segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Plenitude de vida: o segredo do sucesso / Fullness of life: the secret of success / Plenitud de vida: el secreto del éxito

Pois lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” (João 17.2).

Qual o segredo do sucesso? O que as pessoas são capazes de fazer para alcançar o sucesso? Não há respostas prontas para essas perguntas. Os antigos se perguntavam pela vida boa e entendiam que a conquista do bem estar implica muitas escolhas e esforços. O sucesso, portanto, sempre esteve atrelado à ética e à nossa conduta em relação aos outros e o meio em que vivemos.

A palavra “sucesso” vem do latim succedere, que lembra um acontecimento passado, embora seja empregada para as nossas aspirações futuras. Você só saberá se realmente chegou ao sucesso depois que tiver chegado lá.

O sucesso não tem a ver com o ter, mas com o ser. Tem a ver com a realização pessoal a partir de uma vida bem-sucedida em todos os aspectos, não só o financeiro. Trata-se de uma condição resultante de uma jornada de vida que não depende unicamente de cada um. Quem constrói uma vida bem-sucedida assim encontrou a verdadeira felicidade e a alegria de viver.

Esse foi o propósito de Jesus: orientar a humanidade a empreender uma caminhada em busca da vida bem-sucedida. Ele foi o maior mestre de vida que o mundo já conheceu. Ele teve autoridade para apontar caminhos para um novo modo de vida marcado pela dignidade de todos e todas que colocam em prática seus ensinos.

Os discursos de Jesus sobre plenitude de vida e vida eterna apontam para o fato de que ele veio trazer novo sentido para a vida. O significado de eterno em grego não quer dizer uma vida longa, muito menos uma vida sem fim. A palavra ayon traz consigo a ideia de uma época ou era. A vida eterna é a era dominada para o que está além da temporalidade, da finitude, das fronteiras que estabelecemos ao longo de nossa existência e que destroem nossas relações com o outro, com Deus, com a criação e conosco mesmo.

Plenitude, florescimento e realização pessoal são as marcas de sucesso que estão presentes nos ensinos de Jesus. É o que ele tem para dar a todos aqueles que o seguem. Ele garante: “Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna” (João 6.47). E o discípulo amado testifica: “E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho” (1 João 5.11).

Vida eterna é vida doada por Jesus como um dom. Ao falar de um novo modo de viver, Jesus não estava preocupado com a imortalidade ou com a vida além da morte, mas como um modo de ser que corresponda ao ideal de Deus para toda a criação. Ele não estava propondo uma espécie de pedra filosofal que proporcionasse rejuvenescimento ou um estado de iluminação celestial.

Jesus não se preocupou em descrever o que vem a ser de fato a vida eterna. Apenas afirmou que ela é uma dádiva a todo o que crê, que concede libertação de todas as formas de aprisionamento a uma vida distante dos propósitos divinos. Receber essa dádiva é abrir-se para a vida em sua plenitude: “Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (João 5.24).

Vida eterna é vida de acolhimento da oferta amorosa do cuidado divino, é vida desfrutada na presença de Deus, de satisfação, de comunhão, de encorajamento e de santidade. Essa vida é uma promessa a todos os que creem como uma realidade concreta no mundo. Vida eterna é, em última instância, a graça divina realizada plenamente na vida daquele que acolhe o convite amoroso do Senhor, quem diz “sim” ao “vinde a mim” de Jesus.

Essa é a vida que vale a pena ser vivida.



sábado, 19 de novembro de 2022

Racismo e Reforma Protestante / Racism and Protestant Reformation / El racismo y la Reforma Protestante

O protestantismo assistiu a história da escravidão negra com um misto de crítica, de passividade e de silenciamento em relação às práticas que produziram toda sorte de desumanidade, genocídio e preconceito. Poderíamos afirmar que os vínculos com o racismo são históricos, quer seja por uma relação conivente com a formação do discurso racista, quer seja pela omissão em seu combate, quer seja pela sua validação.

Embora teólogos como John Wesley tratassem a escravidão como uma aberração, não foram poucos que encontravam justificativas bíblicas para a dominação, assim como não foram poucos os líderes religiosos que se calaram diante da violência contra indígenas e negros, tanto na América Latina quanto na África.

A escravidão negra foi um empreendimento global levado a efeito, sobretudo, a partir do interesse de nações de base protestante, como a Alemanha, a Holanda, a Dinamarca e a Inglaterra. Entretanto, a efetivação de seu emprego se deu a partir das colônias controladas por nações católicas e protestantes, incluindo-se a França, a Espanha e Portugal.

Para entender a dinâmica do racismo em meio às teses reformistas de liberdade e de afirmação dos princípios das Escrituras que proclamam a universalidade da condição humana, é preciso levar em conta o que estava por trás de toda argumentação. Podemos apontar três questões teológicas que afetam a relação do protestantismo e a escravidão negra.

A primeira questão é de natureza antropológica: o que é o ser humano? É preciso observar o modo como a cultural ocidental desenvolveu a identificação do negro como pessoa de segunda categoria, com limitações intelectuais e espirituais. O Vaticano levou quase dois séculos discutindo se o indígena na América Latina poderia ser considerado como ser humano. Ainda no século XIX, antropólogos funcionalistas discutiam se os negros do Sul da África eram algum elo perdido no desenolvimento do Homo Sapiens.

A segunda questão é de natureza política: o que é colonização? O processo de colonização é uma invenção do capitalismo moderno, como base no liberalismo econômico, que definia os territórios conquistados como propriedade dos conquistadores. A colonização foi definida por três construtos ocidentais: o capitalismo, o patriarcado e o cristianismo.

E a terceira é de natureza moral: o que é pecado? A partir da ideia de que não há pecado ao sul da linha do equador, houve uma licença para toda sorte de exploração, dominação e extermínio dos povos originários dos territórios conquistados. Primeiramente com a lógica do escravagismo, que define o trabalho como castigo e punição. O trabalho é para negros. Quem não se submete ao trabalho servil é indolente e preguiçoso. Aos brancos, porém, cabe serem sustentados pelo Estado. Posteriormente, essa mentalidade se converteu em cerceamento dos direitos do trabalho e supervalorização do rentismo.

A relação entre protestantismo e escravidão envolve as perspectivas políticas e econômicas que sustentam o racismo, a intolerância às religiões de matriz africana, o preconceito e violência contra a mulher e a rejeição das pautas que colocam em risco a hegemonia branca e ocidental.

O supremacismo branco, o racismo, a xenofobia e outras intolerâncias e preconceitos que neguem, anulem ou apaguem a diversidade humana são incompatíveis com a mensagem do evangelho. Quando a Bíblia afirma que Deus amou o mundo de tal maneira, isso implica compreender cada pessoa em sua condição, respeitando a beleza da multiforme condição humana.

O caminho do pluralismo e do respeito à diversidade reclama um diálogo a partir das epistemologias do Sul, que implica a decolonização de todo o saber que dá validação à intolerância e ao racismo, que resgate os valores dos povos originários da América Latina e das comunidades tradicionais formadas pelos povos africanos.

Foto: Estadão, 2015.

(Texto apresentado durante a Consulta Teológica FTL Brasil “Revisitando a Reforma Protestante desde a América Latina”, em 19/11/2022).

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails