domingo, 8 de janeiro de 2023

Crime anunciado contra a democracia: o Estado brasileiro diante de sua principal ameaça, nosso 8 de janeiro / Announced crime against democracy: the Brazilian State facing its main threat / Crimen anunciado contra la democracia: el Estado brasileño frente a su principal amenaza

 

O dia de hoje ficará marcado pelo pior atentado cometido contra a República Brasileira desde a sua redemocratização. Podemos chamar esse dia como o 8 de janeiro, quando um crime foi praticado contra a democracia, apesar de largamente prenunciado desde a divulgação dos resultados das eleições de 2022. Curiosamente, esse episódio acontece 2 anos e 2 dias depois da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos da América, por apoiadores de Donald Trump. Aqui, vândalos e arruaceiros simpatizantes de Bolsonaro invadem os principais prédios do governo brasileiro: O Congresso, o Palácio do Planalto e a sede do STF.

O mais correto seria chamar esses manifestantes de terroristas pela quantidade de danos causados ao patrimônio público e a depredação das principais sedes governamentais, do centro do poder. Não são, nem nunca foram, movimentos pacíficos ou de acordo com a Constituição, como afirmou nesta semana o atual Ministro da Defesa do Governo eleito. São pessoas dispostas a praticaram atos de violência para imporem sua vontade política sobre uma nação inteira, desrespeitando assim o processo democrático.

Os manifestantes não agiram voluntariosamente. Houve uma articulação em várias partes do país, mobilizando ônibus e fomentando discursos de ódio, para trazer pessoas dispostas a promover o que os líderes vinham chamando de “guerra”. Além disso, pela natureza e forma de organização, pressupõem-se que haja financiadores e mentores dessa ação tramada para causar insegurança e colocar em xeque a autoridade do governo recém-empossado.

O Ministério da Justiça se preveniu convocando a atuação da Guarda Nacional. Porém, o Governo do Distrito Federal, cujo atual Secretário de Segurança é o ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro, se mostrou leniente diante das ameaças dos atentados que se viram neste domingo. A própria polícia do Distrito Federal ofereceu apoio aos manifestantes em dado momento para que se aproximassem da Praça dos Três Poderes.

Esses atentados já haviam sido previstos por cientistas políticos e analistas desse momento histórico. Com base em outros acontecimentos, como a Noite dos Cristais do nazismo, as marchas fascistas na Itália e até mesmo a invasão do Congresso norte-americano em 6 de janeiro de 2021, era fácil imaginar que a sucessão de atos golpistas após o resultado das eleições iria resultar no que vimos.

Desde o dia 31 de outubro de 2022, assistimos à perpetração de diversos atos criminosos que não receberam o tratamento de acordo com a lei, como o bloqueio em rodovias, acampamentos em áreas militares, noite de vandalismo em Brasília, diversos atos de violência contra opositores e várias autoridades federais hostilizadas em espaços públicos. Em todos esses atos, verificou-se a inação daqueles que têm o dever de fazer cumprir a lei, como as polícias dos estados, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público e até juízes.

O principal responsável pelo caos no Distrito Federal hoje não está no país para responder criminalmente. O fato de Bolsonaro não ter reconhecido a derrota na eleição e ter se omitido diante das manifestações criminosas que pediam ações inconstitucionais acabou aumentando a animosidade. O bolsonarismo se tornou um dos mais agressivos movimentos de extrema-direita no mundo, reproduzindo aqui cenas lamentáveis de intolerância, de preconceito e de desrespeito ao processo democrático.

Vai levar tempo para restaurar a normalidade. A única saída é a afirmação do poder do Estado para a garantia da ordem, através das aplicações dos instrumentos de regulação, como a Lei Antiterrorismo e a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Fala-se inclusive na intervenção federal na área de segurança de Brasília. A repressão direta poderia inflamar ainda mais os ânimos, embora esse teria sido o tratamento caso os manifestantes fossem outros.

O Brasil teve até aqui uma longa história de repressão às manifestações de movimentos progressistas, de trabalhadores ou de pessoas que lutam por seus direitos civis. Assistimos por décadas cenas de truculência policial, de uso de um forte aparato repressor contra aqueles que lutaram por direitos trabalhistas e previdenciários, por acesso à terra para plantar, pelo direito a moradia e até manifestações estudantis. Entretanto, os participantes dos atos terroristas de hoje são pessoas tidas como “pessoas de bem”, conservadores e até defensores da família, da fé, da moral e dos bons costumes. Um paradoxo diante da capacidade de se articular para cometerem a depredação que se viu.

Talvez o dia de hoje tenha sido necessário para pôr fim a uma hipocrisia que vinha sendo institucionalizada no país. A ideia de que quem pedia intervenção federal, ditadura militar e golpe contra a democracia eram pessoas pacíficas. Quem pede que se pratiquem ilegalidades como essas não estão bem intencionados. A democracia não combina com a ruptura da lei. Antes, para que vivamos num legítimo Estado Democrático de Direito é preciso que a lei se aplique igualmente sobre todos. Caso contrário, nos transformaremos em uma sociedade ingovernável.

A democracia garante direito à liberdade de expressão, mas exige o respeito às instituições criadas para que o Estado Democrático de Direito se realize. Esses insanos não podem ficar impunes.

(Foto: Folha de São Paulo, Evaristo Sá/AFP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/01/bolsonaristas-sobem-em-teto-do-congresso-e-pm-reage-com-bombas.shtml).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Fé cristã e esfera pública: uma hermenêutica a partir de Romanos 13.1 / Christian faith and the public sphere: a hermeneutics from Romans 13.1 / La fe cristiana y la esfera pública: una hermenéutica desde Romanos 13.1 /

A ética baseada no amor envolve uma expressão pública. Isso quer dizer que a vida pela fé tem implicações sociais e políticas. A nossa atuação como cristãos nos espaços públicos deve corresponder a uma cidadania consciente.

Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas” (Romanos 13.1).

A ação cristã não é anarquista, subversiva, fascista ou totalitária. Entretanto, ela não é acrítica, indiferente ou alienada. Ela promove a cidadania responsável e consciente, está ao lado da justiça e do direito e coopera com a sociedade para a superação daquilo que lhe causa mal.

Paulo lembra o papel do Estado e do cidadão:

a) Papel do Estado: cuidar do bem comum como expressão do cuidado divino.

[... A autoridade] serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13.4).

b) Papel do cristão como cidadão: cooperar com o Estado para a realização do bem comum.

“[...] é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência” (Romanos 13.5).

A recomendação para a “submissão” às autoridades não é universal, absoluta ou cega. Mas uma atitude crítica em relação às leis vigentes e os propósitos divinos. Não cabe ao cristão uma submissão subserviente ao Estado totalitário, tirano, ditatorial ou despótico.

A desobediência civil passa a ser um dever cristão diante de leis injustas, quando o Estado deixa de cumprir o seu papel e quando os critérios políticos estão distantes dos valores do Reino de Deus. Desobediência civil não é rebelião, mas resistência à opressão promovida pelo Estado.

Exemplos de desobediência civil: Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. e Desmond Tutu, que eram religiosos.

(Extraído da apostila Espiritualidade Contagiante: Estudo bíblico na Carta aos Romanos, disponível em PDF no blog da igreja da Orla Oceânica: http://orlaoceanica.blogspot.com/p/lideranca.html

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