Todos nós
fazemos parte de uma teia de vida, maravilhosamente complexa e única, que foi
criada pelas mãos de Deus. Essa é a ideia que tem mobilizado cristãos para
interceder por um mundo mais sustentável e justo, onde todos possam viver de
modo digno e ainda venhamos garantir às gerações futuras as mesmas condições de
existência que hoje temos.
Vivemos hoje
uma realidade desconcertante: a crise ambiental que coloca em risco a vida no
planeta e que tem como causa principal a ação do próprio homem. Essa crise tem
cinco sintomas: (1) a biodiversidade vem sendo reduzida; (2) os ecossistemas vêm
sendo destruídos; (3) os recursos naturais renováveis estão sendo esgotados;
(4) a poluição tem aumentado; e (5) há um maior risco de desastres ambientais
provocados pela ação do homem. Essa crise é resultado de uma desarticulação
entre os processos cíclicos da vida na natureza e as técnicas de extração,
transformação e emprego dos recursos que ela oferece. E a causa é clara: é
preciso dar conta da demanda de consumo de uma sociedade cada vez mais exigente
em termos de bem-estar, segurança e padrões de beleza e saúde.
Dentre as
consequências da crise que vêm sendo apontadas por vários estudiosos da questão
ambiental, duas são alarmantes. A primeira é que o planeta não dispõe de
recursos naturais suficientes para atender à necessidade de todas as pessoas,
conforme o hábito de consumo que a sociedade industrial e do capital
desenvolveu. Se as pessoas mais pobres consumirem o mesmo que os mais ricos,
serão necessários pelo menos mais dois planetas como o nosso. O segundo é que a
vida humana na Terra está em risco de extinção, por conta do aquecimento
global, que já se pode ser sentido com os vários efeitos de desequilíbrio nas
geleiras e camadas polares, nos cumes das cordilheiras, nos grandes biomas como
a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga e Mata Atlântica, entre outros no nosso país
e também no mundo.
Diante desse
quadro de crise, surge a necessidade de se pensar a vida a partir de paradigmas
distintos daqueles que levaram a humanidade ao caos ecológico que nos
deparamos. O teólogo brasileiro Leonardo Boff, em seu livro Ecologia: grito da terra, grito dos
pobres, entende que é preciso compreender a Terra como um organismo dinâmico e
complexo, que possui identidade e harmonia. Para isso, surge a necessidade de
se formar um novo paradigma, que supere a lógica da razão instrumental, e se
valorize mais uma razão simbólica e cordial, que envolve todos os nossos
sentidos e sentimentos, que aponta para uma atitude de encantamento e que
desperte a gratidão por ser parte de uma totalidade de vida.
Esse cuidado
com a vida remete a um conjunto integrado de ações, que deve envolver uma
dimensão científica que seja capaz de compreender o impacto da ação humana
sobre o meio ambiente, uma dimensão política que estabeleça políticas públicas
e princípios de governança vinculados a compromissos globais, uma dimensão
ética que seja capaz de questionar nossas ações humanas diante das condições de
vida no planeta e o enfrentamento responsável dessa crise, e uma dimensão de
espiritualidade que aponte para a fé e a esperança de que seremos capazes de
juntar esforços para cuidarmos de nossa casa comum e de superarmos os grandes
obstáculos que estão no meio do caminho.
Em meio a uma diversidade
de formas de vida, há também uma diversidade de culturas que nos ajuda a
compreender a humanidade como uma família que convive numa mesma comunidade
cósmica enfrentando os mesmos desafios e caminhando para um destino comum. Tudo
isso precisa ser amado e cuidado a fim de que seja possível florescer a vida em
sua plenitude em todos os seus aspectos. Uma das formas de se fazer isso é
resgatar o sentido bíblico da criação, na metáfora do cuidado com o jardim já
presente no Gênesis.
A crise
ambiental destrói a diversidade das condições de vida na Terra. A perda da
biodiversidade está vinculada também às condições de pobreza, visto que são os
pobres e migrantes que mais sentem os efeitos da ruína dos sistemas naturais
que sustentam a vida. Para estancarmos essa tragédia, precisamos dar um sim à
vida. Isso implica compreendermos que toda a forma de vida assim como todo modo
como ela se manifesta é criação divina. Deus ama a diversidade, por isso criou
a natureza desse modo. Temos uma dupla tarefa no cuidado com a vida: devemos
respeitar a diversidade como também temos a responsabilidade de preservá-la. E
pessoas que afirmam amarem a Deus devem demonstrar o seu amor pela sua criação.
Uma espiritualidade que cuida da criação começa por compreender a natureza e
culmina em colocar-se a serviço da vida em sua diversidade como o mundo criado
e amado por Deus.
A Bíblia
começa dizendo que Deus reconheceu que tudo na criação foi “muito bom”. Cada
espécie foi cuidadosamente criada e reflete aspectos do cuidado divino com a
vida. Quando uma pequena criatura, por menor que seja, é extinta, desaparece
também a chance de contemplarmos a riqueza do amor de Deus por sua criação.
Cristãos de um modo geral têm o dever moral de dar uma resposta a essa crise
ambiental, como expressão de justiça e de zelo pela dignidade da vida em toda
sua complexidade e especificidade, como parte da missão.