domingo, 28 de dezembro de 2014

Caminho / Way / Camino

“[...] Estes homens são servos do Deus Altíssimo e lhes anunciam o caminho da salvação”. Atos 16.17
Os primeiros cristãos não foram conhecidos por pertencerem a uma religião, denominação ou mesmo uma igreja. Ao contrário, eles eram tratados pelos judeus como seita e, pelos romanos, como um movimento. Eles eram identificados como “os do caminho”.
A ideia de caminho lembra movimento. E ser cristão é isso: fazer um movimento, deslocar-se, seguir. Um movimento interior, que sai de sua ilusão de autonomia para a realização do encontro com Deus. Um movimento exterior, que sai do seu individualismo para uma vida de comunhão.
Jesus se apresentou como o Caminho. Aos primeiros discípulos, Jesus convidou: “segue-me”. Ele encontrou pessoas que estavam nos vários caminhos da vida, revelou-se aos discípulos no caminho de Emaús, enviou seus seguidores pelos caminhos do mundo, encontrou a Paulo no caminho de Damasco.
Os primeiros cristãos eram chamados de seguidores do cominho por causa da mensagem: eles anunciavam o caminho da salvação. Isso implica uma teologia do caminho, um compromisso ético com o caminho e uma vida de comunhão para fortalecer uns aos outros ao longo da caminhada.
Ser igreja é se constituir a comunidade daqueles que seguem caminho. Sua natureza é ser peregrina, a reunião daqueles que seguem caminho. Na medida em que caminha, cresce, desenvolve unidade, se faz corpo e família.
Seguir caminho não é andar errante. Não é também peregrinação solitária. Antes, é exercício de se colocar na direção do outro, juntamente com o outro. É ter destino certo, reconhecendo no outro a face de Deus. É deixar vestígios por onde passa do sentido que nos estimula a seguir caminhando. É deixar marcas que motivam outros a seguirem caminho conosco.
Seguir caminho é um exercício histórico, é imergir na realidade do mundo, é atravessar o tempo. Pessoas que caminham buscam constantemente ajustes na caminhada, precisam reorientar o rumo, refazer percursos, encontrar novas trilhas. Atalhos e desvios são riscos enfrentados somente por quem caminha. Por isso, precisam do guia, aquele único que, por se fazer caminho, se oferece como companheiro da caminhada.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Natal na história / Christmas in history / Navidad en la historia

“Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei” Gálatas 4.4
O Natal é a lembrança do maior acontecimento histórico da humanidade e só será superado com a segunda vinda de Jesus: o fato de Deus ter se tornado humano.
Isso supera a descoberta do fogo, a invenção da roda, a queda de impérios, a descoberta do novo mundo, a revolução industrial e até as transformações trazidas pela era da informação. Em Jesus Cristo, nascido historicamente, Deus se apresenta a si mesmo como o Deus salvador da história, que se coloca junto ao homem em suas circunstâncias concretas para lhe apontar o caminho da redenção.
O acontecimento lembrado no Natal é o ápice de um evento radical e único na relação entre Deus e a história. Ele se deixa afetar pela história, se esvazia da eternidade para viver o jogo de forças de nossa realidade intramundana. Ele se oferece como alguém que se relaciona com outros que agem em liberdade no processo de dar e receber, que se torna tangível receptivo, acolhedor e doador.
Deus não se fez apenas um bebê. Ele se tornou gente na pessoa histórica de Jesus. De tal forma que a vida inteira de Jesus é um testemunho da essência de Deus: sua encarnação, sua morte, sua ressurreição e sua ascensão. Ela é a prova cabal de que Deus não é insensível, imutável, distante ou apático. Ao contrário, Deus em Cristo se mostra acolhedor, relacional, alcançável e vulnerável diante da liberdade e do sofrimento humano.
Na pessoa do Filho, o Pai se faz pleno ao mesmo tempo em que a pessoa do Filho assume a natureza humana para unir-se a toda a criação. O Filho assume a humanidade no tempo a fim de que realize a sua condição eterna de Filho de Deus somente pela garantida da ação e mediação do Espírito. É na dimensão trinitária que podemos compreender o mover de Deus na história.
Na pessoa do Filho, Deus se comunica conosco e estabelece comunhão por meio do Espírito. Natal é, portanto, uma celebração trinitária, é a dramatização do Deus que se faz homem para redimir a criação, para curar as feridas deixadas pelo pecado, para eliminar a distância entre Deus e o homem, para quebrar o poder da morte e para fazer surgir uma nova comunidade.

O Natal é a celebração do Deus que entra na nossa história, que supera nossas resistências a Ele, para apontar o caminho de nossa própria salvação.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Bíblia, autoajuda divina / Bible, divine self-help book / Biblia, divina autoayuda

“Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração.” Hebreus 4.12
A Bíblia é o maior e mais completo manual de autoajuda e espiritualidade que a humanidade possui. Neste tempo em que as pessoas necessitam de guias para a vida, nada melhor do que resgatar o valor e a relevância da Bíblia para orientar atitudes, sensações e relacionamentos.
Jesus, o maior mestre de espiritualidade que a humanidade já conheceu, recomendou a que se examinasse as Escrituras como exercício de descoberta do verdadeiro sentido da vida. Examinar as Escrituras é mais do que conhecer um texto. É procurar ouvir a voz do Espírito que permeia toda a mensagem bíblica.
A Bíblia é a palavra viva de Deus porque é a voz do seu Espírito que invade nosso contexto como um sopro. A metáfora do sopro ilustra bem a maneira como a mensagem que emana da Bíblia se espalha e chega até nós como consolo, alento, refrigério, exortação, ensino.
Fazer da Bíblia um manual de autoajuda tem algumas implicações:
- Implica perceber o mover de Deus na história da criação, reconhecendo a natureza como o pano de fundo da revelação divina.
- Implica compreender que somos parte de um plano maior que ainda está em curso. A redenção é parte do plano divino de se autorrevelar e de buscar a pessoa humana em sua condição.
- Implica reconhecer que o amor de Deus só se concretiza no encontro com o humano, por isso se encarna na pessoa histórica de Jesus de Nazaré, para se oferecer como drama trágico na cruz e se tornar o nosso salvador.
- Implica assumir o custo de permitir que a voz do Espírito se encarne na nossa vida e nos torne testemunhas da graça da vida.

Um livro para ser amado, não idolatrado. Um livro para servir de guia, uma vez que o caminho é Jesus Cristo. Um livro para orientar a vida, uma vez que é palavra viva de quem de fato se importa conosco.

domingo, 30 de novembro de 2014

Espiritualidade e aprendizado: o exemplo de Eliseu, o aprendiz / Spirituality and learning: the example of Elisha / Espiritualidad y aprendizaje: el ejemplo de Eliseo

“[...] Então se levantou e seguiu a Elias, e o servia.” 1 Reis 19.21
Eliseu é considerado o profeta que mais realizou milagres na Bíblia. Isso não aconteceu da noite para o dia, nem foi resultado e um aprendizado teórico. O serviço profético de Eliseu foi resultado de uma vida inteira dedicada ao chamado de servir ao outro.
Antes de se tornar profeta, Eliseu era um lavrador na terra de seu pai, que, muito provavelmente, era rico. Ele arava a terra com uma das doze juntas de bois, sinal de poder e de prosperidade. Eliseu trocou toda a segurança de uma carreira sólida para caminhar com um profeta que lançou sobre si uma capa, sinal de autoridade e de compromisso.
Elias, o profeta que lançou a capa sobre Eliseu, tinha uma escola profética. Não consistia em um conteúdo programático nem um sistema de avaliação. A escola era baseada num critério simples: auxiliar ao profeta como servo. E o mestre não era de se desprezar: já havia mandado chover e descer fogo do céu, enfrentado governos e religiosos, vivido na pobreza e no luxo.
Ao renunciar a tudo, Eliseu teve o cuidado de deixar tudo para trás: despediu-se de seus pais e desfez-se da junta de bois, fazendo um churrasco deles para todas as pessoas que estavam próximas.
De todos os aprendizes de profeta, Eliseu era reconhecidamente, até pelos seus colegas, o mais aplicado e o mais próximo de Elias. No dia da despedida e da consagração, só havia um desejo: ter o dobro da espiritualidade de seu mestre.
Sua vida foi marcada por sua dedicação ao ministério profético. Inspirou a outros jovens candidatos a profetas. Quem o via passar o reconhecia como profeta. Sua fama chegou até os reinos vizinhos. Mesmo após sua morte, quando um inimigo caiu morto em seu sepulcro, operou milagres.

Quanto é capaz uma vida dedicada à missão de servir ao outro como instrumento divino? Eliseu nos lembra que o maior valor de nossa vida está em colocá-la a serviço do outro dentro da perspectiva do propósito divino.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Ação de Graças e cultura de gratidão / Thanksgiving and gratitude culture / Acción de Gracias y la cultura de gratitud

Deem graças em todas as circunstâncias [...].” 1 Tessalonicenses 5.18
A última quinta-feira de novembro é lembrada em todas as comunidades protestantes do mundo como o Dia de Ação de Graças. Nos Estados Unidos e no Canadá, é feriado nacional. Trata-se de um dia que deve ser de gratidão, com expressões celebrativas de louvor a Deus pelas oportunidades que se teve durante o ano.
Não é uma data que faça parte de nossa cultura brasileira. Para os povos do hemisfério norte, corresponde a uma época do outono e ao fim do período de colheita, preparando-se para os rigorosos dias de inverno com neve. Aqui, estamos em plena primavera, já sentindo os sinais do verão intenso que está por vir. Lá, agradecem a Deus pela safra; aqui, deveríamos agradecer pela vida simplesmente.
A data foi instituída pela primeira vez nos Estados Unidos para ajudar o comércio no período de recuperação da Grande Depressão. O então presidente Roosevelt queria que houvesse uma motivação a mais para que o povo antecipasse as compras do Natal e aumentasse o período de propagandas que estimulavam o consumo.
No Brasil, a ideia de um Dia de Ação de Graças foi trazida pelo republicano Joaquim Nabuco, depois de assistir a uma empolgada celebração em Nova Iorque. Morreu sem ver o seu projeto realizado, pois foi o presidente Gaspar Dutra que acabou instituindo a comemoração (sem feriado) anos mais tarde.
Seja uma data que atenda interesses consumistas ou não, é importante enfatizar dois aspectos: primeiro, o Dia de Ação de Graças é um legado da fé protestante; segundo, agradecer a Deus é sempre oportuno e necessário.

Celebrar ao menos um dia de gratidão no ano é um exercício de aprendizado. Se você não consegue fazer isso ao menos uma vez, dificilmente estará em condições de desenvolver um coração agradecido, que é uma parte da proposta de espiritualidade bíblica para aqueles que se dispõem a viver segundo a vontade de Deus.

domingo, 23 de novembro de 2014

Transformado: Como a fé pode transformar a sua vida / Transformed: How faith can transform your life / Transformado: Cómo la fe puede transformar tu vida

A única maneira de realmente mudar a sua vida é mudar a maneira como você pensa. Você não pode esperar grandes mudanças querendo permanecer do mesmo jeito. Todos nós precisamos experimentar uma mudança na maneira de compreender e lidar com algumas áreas de nossa vida pessoal: nossas finanças, nossas emoções, nossos relacionamentos, nosso futuro e até a nossa carreira profissional.
Quando permitimos que a nossa maneira de pensar mude, isso também altera a nossa maneira de viver. Para isso, todos nós precisos estabelecer metas e princípios que orientem a nossa vida de maneira bem-sucedida. E a melhor maneira de fazer isso é através da fé. Estabelecer desafios para si mesmo envolve uma responsabilidade de empregar todas as suas capacidades, habilidades e energia para alcançá-los. E estes desafios serão cada vez mais relevantes se forem claros, mensuráveis e realistas. Ou seja: tenham a ver com a sua realidade como pessoa e todas as suas relações. Você é uma pessoa criada à imagem e semelhança de Deus para viver de acordo com seus propósitos. Enquanto isso não acontecer, sempre nos compreenderemos como uma condição incompleta.
Ao estabelecer seus desafios, leve em consideração o que pode honrar a Deus em sua vida. Pense em pequenos e grandes desafios. Pensar grandes coisas nos conduz a grandes realizações. Porém, você jamais conseguirá grandes realizações se não valorizar e se ocupar das pequenas coisas. A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas simples que tiveram experiências significativas de transformação por meio da fé.
Nós temos a palavra final quando o assunto é mudar a nossa maneira de pensar. E quando mudamos a mente, mudamos o modo de vida. Isso quer dizer que, se você orientar o seu modo de pensar para o que Jesus ensinou, você construirá uma vida mais próxima da vontade dele. Portanto, aprenda mais sobre hábitos, conceitos e características que Jesus ensinou que permitem uma mudança de atitude e que proporcione maior realização pessoal.
O grande desafio da vida não é desenvolver determinados conhecimentos ou dominar um conjunto de doutrinas, mas ser uma nova pessoa. Isso significa orientar a vida por valores diferentes do que tem dominado a lógica secularizada do mundo contemporâneo. Ser diferente não é o mesmo que ser um estranho, mas desenvolver um sentido de humanidade que leve em conta os propósitos de Deus para a vida humana.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Só uma coisa é necessária / But one thing is needful / Empero una cosa es necesaria

“Todavia apenas uma é necessária” Lucas 10.42
Quantas vezes você já tentou acertar na vida? Quantas coisas você precisa fazer para poder melhorar? Qual é a melhor escolha? O que é fazer a coisa certa? Responder a essas perguntas pode dar a ideia de que a vida é como uma loteria, em que há muitas alternativas, mas só uma é correta.
Esse é um grande engano. A vida não é como um jogo de azar, embora implique fazer muitas escolhas. O grande problema de se encarar a vida assim é que a humanidade fez dela um amontoado de fragmentos, de tal modo que, enquanto a tratamos de forma fragmentada, ela sempre será uma vida falsa e fracassada.
O encontro de Marta e Maria com Jesus é um retrato disso. Marta entendeu que era preciso agradar a Jesus de muitas formas. Ficou atarefada e ocupada demais com os serviços da casa. Maria, porém, sabia que aquela era uma oportunidade única de estar face a face com Jesus. Sentou-se calmamente ao seu lado e ouvia seus ensinos.
Quantas vezes você já esteve tão absorvido com suas ocupações achando que isso é o melhor? Muitos até adotam uma experiência de religiosidade que comporta uma agenda lotada, cheia de coisas para fazer. Entretanto, a Bíblia nos mostra que nada disso é necessário.
Uma espiritualidade que abarrota nossa agenda de eventos e tarefas não corresponde a uma espiritualidade comprometida e responsável. Muitas vezes, esse tipo de religiosidade se confunde com uma fuga do mundo, com uma tentativa de ludibriar nosso sentimento ferido por causa de nossas próprias desilusões.
O evangelho nos chama a uma espiritualidade de encontro em que o que está em questão é a nossa vida inteira, com todas as suas implicações e todas as relações. Foi por isso que Jesus disse que Maria havia escolhido a melhor parte. Em vez de se encher de atividades para agradar a Jesus, ela optou por investir um pouco do seu tempo numa oportunidade rara de encontro.
O chamado de Jesus para a espiritualidade do encontro continua viva ainda hoje. Ele nos chama para isso e nos alcança no lugar e nas circunstâncias em que vivemos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eleições e Realidade Brasileira / Elections and Brazilian Reality / Elecciones y Realidad Brasileña

O resultado das eleições 2014 requer uma leitura mais madura de nossa realidade como nação. A vitória do governo atual, com a reeleição da presidente Dilma Rousseff, não é resultado de uma boa atuação, mas de um movimento silencioso que vem acontecendo no país há algum tempo, que é a manifestação de insatisfação e o desejo de mudança que acontece a partir das periferias.
Esse é um sinal de que o cenário político ganhou novos contornos e quem não souber compreender isso adequadamente poderá ser levado por interpretações equivocadas. Isso se deu a partir do esquema de manipulação levado a efeito através da grande imprensa e das redes sociais. O quadro apresentado era de uma situação pré-golpe tal como nos acontecimentos anteriores ao golpe de 1964. Lembrava os discursos do direitista e golpista Carlos Lacerda que dizia de Getúlio Vargas: "Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar."
O que as urnas desta vez apontaram é que as forças conservadoras de direita, que sempre estiveram à frente da República e que hoje se encontram na oposição, precisam rever seu projeto de Brasil e as estratégias políticas para as próximas eleições. Mas apontam também para o fato de que o governo atual precisa ser mais ágil nas políticas sociais e combater com mais vigor a corrupção de seu próprio partido.
O voto no governo atual foi, ao mesmo tempo, um voto crítico, que tanto aprova seu programa social quanto rejeita sua prática partidária, mas também um veto à oposição, em que tanto se rejeita sua tática golpista e desleal quanto pede que seja mais coerente.
O resultado das urnas é uma prova de que a democracia brasileira vai se fortalecendo lentamente, encontrado finalmente seu caminho. Mas ainda há uma necessidade urgente de reforma política, em que se pensa a possibilidade de uso do voto distrital, em que se conquiste definitivamente o fim das coligações e se repense o financiamento de campanha, principalmente com o fim do financiamento de empresas.
A vitória do governo não se deu só no norte e nordeste, mas em todo o Brasil onde a desigualdade e a injustiça campeiam. Foi um grito dos excluídos e daqueles que lutam em sua causa. Enquanto houver pobreza e desigualdade neste país não dá para se pensar em outra mudança possível. O governo atual já conseguiu tirar o Brasil do mapa da fome, mas precisa tirar também do mapa das desigualdades, da má distribuição de renda, nos baixos indicadores de educação e saúde.
A força da grande imprensa conservadora mostrou-se mais uma vez intensa, mas não foi suficiente para conter o poder das mídias alternativas. A população tem uma atitude mais crítica e um acesso maior às informações que não permite mais que denúncias de última hora interfiram tanto no resultado das eleições.

De fato, o Brasil de hoje é melhor do que o de há 12 anos, mas muito distante do ideal. Há ainda uma enorme dívida social histórica para com os menos favorecidos, com aqueles que precisam de oportunidades para construírem um futuro melhor. O grande desafio agora do governo é combater a corrupção, fazer o país crescer mais, controlar a inflação a níveis inferiores ao atual e aproximar as pessoas a um projeto de nação.

sábado, 25 de outubro de 2014

Combate à corrupção / Combat against corruption / Lucha contra la corrupción

Quando o assunto é corrupção, só entra em questão a corrupção alheia. Ficam de fora as tentativas próprias de levar proveito em cada situação. Porém, é preciso ter em mente que a corrupção é um fenômeno que precisa ser encarado em toda a sua complexidade. A corrupção não é um fenômeno cultural, embora esteja enraizada em todas as culturas. Não é também uma peculiaridade da vida pública, que afeta os políticos em especial. Ela está presente de diversas formas em nosso cotidiano e afeta todas as nossas relações. Ele é um produto da maldade presente em nossas atitudes.
Por essa razão, um dos itens do Pacto Global da ONU, no ano 2000, propõe o combate à corrupção em todas as suas formas, incluindo o suborno e a extorsão. Trata-se de um conjunto de medidas endereçadas a autoridades e empresários que estão ligadas aos valores fundamentais no que concerne aos Direitos Humanos, às relações de trabalho, ao meio ambiente e, inclusive, ao combate à corrupção.
O combate à corrupção é uma luta constante que deve ser assumida por todos, principalmente pelo fato de que, na forma com que se caracteriza dentro do sistema capitalista, ela começa exatamente nas manobras e nos interesses ligados a quem controla os meios de produção e o mercado. Enquanto não se tratar a corrupção levando em consideração o corrupto e o corruptor, não haverá meios de inibir tal prática. A corrupção não consiste somente em um agente público apresentar dificuldades para depois vender as facilidades, mas também no fato de que aquele que busca benefícios próprios está muito mais interessado em comprar facilidades do que cumprir as exigências que lhes são apresentadas.
Isso quer dizer que há um apelo mundial para que as empresas passem a compreender e a adotar a integridade como um princípio que orienta suas condutas. A corrupção não é um problema unicamente brasileiro, como alguns acreditam. Há, inclusive, no sistema jurídico brasileiro a concepção da corrupção como um crime. Os tipos de corrupção, conforme entendimento presente na legislação brasileira: suborno; pagamento de facilitação; pagamento de brindes; “caixa dois”; sonegação fiscal; lavagem de dinheiro; políticas de apoio e patrocínio.
O fenômeno da corrupção não envolve somente governos ou os políticos. Isso afeta a todos os cidadãos, as empresas e entidades públicas e privadas de um modo geral. O controle da corrupção é de interesse de toda a coletividade, pois isso interfere diretamente na formulação das políticas públicas e na solução dos graves problemas sociais. As práticas de corrupção podem até criar uma ideia aparente de vantagem, mas na verdade elas prejudicam a competição e o livre mercado ao estabelecer uma concorrência desleal e criar um clima de insegurança do mercado. A corrupção compromete a integridade do negócio e deturpa os valores éticos.
O combate à corrupção não é uma tarefa fácil. Não depende só de leis ou de ações governamentais. Por essa razão, a Controladoria-Geral da União elaborou em 2009 um manual, intitulado A Responsabilidade Social das empresas no combate à corrupção, com as diretrizes básicas para que essa iniciativa aconteça também nas empresas. O documento (na sua p. 16) define corrupção do seguinte modo:
“Um ato de corrupção pode ser definido como uma transação ou troca entre quem corrompe e quem se deixa corromper. Atos de corrupção correspondem, portanto, a uma promessa ou recompensa em troca de um comportamento que favorece os interesses do corruptor. É uma forma particular de influência do tipo ilícita, ilegal e ilegítima, que conduz ao desgaste do mais importante recurso do sistema político: sua legitimidade.”
Dentre as propostas para que a empresa desenvolva uma prática de combate à corrupção encontram-se: a adoção de um programa de integridade e combate à corrupção, a adoção de medidas de transparência e relacionamento com investidores e o gerenciamento da integridade. São atitudes de caráter preventivo que ajudam a corrigir os comportamentos no ambiente organizacional que violam a ética adotada.

sábado, 18 de outubro de 2014

“Mar de lama”: desigualdade, corrupção e inflação em tempos eleitorais / Inequality, corruption and inflation / La desigualdad, la corrupción y la inflación

Os discursos da oposição estão orquestrados com as manchetes da grande imprensa: o Brasil está mal. Não resta a menor dúvida de que o Brasil vai mal, mas nunca esteve tão melhor. Não chega a estar tão a ponto de ser o tal “mar de lama” anunciado pelo candidato oposicionista, assim como nunca tivemos na história do país uma condição que se possa chamar de “mar de rosas”. O fato é que a vida das pessoas melhorou: há mais emprego, há mais oportunidade de estudo, há mais pessoas na classe média e menos gente vivendo na miséria e, por incrível que pareça, há mais pessoas ricas.
Na configuração do processo eleitoral de 2014, o que está em jogo não é somente uma situação moral, mas a escolha entre dois projetos de poder: um que é favorável à luta contra as estruturas que promovem a desigualdade e outro que atende às exigências do mercado que estimulam a concentração de renda; um que representa as lutas das organizações de classe dos trabalhadores e outro que representa os ideais das forças conservadoras de direita.
O que a oposição alardeia como um caos social e econômico está ligado a uma realidade dura e cruel vivida pelas camadas menos favorecidas, embora não apresente planos e metas para a sua diminuição. Alguns desses fatores podem ser aqui elencados:
a) a saúde pública ainda enfrenta situações precárias de atendimento;
b) a educação pública carece de investimentos e incentivos;
c) o transporte público de massa enfrenta condições que não atendem à demanda;
d) a violência chegou a níveis insuportáveis, com um aparato de organização e sofisticação nunca vistos.
A solução para esses graves problemas passa pela conjugação de forças dos poderes constituídos, quer seja em instâncias federal, estadual e municipal, quer seja por parte do executivo, do legislativo e do judiciário. É uma ilusão acreditar que a solução do problema virá pela escolha de um candidato que se autoproclame portador de soluções, como um “salvador da pátria”.
As condições em que se dão os problemas de saúde, educação, transporte público e violência são as mesmas que favorecem a desigualdade social, a corrupção e a inflação, corroboradas por práticas de autoritarismo e de injustiça que infestam todas as esferas da vida pública. Isso se deve a uma prática histórica ligada à distribuição de terras, à política de favorecimentos e à concessão de oportunidades melhores aos que circulam mais próximos ao poder.
Trata-se de uma política de exclusão que relegou à margem da sociedade uma enorme parcela da população que sempre foi discriminada por razões de cor, religião e posição social. A república brasileira é um produto histórico dessa política excludente. Ela foi proclamada por uma elite branca e aristocrática, que estabeleceu uma democracia voltada para a manutenção do poder nas mãos das pessoas com maior poder aquisitivo. Qualquer tentativa de se reverter essa configuração foi tratada com ataques moralistas e golpes institucionais, com o uso intenso dos grandes órgãos de imprensa e da influência por afinidade com representantes dos poderes instituídos, sobretudo em relação ao legislativo e ao judiciário.
O discurso do “mar de lama” foi usado por representantes da direita – como Carlos Lacerda – para desestabilizar o governo de Getúlio Vargas, o que o levou ao suicídio. Foi usado também na campanha eleitoral de Jânio Quadros, que sucedeu a Juscelino Kubitschek, mas que renunciou sete meses depois da posse. Foi usado ainda para justificar o golpe militar de 1964 e estabelecer um regime de exceção no país.
Reacender esse discurso neste momento eleitoral traz o implícito de que as políticas sociais, que combatem as estruturas que favorecem a desigualdade, que combate a fome e a miséria e que promovem correções na distribuição de renda, não agradam às ditas forças conservadoras de direita.
O combate à desigualdade social inclui a rejeição das práticas que a favorecem, que promovem a má distribuição de renda e exploram os menos favorecidos. Programas como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Prouni e equivalentes, embora sejam relevantes e decisivos para a inclusão social de milhões de brasileiros, são alternativos. O que se faz necessário mesmo é de uma política que penalize o poder do ganho de capital sobre a s forças produtivas.
O combate à corrupção deve envolver o tratamento das relações que a favorecem, incluindo o agente público envolvido na prática, mas também a origem do dinheiro, que está vinculado a prestadores de serviços, fornecedores e empreiteiros que se beneficiam da corrupção. Uma denúncia que é feita por um agente criminoso, que aponta apenas um lado do problema e esconde a fonte da corrupção não contribui para o combate à corrupção.
O combate à inflação não pode se dar apenas por uma política de controle dos juros e do câmbio, mas por uma combinação de práticas que levem em consideração os ataques especulativos do mercado, que cuidem da relação entre oferta e demanda no mercado interno, que levem em consideração as exigências do mercado externo e o repasse de ganhos das multinacionais.
O que o Brasil precisa hoje é de uma política de Estado e de um programa de governo que tenha por princípio o combate constante às estruturas que promovem a desigualdade social, o tratamento permanente da corrupção como um mal intolerável que resulte na condenação do corrupto e do corruptor, e o controle da inflação tendo em vista os ataques especulativos do mercado com sua sede ganhos cada vez mais abusivos. Sem um compromisso público de campanha por parte dos candidatos, o discurso e suas plataformas eleitorais não passam de demagogia. 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ser criança / Be a child / Ser un niño

Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus Mateus 18.4
Quando Jesus quis deixar uma lição sobre a vida no Reino de Deus, ele usou a figura de uma criança como metáfora. Quatro afirmações foram feitas:
a) Você precisa se converter em uma criança.
b) Você precisa ser humilde como uma criança.
c) Você precisa acolher Jesus como quem acolhe uma criança.
d) Você precisa dar bons exemplos para uma criança.
A razão para que fizesse isso não foi por que a criança é pura ou ingênua, mas por ela ser expressão de nossa condição real, incapazes de dar conta de nós mesmos.
Por que isso não tem a ver com a pureza e a ingenuidade de uma criança? Porque ela não é isso. A criança é uma pessoa que já traz em si toda a ambiguidade da vida humana. Se ainda me lembro bem de minha infância, foi nesse período que empreendi muitas ações maldosas, que hoje considero como falhas de caráter: chantagem emocional, trapaças, mentiras cotidianas.
Certa vez, minha mãe deu ordem para não comer os biscoitos. Colocou o pote de biscoitos no alto do armário e foi tirar o seu cochilo depois do almoço. Eu desobedeci sua ordem, escalei o armário e, para minha tristeza, quando estava quase alcançando o pote, o armário veio abaixo quebrando muitas louças.
Isso é ser criança: ser o que se é e contar com a ternura de um cuidado amoroso maternal e paternal, depender de ser corrigido em nosso rumo e estar aberto para a aventura de uma vida nova.
Quando criança, imaginamos o que vamos ser quando crescer, cada descoberta é uma grande aventura e ainda nos abrimos para a experiência da amizade e do conhecimento. O crescimento é que nos traz, com o tempo, a ilusão do autocontrole, da razão suficiente e até da liberdade incondicional. Porém, não nos damos conta de que perdemos o essencial, que é a capacidade de acolhimento e de redirecionamento da vida diante das incertezas.
O convite de Jesus para ser como criança é para redescobrir o encanto de se viver de forma autêntica e de acolher o seu convite amoroso. Ser criança é ser humano em sua forma inicial, inclui a necessidade de se crescer e de amadurecer até a mesma estatura de Cristo, implica tratar de nossas fragilidades com abertura para as possibilidades para a nossa vida.

domingo, 12 de outubro de 2014

Celebrar a vida / Celebrate life / Celebrar la vida

O maior desafio de ser cristão hoje não é enfrentar a oposição de ateus ou seguidores de outras crenças. Não é o embate com grupos de defesa de direitos individuais diante de afirmações morais de grupos fundamentalistas. Não é nem mesmo a rejeição à fé que a secularidade vem promovendo nos meios de comunicação. O maior desafio para ser cristão hoje é a indiferença.
Quando se fala de indiferença, isso está relacionado tanto à maneira como o pensamento contemporâneo trata a questão de Deus, quanto ao modo como cristãos vivem no mundo. Explicando melhor. O mundo atual aprendeu a viver sem a compreensão de Deus como uma hipótese válida para explicar a complexidade da vida. Além disso, ser cristão e não ser cristão hoje envolve uma assimilação de valores seculares que não dá mais para diferenciar o que orienta as escolhas das pessoas.
O apóstolo Pedro disse certa vez: Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção. 1 Pedro 2.12. Parece que esse era um problema também na época do começo do cristianismo. Cristãos que orientam sua vida pelos mesmos valores que uma sociedade secularizada tornam-se indiferentes aos apelos do evangelho para o exercício da missão.
Há alguns que poderão olhar para essa afirmação de Pedro como uma advertência moral, porém o que está em jogo quando o assunto é viver é a capacidade de levar em conta as circunstâncias em que se dá a nossa existência. Talvez isso leve até a pensar que fazer as coisas certas resulta em uma vida melhor e encoraja outros a que façam o mesmo. Entretanto, essa conclusão é precipitada e equivocada.
Viver é uma experiência rara, única. A vida está aí, dada para ser vivida em meio às circunstâncias concretas do mundo, no qual estamos inseridos. É o que nos remete ao sentido do ser-aí – o dasein de Martin Heidegger. Cada um é uma história que está acontecendo e caminha para um final. Isso corresponde a uma angustiante ambiguidade: quando se olha para o futuro, temos uma indeterminação; mas quando olhamos para o passado, vemos o que nos determina e confere significado, de tal modo que a cada passo dado a história se transforma. Por essa razão, Riobaldo – o personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa – dirá: “Moço, viver é muito perigoso”.
Viver é a melhor dádiva que recebemos, e viver de acordo com os propósitos de Deus é fazer dessa dádiva uma oportunidade única de realização pessoal e de encontro. Vivemos melhor quando experimentamos a vida na vida de Deus. Uma vida nessa dimensão desperta o sentido celebrativo. Isso é adoração. É no curso da vida que somos chamados a uma experiência de encontro com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, que nos remete a um encontro com o próximo em missão. E essa é uma vivência que se atualiza e se renova a cada dia, de modo que viver é estar sempre aberto para o novo.
Viver desse modo para o cristão é viver a dispensação da graça. Quando se vive a vida de Deus, descobre-se que não existimos para nós mesmos, mas para o cumprimento da missão. Isso nos remete a um deslocamento, que vai da minha autossatisfação para a realização do encontro, que parte do individualismo para a vida em comunhão. O que nos permite fazer este deslocamento é a fé como experiência individual que se expressa coletivamente. Missão não é oferecer um espetáculo para a admiração de todos, mas ser a comunidade dos que celebram a vida por que a experimentam na fé no Deus vivo.
Isso deve orientar uma nova vida em comunidade, ser a igreja de Deus no mundo. A igreja que não assume a missão de Deus em sua vida comunitária, como sua forma de ser no mundo, torna-se como um clube religioso, fechado em si mesmo, insensível às dores do mundo. Ela pode até ser espetacular em suas celebrações – o que é bom e deve ser sempre buscado e aperfeiçoado – mas será sempre um lugar de fuga, nunca um lugar de esperança e acolhida. Será mais um esconderijo, e não um lugar de descanso para tratar das dores da vida.

domingo, 5 de outubro de 2014

O que falta? / “What do I still lack?” / “¿Qué más me falta?”

“Disse-lhe o jovem: ‘A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda?’”Mateus 19.20
A pergunta do jovem rico a Jesus é a pergunta de toda a humanidade: o que eu posso fazer para ter uma vida melhor? Ela contém duas ideias embutidas: a primeira é a de que por mais que eu conquiste bens na vida, isso nunca será suficiente para uma vida melhor; a segunda é que por mais que eu faça o bem, isso do mesmo modo nunca será suficiente.
O conceito de vida que o jovem traz consigo não corresponde ao aspecto material e circunstancial do viver. Ele pergunta pela vida além da vida, a que excede o biológico e até o existencial. Refere-se à suspeita de que todos nós temos de que há um porvir, o que fortalece a hipótese de que não fomos feitos apenas para uma vida aqui, limitada, entre o nascer e o morrer.
Para essa vida que se abre para o que está além, para o eterno, a humanidade tem tentado se orientar a partir desses dois princípios: o da satisfação material e o do merecimento. De um lado, a sede de se realizar por possuir aquilo que ainda não se tem; de outro, o anseio de fazer o certo para se conseguir o almejado. Ora o pêndulo aponta para um, ora para outro.
Para o moço rico, esses dois princípios não eram suficientes. Por mais rico que fosse e por mais que praticasse os dez mandamentos, ainda lhe faltava alguma coisa. Assim como ele, todos nós temos a ilusão de que a o bem-estar é resultado unicamente de uma conquista pessoal.
Jesus, porém, aponta para um teste de realização: o jovem teria que abrir mão de tudo o que lhe dava segurança para seguir a Jesus.
Um grande desafio. Se você tivesse que escolher hoje deixar tudo o que tem para seguir a Jesus, qual seria a sua decisão? A maior dificuldade das pessoas em entender essa proposta é que seguir a Jesus não é uma alternativa: é a única escolha sensata para uma vida melhor e mais feliz. E a razão dessa minha afirmação é a vida que se baseia no seguimento de Jesus é a única maneira de se alcançar o sentido de realização pessoal.

O jovem rico saiu triste. Possivelmente ainda não estivesse preparado para essa decisão. Ele é um retrato fiel das escolhas que fazemos. É muito mais fácil você se ocupar acumulando bens ou cumprindo uma agenda de boas maneiras e boas atitudes do que fazer os ajustes na vida para seguira a Jesus. Porém, não há nada que nos realize mais do que viver de acordo com os seus ensinos. Garanto.

domingo, 28 de setembro de 2014

Poder / Power / Poder

“Não será assim entre vocês. [...]” Mateus 20.26
Onde está aquele Jesus que questiona as estruturas dominantes que causam desigualdade e injustiça? A relação da cristandade com o poder tem produzido seus encantos e não falta quem deseje a implantação de um sistema político dominado pela fé cristã.
São dois grandes equívocos da relação entre fé cristã e política: um, o de confundir poder com sistemas de poder; outro, de confundir a mensagem de justiça que brota do evangelho com a implantação de uma estrutura política. O resultado desses equívocos é um só: desconhecer as causas reais que provocam toda forma de injustiça e desigualdade social no mundo.
Jesus teve a oportunidade de tratar disso quando a mãe de dois dos seus discípulos o procurou para fazer um pedido inusitado. Ela queria garantir uma vida estável e confortável para seus filhos no reino de justiça que Jesus veio implantar. Porém, a lógica do evangelho é outra: menos é mais e poder significa influência.
Jesus reconheceu que era legítimo o direito dos discípulos serem tratados como o seu mestre. Então, que seja assim. Se alguém quiser ser o maior, que seja o menor; se alguém quer ser o primeiro, que seja o último, se alguém quer ser servido, que seja o servo de todos; se alguém quer ganhar a vida, que a perca por amor a Jesus; se alguém quer ser perdoado, que aprenda a perdoar; e se alguém tiver vergonha disso, será envergonhado.
A maior lição de relações de poder dentro do cristianismo foi dada a partir de uma toalha e uma bacia. Isso é completamente diferente do que a cristandade construiu desde a aproximação do poder romano com os cristãos lá pelos idos do século IV.
O reino de Deus não precisa de uma estrutura de poder para produzir seus efeitos. Ele já é a manifestação do poder de Deus entre os homens, que precisa ser sinalizado historicamente através dos atos de justiça e compaixão dos que tomam parte dele. Ao contrário, as estruturas humanas de poder estão contaminadas por fatores que não se coadunam com a boa notícia do Reino. Os sistemas de poder são exercidos por um jogo de dominação, por uma estratégia de persuasão e por técnicas de controle.

O evangelho é a graça de Deus que chega aos homens em amor, que acolhe o mais indigno, fortalece o mais vulnerável e exalta o que fora humilhado. Não tem como misturar as coisas, nem como regatear a alegria da graça com qualquer proposta política de mudança da conjuntura atual. A boa nova do Reino é o único modo de mudar a realidade, porque transforma a vida de quem a acolhe por dentro.

domingo, 21 de setembro de 2014

Interesse / Interest / Interés

“[...] Alguém tocou em mim [...]” Lucas 8.46
Onde está aquele Jesus que se interessa por pessoas desprezadas? E como há gente desprezada no mundo! A notícia boa é que Jesus se importa com cada uma delas. O problema é fazer com que elas saibam disso.
Tem gente desprezada por causa de suas condições de saúde, de sua classe social, de sua formação, da cor da sua pele, de suas preferências políticas e até de sua orientação sexual. Todas desprezadas por causa de um padrão moral vigente que exclui o diferente e rejeita aquilo que põe em risco os que se acham “normais”.
A mulher com um fluxo de sangue é um arquétipo desse tipo de gente. Viveu anos se escondendo dos outros, tratada como imunda por todos. Um dia, soube que Jesus iria passar em algum lugar perto. Deve ter se banhado e se perfumado para esconder o odor. Deve até ter usado roupas diferentes para se parecer normal. Tudo para ver Jesus, sua última esperança de encontrar alguém que se importasse com sua condição. Só não conseguiu deixar de andar encurvada por causa da vergonha e do medo que carregava dentro de si.
Quando se aproximou de Jesus, mais uma barreira: como chegar mais perto, se ele está cercado de tanta gente que nem precisa dele? Se ao menos pudesse tocar, nem que fosse na beiradinha de sua roupa, isso já valeria como um abraço caloroso cheio de amor. Foi o que tentou fazer. Esforçou-se, espremeu-se entre a multidão, e o tocou.
A surpresa da história não é o esforço da mulher, embora isso fosse tão expressivo, mas o fato de Jesus ter percebido aquele único toque, em meio a tantas mãos e gestos e contatos. Um único toque era tudo o que interessava a Jesus. “Quem me tocou de forma tão viva e vibrante que deu para mobilizar todo o poder de Deus?”
A pergunta de Jesus implicava o seu grau de interesse por pessoas. Basta que você se dirija a ele, para que toda a sua graça esteja a sua disposição, com vivo interesse. Basta um simples gesto, nem que seja como um toque na beirada da roupa, para que o Senhor se volte para você e lhe demonstre todo o seu amor. Antes que você esteja interessado na bênção dele, ele já está interessado em você há muito mais tempo.

domingo, 14 de setembro de 2014

Acolhida / Accepting / Acogiendo

“Portanto, eu lhe digo, os muitos pecados dela lhe foram perdoados, pelo que ela amou muito. Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama.” Lucas 7.47
Onde foi parar aquele Jesus que aceita o perfume de uma prostituta? Essa pergunta nos incomoda porque expõe a quantidade de preconceitos e moralismos que fazem parte de nossa compreensão evangélica. Sim, somos herdeiros de uma tradição preconceituosa e moralista que culpabiliza o outro a partir de valores que escolhemos para nossa conduta.
Não resta a menor dúvida de que esses valores são nobres, bíblicos e até necessários para uma vida mais digna. Porém, o problema está em esperar que aqueles que não professam a mesma fé e que são diferentes em termos de formação desenvolvam as mesmas atitudes que acreditamos.
Na ocasião em que aceitou o perfume de uma prostituta, Jesus estava na casa de um religioso, cumpria as formalidades da vida social. Tudo parecia normal até que a mulher pecadora foi ao encontro de Jesus, por trás, e chorou aos seus pés. Suas lágrimas eram tantas que precisou enxugá-las com seus cabelos. Depois, beijou e ungiu os pés de Jesus com um perfume caríssimo.
Incompreensível atitude até para um sábio fariseu. Jesus precisou contar uma história de pessoas que devem muito. Afinal, só sabe o que é perdão quem tem uma dívida muito alta. Só sabe o que é ser bem recebido quem já foi muito rejeitado. Só sabe dar valor a uma pequena conquista quem muito perdeu.
É dessa maneira que Jesus nos acolhe. E é só compreendendo quem fomos que podemos valorizar o quanto ele nos ama.

domingo, 7 de setembro de 2014

“Vem e vê”: o custo do discipulado / “Come and see”: The cost of discipleship / “Venid y ved”: El costo del discipulado

“[...] Venham e verão [...]” João 1.39
André foi o primeiro discípulo a quem Jesus chamou, por isso é conhecido pela tradição cristã como “protocletos”. Era um homem cheio de vontade de ter uma vida mais próxima de Deus. Foi um dos discípulos de João Batista, juntamente com João, aquele mesmo que se tornaria um dos evangelistas.
A maneira como encontrou-se com Jesus pela primeira vez despertou seu interesse pelo Salvador. O convite de Jesus foi simples: “Vem e vê”. André assumiu o custo do discipulado de forma integral. Sua primeira atitude foi encontrar seu irmão Pedro para dizer que havia encontrado o Messias e para conduzi-lo até Jesus.
André tornou-se um grande evangelista e líder da igreja cristã. Sua ação missionária se estendeu à região que compreende hoje a Romênia e a Rússia. Sua visão missionária o conduziu a estabelecer a sede de sua missão em Bizâncio, que depois viria a ser a sede do império romano com o nome de Constantinopla, atual Istambul.
Ele assumiu o testemunho de Jesus Cristo até as últimas consequências. Morreu atado a uma cruz, martirizado, na cidade de Patras, região grega de Acaia. Seu nome é ainda lembrado como patrono na Escócia, na Ucrânia, na Romênia, na Sicília e em Istambul. Sua vida fala até hoje.

Até que ponto estamos dispostos a assumir o custo de seguir a Cristo? As consequências dessa decisão são imprevisíveis. De uma coisa podemos ter certeza: uma vida que se dispõe a assumir o custo do discipulado de forma radical faz a diferença e é disso que o mundo precisa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O modelo de discipulado de Jesus / The Jesus model of discipleship / El modelo de discipulado de Jesús

A maneira como Jesus investiu na formação de seu movimento não tem a ver com um projeto de poder, mas com o discipulado. O maior equívoco do cristianismo foi o de tentar criar um reino de justiça e fé em meio a uma sociedade corrompida e perversa, sem a ação transformadora do evangelho na vida das pessoas. Tentar colocar ordem num mundo caótico, por entender que está distante dos propósitos de Deus, não corresponde à missão dada por Jesus. Ele não comissionou pessoas a defenderem uma ideologia de poder, mas para serem testemunhas da graça divina, que nos acolhe e nos transforma em novas criaturas. Isso não se limita à formação de uma nova estrutura política e social, mas à restauração da humanidade em nós.
Para isso, Jesus se ocupou com duas áreas de atuação: como tornar-se um discípulo e como fazer discípulos. O modelo de Jesus para o discipulado é, portanto, relacional e intencional. Isso envolve quatro aspectos:
a) Em primeiro lugar, somos desafiados para uma nova vida, a viver uma nova realidade. Por isso somos transformados em nosso caráter, em nosso modo de pensar e na maneira como vemos o mundo. Isso demanda uma intencionalidade no discipulado.
b) Em segundo lugar, Jesus nos encoraja a uma vida de intimidade com Deus e para sermos mais sensíveis à sua vontade. Sua presença entre nós nos restaura e nos cura. Isso nos estimula a uma celebração apaixonada e apaixonante.
c) Em terceiro lugar, ele também nos convoca para a vida em comunidade, o que demonstra o quanto somos amados e valorizados. Isso desperta uma atitude mais acolhedora.
d) E, em quarto lugar, ele ainda nos capacita para testemunhar e a servir. Temos a missão de sinalizar o Reino de Deus no mundo. Isso nos leva a uma ação em favor das pessoas mais vulneráveis.
Por que Jesus se preocupou com isso? Primeiramente, por reconhecer que a única forma que temos para alcançar o mundo todo é através do relacionamento interpessoal. Cristãos não se reproduzem automaticamente, o que corresponde ao fato de que todos nós precisamos ser ajudados para chegar à maturidade. Nesse sentido, o discipulado é a melhor ferramenta para a formação de lideranças e de pessoas que são capazes de influenciar outras. Como uma relação intencional entre pessoas, o discipulado tem um baixo custo de implantação, pois se baseia unicamente no relacionamento.
Os primeiros discípulos compreenderam esse modelo de forma muito clara e o aplicaram no começo de sua caminhada como igreja no mundo. Logo de início, os primeiros discípulos foram reconhecidos como pessoas que estiveram com Jesus por causa de sua atitude: Vendo a coragem de Pedro e de João, e percebendo que eram homens comuns e sem instrução, ficaram admirados e reconheceram que eles haviam estado com Jesus. Atos 4.13.
O resultado da aplicação desse modelo no seguimento de Jesus contribuiu decisivamente para o aumento do número de cristãos desde o início. Esse é o modo como o livro de Atos relata: “E divulgava-se a palavra de Deus, de sorte que se multiplicava muito o número dos discípulos [...]” Atos 6.7 (ARA).
Ser e fazer discípulos é o modelo de Jesus. Isso vale para nossos dias para quem segue seus ensinos. E esse é o fator preponderante para a multiplicação do número daqueles que são alcançados pela graça e têm suas vidas transformadas.

domingo, 31 de agosto de 2014

Espiritualidade contemporânea / Contemporary spirituality / Espiritualidad Contemporánea

“Por isso digo: vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne.” Gálatas 5.16
Espiritualidade é vida no Espírito. Isso implica orientar a vida toda na direção do Espírito de Deus. É muito mais uma condição humana, que envolve toda a nossa humanidade. Veja alguns modos que a espiritualidade tem tomado forma na contemporaneidade:
Há uma espiritualidade ascética – que busca, através de exercícios espirituais, dobrar o corpo para disciplinar o espírito.
Uma espiritualidade de mercado – que transforma a fé num produto de consumo.
Uma espiritualidade ao portador – com baixo comprometimento social e alto individualismo.
Uma espiritualidade de adesão radical – sob a forma de fundamentalismo.
Uma espiritualidade de rede social – como desejo de autoafirmação, seguindo formas de autoajuda.
Uma espiritualidade engajada – preocupada com as grandes ameaças globais.
Uma espiritualidade alienada – que busca experiências de transes.
Uma espiritualidade politizada – que visa implantar o Reino de Deus na Terra.
Uma espiritualidade humanizadora – que procura atender as necessidades da pessoa humana de forma integral.

De todas essas formas, sou mais simpático e busco desenvolver uma espiritualidade que me leve mais próximo do propósito de Deus, de tal modo que o que mais importa são as atitudes que assumimos diante dos conflitos da vida.

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