento fresco a expressão de cristãs e cristãos que procuram viver o evangelho de Jesus de Nazaré de forma mais humana e voltada para as necessidades dos mais vulneráveis, dos pobres e dos injustiçados. Ao colocar o dedo na ferida, já era de se esperar a reação daqueles que se entregaram aos extremismos que promovem o ódio e a segregação. Mas, como afirma a nota do presidente da CNBB: “Não desanimemos. Não desistamos. Unamo-nos”.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Convocação para a santidade / Call to holiness / Llamado a la santidad

 

Porque Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade” (1 Tessalonicenses 4.7). 

A palavra chave para entender a I Carta aos Tessalonicenses é santidade. O apóstolo Paulo se dirigiu a essa igreja para convocar os cristãos para uma conduta de vida e uma prática cristã marcada por valores relacionados à santidade. Mas, o que isso significa para a nossa vivência como pessoas em uma relação comunitária?

O ministério do apóstolo Paulo pode ser dividido em duas etapas. A primeira é aquela que encontramos narrada no livro de Atos dos Apóstolos, em que ele se destaca por sua ação missionária, como um anunciador do evangelho aos gentios. A segunda é aquela que se inaugura com a Primeira Carta aos Tessalonicenses. Essa carta é o primeiro documento do Novo Testamento que surgiu, entre os anos 48 e 50 d.C., e serviu de paradigma para a criação dos demais textos que hoje fazem parte do cânon neotestamentário.

A igreja de Tessalônica tem um papel muito importante na vida do apóstolo Paulo. Ela foi formada por ocasião da sua segunda viagem missionária, quando chegou à Macedônia, depois de ter estado na cidade de Filipos juntamente com Silas e Timóteo, conforme registros de Atos 17.1-9. Quando Paulo e Silas chegaram àquela cidade, logo começaram a fazer palestras e sermões na sinagoga judaica, durante três sábados. Isso resultou em um grande número de conversão de judeus e de gentios (Atos 17.4). A permanência de Paulo, Silas e Timóteo em Tessalônica foi curta, mas isso não impediu que uma forte e atuante igreja surgisse.

Tessalônica era uma importante cidade portuária às margens do mar Egeu. Para lá confluíam muitos migrantes em busca de trabalho. Havia também, por isso mesmo, uma enorme população de pessoas que viviam em regime de escravidão. Era uma cidade que enfrentava uma gritante desigualdade social, mas também uma grande diversidade de expressões culturais, religiosas e de concepções filosóficas.

A igreja de Tessalônica também exerceu um papel muito importante na vida das demais igrejas do Século I. Naquela época, não havia muitos referenciais do que é ser igreja. Tudo o que acontecia era revestido de um aspecto inaugural, iniciador de um processo que acabou se configurando no que a igreja veio se tornar ao longo de sua história. A igreja em si era formada por pessoas pobres, mas que demonstravam grande generosidade e amor cristão (2 Coríntios 8.1-2).

A carta foi escrita logo após Paulo receber informações de Timóteo a respeito da igreja. Devido à impossibilidade de retornar a Tessalônica, Paulo enviou Timóteo para que encorajasse a nova comunidade de fé. Diante dos relatos sobre a condição da igreja, que continua viva e dinâmica, e da impossibilidade de retornar àquela cidade, Paulo, então, resolve enviar uma carta com palavras de exortação e de encorajamento aos cristãos. Ele ainda se encontrava em Corinto e escreveu essa carta com a ajuda de Sila e do próprio Timóteo (1 Tessalonicenses 1.1).

A carta é carregada de cuidados amorosos com a igreja. Os autores chegam a se comparar a uma mãe que acaricia os filhos (1 Tessalonicenses 2.7) e a um pai zeloso (1 Tessalonicenses 2.11). A preocupação maior é com as duras perseguições que os cristãos sofriam, que exigiam deles uma conduta íntegra e perseverante. Por essa razão, o tema da santidade se torna transversal para tratar dos grandes desafios de viver a fé em meio a uma sociedade plural e marcada por grandes desafios sociais. Isso nos lembra que somos santos, não por sermos perfeitos, mas por sermos convidados a agir como testemunhas do amor de Deus por toda a humanidade.

A santidade não diz respeito a uma experiência cultual ou devocional, mas a um aspecto ético de nossa maneira de viver e agir no mundo. A santificação é o processo de imersão no mundo como consequência de nossa experiência de encontro com Jesus Cristo. Ser santo significa viver aquilo que estamos nos tornando: pessoas que encarnam a proposta de vida apresentada e demonstrada por Cristo no mundo. Portanto, não é algo que se adquire de imediato, mas algo que se constrói a partir de uma vivência comum, inserida no contexto de uma comunidade.

O chamado à santidade é imperioso. É urgente vivermos uma vida santa no mundo de hoje. Viver de maneira santa não corresponde a fugir do mundo, mas a ser inserido nele como agente de transformação. O chamado à santidade tem a ver com a vida em comum. Não existe santidade fora da vida comunitária.

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