segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Recomeçar / Restart / Volver a empezar

 

Recomeçar é uma decisão que implica coragem e disposição. Embora seja da natureza a sua renovação, começar de novo, tentar outra vez ou ter uma segunda chance são oportunidades que envolvem a nossa condição humana de estar aberto para novas possibilidades, mesmo quando enfrentamos fracassos, perdas ou derrotas.

A letra da música escrita por Paulo Vanzoline em 1962, eternizada na voz de Maria Betânia e de outros cantores, lembra a gente disso: “Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. A decisão de recomeçar, porém, não é fácil. É preciso encarar a dor, o medo e até a solidão que marcaram a destruição de um sonho, de um projeto, de um relacionamento e de uma trajetória de conquistas que precisam ser recomeçados.

Na natureza, as árvores precisam perder suas folhagens para poderem florescer. Muitas vezes, no processo de recomeçar, é preciso abrir mão de determinadas condições para que possamos experimentar a vida de outro modo. Trata-se de um tempo para rever nossos valores, nossas estratégias, nossos conceitos e até os nossos propósitos. O maior equívoco que se pode ter é tentar fazer a mesma coisa outra vez cometendo os mesmos erros.

O pensamento humano está repleto de ideias sobre recomeços, como uma lei do próprio universo em que tudo se renova como um ciclo na perpétua manutenção da vida. Por isso, recomeçar é revigorante, traz em si uma sensação de liberdade e de abertura para o que está adiante. É como uma disposição para seguir em frente e experimentar novas possibilidades de se realizar.

Nas religiões orientais, como no hinduísmo e zen-budismo, fala-se dos ciclos da vida. O tempo não é linear, é cíclico e se repete constantemente. A circularidade da vida é marcada pelo eterno retorno, como um renovar constante.

Na mitologia grega, encontramos o mito de Sísifo, um personagem controverso que era capaz de enganar os próprios deuses e a morte. Quando morreu, sua alma foi considerada rebelde e condenada a rolar por toda a eternidade uma enorme pedra de mármore até o cume de uma montanha. O problema era que, toda vez que estava quase chegando ao topo, a pedra rolava montanha abaixo de volta ao início. E Sísifo tinha que reiniciar o esforço de levá-la para cima.

Albert Camus viu no mito de Sísifo a representação da existência humana na busca do sentido da vida, mas que se depara com um mundo ininteligível, dominado por crenças e ideologias. Diante da falta de sentido para a vida, a melhor solução não deveria ser o suicídio, mas a capacidade de se revoltar.

Na Filosofia, desenvolveu-se a noção de Eterno Retorno para se referir ao fato de que toda existência é marcada pela recorrência. Esse conceito já se encontrava presente em Heráclito e nos pitagóricos, pensadores pré-socráticos no século V AEC, e também no estoicismo. Friedrich Nietzsche, porém, elaborou a teoria do Eterno Retorno para indagar se seríamos capazes de suportar uma vida em que nossas experiências de prazer e dor pudessem se repetir eternamente. Essa condição serve como um desafio ético para que possamos desejar viver de maneira digna e a nos conduzir a uma reflexão mais profunda sobre os valores que norteiam a vida.

A Bíblia também fala de recomeços. No livro de Eclesiastes, encontramos essa afirmação: O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1.9). Esse texto traz consigo a ideia de que, apesar de todas as mudanças que a vida possa experimentar, permanecemos os mesmos. O profeta Jeremias lembra que a misericórdia divina se renova para continuar sempre ao alcança daqueles que Deus ama:Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade!” (Lamentações 3.22,23).

A mensagem bíblica nos lembra de que recomeçar é uma possibilidade até mesmo para os que podem ser considerados justos: Pois ainda que o justo caia sete vezes, tornará a erguer-se, mas os ímpios são arrastados pela calamidade” (Provérbios 24.16). E diz ainda que Deus não se encontra alheio aos recomeços: O Senhor ampara todos os que caem e levanta todos os que estão prostrados” (Salmos 145.14).

Os evangelhos apresentam a mensagem de Jesus que propõe uma nova oportunidade de vida a partir do seguimento de seu exemplo e da prática de seus ensinos. O Novo Testamento nos diz que Deus está preparando novos céus e nova terra. Por isso: Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (2 Pedro 3.13).

O poeta Roberto Gaefke registrou: “Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo… É renovar as esperanças na vida e, o mais importante: acreditar em você de novo” (esse texto, que também se chama “Faxina da alma”, tem sido atribuído a Carlos Drummond de Andrade por engano). A vida é um eterno recomeço. Pode ser um novo dia que se inicia, um novo mês, um novo ano, uma nova descoberta, um novo relacionamento, um novo emprego. Enfim, a vida está em aberto, só precisamos nos permitir tentar mais uma vez, fazer de outro modo, acreditar nas novas possibilidades.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O anúncio do primeiro Natal: Esperança, alegria e paz para toda a humanidade / The announcement of the first Christmas: Hope, joy and peace for all humanity / El anuncio de la primera Navidad: Esperanza, alegría y paz para toda la humanidad

A primeira experiência de anúncio do nascimento de Jesus aconteceu de uma forma extraordinária: criaturas celestiais apareceram a pessoas humildes. A narrativa desse episódio encontra-se em Lucas 2.1-14 como parte do registro histórico do nascimento do menino Jesus. Nesse texto, dos versículos de 1 a 7, Lucas faz um relato objetivo sobre os episódios em torno do evento. Nos versículos de 8 a 14, encontra-se o relato de como se deu o primeiro anúncio desse acontecimento que mudou a história da humanidade.

O anúncio começa com a visita de um mensageiro especial e culmina com o canto conhecido como Gloria in Excelsis. A presença do anjo anunciador é acompanhada do resplendor da glória de Deus, o que conferiu ao anúncio do evento um grande significado.

A figura dos anjos na Bíblia é sempre envolta por mistérios. Eles são tratados como mensageiros de Deus aos homens. A presença do anjo é marcada pela relação entre luz e trevas: a glória divina resplendece em meio à escuridão da noite, como uma metáfora da luz divina que invade em meio às trevas humanas. Os pastores eram gente do povo, cuja profissão era considerada imunda pela tradição religiosa. Eles eram desprezados e nem podiam servir de testemunha em julgamentos.

Assim Lucas conta como isso se deu: E aconteceu que um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor resplandeceu ao redor deles [...]” (Lucas 2.9). A notícia do Natal foi dada primeiramente por criaturas dotadas de uma extraordinária capacidade de relação com Deus, e foi destinada a gente desprezada e excluída, para pessoas que não eram consideradas dignas para a sociedade.

O anúncio do Natal foi feito a partir de três mensagens simples e objetiva. A primeira mensagem do Natal é: “[...] Não tenham medo [...]” (Lucas 2.10), que remete ao fato de que o anúncio do nascimento de Jesus traz a força que vence o medo, a esperança que vence a angústia. A segunda mensagem é: “[...] Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria [...]” (Lucas 2.10). Lembra-nos que esse anúncio renova o ânimo e restaura a alegria de quem se encontra excluído e marginalizado. E a terceira mensagem é: “[As boas novas de grande alegria] são para todo o povo” (Lucas 2.10), para deixar bem claro que o anúncio é para toda a humanidade.

A boa notícia de grande alegria é que o Salvador nasceu como um de nós, ele se fez nosso irmão, gente como a gente. O eterno se fez história. O sobrenatural se tornou parte da criação. O transcendente agora está presente entre nós. Assim o anjo proclamou: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2.11).

Ao anunciar o nascimento de Jesus, o anjo concedeu a ele três títulos: o de Salvador, que lembra a obra restauradora de Deus para quem se encontra perdido; o de Cristo, que se refere ao ungido de Deus, o Messias prometido, aquele que vem cumprir a missão de Deus; e o de Senhor, que é o título atribuído ao próprio Deus em toda a Escritura.

Havia também um sinal para a checagem de que aquela notícia era verdadeira, com representações humanas e simples: “[...] encontrarão o bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lucas 2.12). O Deus todo-poderoso se fez frágil como uma criança, carente de cuidado e acolhida.

Em seguida a esses acontecimentos, um coro angelical entoa um hino contendo três versos breves. Esse hino é uma exaltação a Deus pela obra redentora, que se dá a partir da pessoa de Jesus Cristo. Eles cantaram: Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu favor” (Lucas 2.14).

Os versos desse hino angelical falam de três aspectos da revelação de Deus em Cristo. O primeiro é o fato de que o Natal é a lembrança do Deus que vem a nós. A essência do Natal é a encarnação de Deus em Cristo. O segundo é o fato de que o Natal é um convite para que todos nós possamos experimentar a paz. A salvação consiste na libertação de tudo aquilo que nos oprime, nos aflige e nos distancia de Deus. E o terceiro tem a ver com o fato de que o Natal é uma proposta de nova vida como pessoas. A mensagem da salvação restaura a alegria e a esperança, renova as nossas forças para seguir em frente.

O Natal tem uma mensagem viva para toda a humanidade, de que Deus se importa conosco, mesmo sendo humildes e desprezados. Foi para isso que a graça foi revelada, para dizer para todos e todas que é possível experimentar a vida de outro modo, como nova criação, a partir da relação e compromisso com a pessoa de Jesus.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Plenitude de vida: o segredo do sucesso / Fullness of life: the secret of success / Plenitud de vida: el secreto del éxito

Pois lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” (João 17.2).

Qual o segredo do sucesso? O que as pessoas são capazes de fazer para alcançar o sucesso? Não há respostas prontas para essas perguntas. Os antigos se perguntavam pela vida boa e entendiam que a conquista do bem estar implica muitas escolhas e esforços. O sucesso, portanto, sempre esteve atrelado à ética e à nossa conduta em relação aos outros e o meio em que vivemos.

A palavra “sucesso” vem do latim succedere, que lembra um acontecimento passado, embora seja empregada para as nossas aspirações futuras. Você só saberá se realmente chegou ao sucesso depois que tiver chegado lá.

O sucesso não tem a ver com o ter, mas com o ser. Tem a ver com a realização pessoal a partir de uma vida bem-sucedida em todos os aspectos, não só o financeiro. Trata-se de uma condição resultante de uma jornada de vida que não depende unicamente de cada um. Quem constrói uma vida bem-sucedida assim encontrou a verdadeira felicidade e a alegria de viver.

Esse foi o propósito de Jesus: orientar a humanidade a empreender uma caminhada em busca da vida bem-sucedida. Ele foi o maior mestre de vida que o mundo já conheceu. Ele teve autoridade para apontar caminhos para um novo modo de vida marcado pela dignidade de todos e todas que colocam em prática seus ensinos.

Os discursos de Jesus sobre plenitude de vida e vida eterna apontam para o fato de que ele veio trazer novo sentido para a vida. O significado de eterno em grego não quer dizer uma vida longa, muito menos uma vida sem fim. A palavra ayon traz consigo a ideia de uma época ou era. A vida eterna é a era dominada para o que está além da temporalidade, da finitude, das fronteiras que estabelecemos ao longo de nossa existência e que destroem nossas relações com o outro, com Deus, com a criação e conosco mesmo.

Plenitude, florescimento e realização pessoal são as marcas de sucesso que estão presentes nos ensinos de Jesus. É o que ele tem para dar a todos aqueles que o seguem. Ele garante: “Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna” (João 6.47). E o discípulo amado testifica: “E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho” (1 João 5.11).

Vida eterna é vida doada por Jesus como um dom. Ao falar de um novo modo de viver, Jesus não estava preocupado com a imortalidade ou com a vida além da morte, mas como um modo de ser que corresponda ao ideal de Deus para toda a criação. Ele não estava propondo uma espécie de pedra filosofal que proporcionasse rejuvenescimento ou um estado de iluminação celestial.

Jesus não se preocupou em descrever o que vem a ser de fato a vida eterna. Apenas afirmou que ela é uma dádiva a todo o que crê, que concede libertação de todas as formas de aprisionamento a uma vida distante dos propósitos divinos. Receber essa dádiva é abrir-se para a vida em sua plenitude: “Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (João 5.24).

Vida eterna é vida de acolhimento da oferta amorosa do cuidado divino, é vida desfrutada na presença de Deus, de satisfação, de comunhão, de encorajamento e de santidade. Essa vida é uma promessa a todos os que creem como uma realidade concreta no mundo. Vida eterna é, em última instância, a graça divina realizada plenamente na vida daquele que acolhe o convite amoroso do Senhor, quem diz “sim” ao “vinde a mim” de Jesus.

Essa é a vida que vale a pena ser vivida.



sábado, 19 de novembro de 2022

Racismo e Reforma Protestante / Racism and Protestant Reformation / El racismo y la Reforma Protestante

O protestantismo assistiu a história da escravidão negra com um misto de crítica, de passividade e de silenciamento em relação às práticas que produziram toda sorte de desumanidade, genocídio e preconceito. Poderíamos afirmar que os vínculos com o racismo são históricos, quer seja por uma relação conivente com a formação do discurso racista, quer seja pela omissão em seu combate, quer seja pela sua validação.

Embora teólogos como John Wesley tratassem a escravidão como uma aberração, não foram poucos que encontravam justificativas bíblicas para a dominação, assim como não foram poucos os líderes religiosos que se calaram diante da violência contra indígenas e negros, tanto na América Latina quanto na África.

A escravidão negra foi um empreendimento global levado a efeito, sobretudo, a partir do interesse de nações de base protestante, como a Alemanha, a Holanda, a Dinamarca e a Inglaterra. Entretanto, a efetivação de seu emprego se deu a partir das colônias controladas por nações católicas e protestantes, incluindo-se a França, a Espanha e Portugal.

Para entender a dinâmica do racismo em meio às teses reformistas de liberdade e de afirmação dos princípios das Escrituras que proclamam a universalidade da condição humana, é preciso levar em conta o que estava por trás de toda argumentação. Podemos apontar três questões teológicas que afetam a relação do protestantismo e a escravidão negra.

A primeira questão é de natureza antropológica: o que é o ser humano? É preciso observar o modo como a cultural ocidental desenvolveu a identificação do negro como pessoa de segunda categoria, com limitações intelectuais e espirituais. O Vaticano levou quase dois séculos discutindo se o indígena na América Latina poderia ser considerado como ser humano. Ainda no século XIX, antropólogos funcionalistas discutiam se os negros do Sul da África eram algum elo perdido no desenolvimento do Homo Sapiens.

A segunda questão é de natureza política: o que é colonização? O processo de colonização é uma invenção do capitalismo moderno, como base no liberalismo econômico, que definia os territórios conquistados como propriedade dos conquistadores. A colonização foi definida por três construtos ocidentais: o capitalismo, o patriarcado e o cristianismo.

E a terceira é de natureza moral: o que é pecado? A partir da ideia de que não há pecado ao sul da linha do equador, houve uma licença para toda sorte de exploração, dominação e extermínio dos povos originários dos territórios conquistados. Primeiramente com a lógica do escravagismo, que define o trabalho como castigo e punição. O trabalho é para negros. Quem não se submete ao trabalho servil é indolente e preguiçoso. Aos brancos, porém, cabe serem sustentados pelo Estado. Posteriormente, essa mentalidade se converteu em cerceamento dos direitos do trabalho e supervalorização do rentismo.

A relação entre protestantismo e escravidão envolve as perspectivas políticas e econômicas que sustentam o racismo, a intolerância às religiões de matriz africana, o preconceito e violência contra a mulher e a rejeição das pautas que colocam em risco a hegemonia branca e ocidental.

O supremacismo branco, o racismo, a xenofobia e outras intolerâncias e preconceitos que neguem, anulem ou apaguem a diversidade humana são incompatíveis com a mensagem do evangelho. Quando a Bíblia afirma que Deus amou o mundo de tal maneira, isso implica compreender cada pessoa em sua condição, respeitando a beleza da multiforme condição humana.

O caminho do pluralismo e do respeito à diversidade reclama um diálogo a partir das epistemologias do Sul, que implica a decolonização de todo o saber que dá validação à intolerância e ao racismo, que resgate os valores dos povos originários da América Latina e das comunidades tradicionais formadas pelos povos africanos.

Foto: Estadão, 2015.

(Texto apresentado durante a Consulta Teológica FTL Brasil “Revisitando a Reforma Protestante desde a América Latina”, em 19/11/2022).

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Lula, Presidente do Brasil pela terceira vez: a vitória da democracia / Lula, President of Brazil for the third time: the victory of democracy / Lula, presidente de Brasil por tercera vez: la victoria de la democracia

O segundo turno das eleições brasileiras teve um vencedor e muitos vitoriosos. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu o pleito com uma margem estreita de votos, a mais apertada desde a redemocratização. Porém, sua vitória é revestida de muitos significados, talvez a mais expressiva da história política do Brasil.

Para Lula, vencer o candidato da extrema-direita foi como um ressurgimento – ou uma ressurreição, como ele afirmou. A sua trajetória de vida já marcada por muitas superações, como oriundo de família pobre, retirante nordestino, trabalhador e líder político de esquerda, venceu a tirania e o medo. De um pobre menino que foge da fome até a Presidente da República, foram muitos desafios vencidos.

Para o político, foi como alguém que se levanta dos escombros, como um gigante que havia sido amordaçado e manietado para que não reagisse, e que se liberta de suas amarras. Durante sua jornada pela política, a perplexidade de Lula com a dificuldade de acesso dos trabalhadores às instâncias de poder serviu como combustível para formar um partido – o Partido dos Trabalhadores – e percorrer de forma obstinada a luta para ser o Presidente de todos os brasileiros. Ele e o PT concorreram em todas as eleições presidenciais desde a volta das eleições diretas, ora disputando o segundo turno, ora chegando em segundo lugar e por quatro vezes – agora cinco – sendo vitoriosos.

Para o estadista, é a vitória de um projeto não só de nação, mas de humanidade. O mundo aguardava com ansiedade a eleição de Lula para ver restaurada a luta pela sustentabilidade e pela defesa climática, para a garantia dos direitos dos mais vulneráveis, para o combate à fome, para defesa dos interesses dos países em desenvolvimento. Voltamos a ouvir discursos de esperança, que apontam para a justiça social, para a diminuição das desigualdades, para dar acesso a direitos e oportunidades para tantos excluídos.

Para a pessoa de Lula, é a concretização de sua luta por uma causa: a defesa da dignidade humana. Não dá para ser feliz sabendo que tem gente desempregada, passando fome, endividada, excluída por causa da cor da sua pele, do seu gênero ou de sua religião. Não dá para viver em paz sabendo que tem povos originários sendo dizimados em pleno século 21 em suas próprias terras, que tem comunidades carentes dominadas pelo crime organizado, que tem gente sendo agredida por causa do racismo, que milícias controlam setores do poder público para cometerem arbítrios.

Para o Brasil, é o resgate da democracia que vivia sob o risco permanente de um golpe. Para o mundo, é a volta de um parceiro ativo que havia se tornado um pária internacional. Para a civilização, é um duro golpe contra o avanço do fascismo. Para a ciência, é o fortalecimento da jornada em busca de conhecimento tendo em vista um mundo melhor para todas e todos. Para a religião, é a garantia de que cada uma e cada um poderão expressar a sua fé com liberdade. E para as famílias, é a reconquista do direito de sonhar com os filhos crescendo com alimentação necessária, moradia digna, com acesso ao ensino e com cuidados de saúde e bem-estar para todos.

Todos sabíamos que não seria uma luta fácil. Tentaram impedi-lo de muitas formas. Primeiramente, tirando-o da eleição de 2018 depois de um golpe de estado e de um processo parcial que o manteve preso por 580 dias. Depois, com o uso da máquina pública de forma criminosa para favorecer o candidato à reeleição, promovendo disseminação de fake news e distribuição de verbas para políticos apoiadores. Nada disso foi suficiente para impedir sua vitória.

A história futuramente vai contar com brilhantismo aquilo que temos assistido hoje. Sim, porque a história é sempre contada a partir dos vitoriosos. O bolsonarismo saiu derrotado nesse segundo turno. Ele será lembrado como o que houve de pior em nossa sociedade nos últimos anos. Depois do avanço que bolsonaristas tiveram no Congresso Nacional para a próxima legislatura, esperava-se algo pior se Lula não saísse vencedor. Lideranças democráticas do Brasil e do mundo se juntaram para vencer a extrema-direita e para proteger a nossa frágil democracia.

O que esperar do Brasil a partir de agora? Em primeiro lugar, é preciso levar em conta que aquele país que conhecíamos há seis anos não existe mais. Ele foi tomado por uma onda de pessoas odiosas, medíocres e até ignorantes que destruíram todas as estruturas que garantiam políticas públicas favoráveis aos mais carentes. É preciso levar em conta também que haverá um legislativo formado por um grande número dessas pessoas herdeiras dessa onda. Por isso, os movimentos sociais, partidos e entidades da sociedade organizada que se juntaram para a vitória de Lula precisam estar atentos para fazer o que é certo.

E o povo? Nós precisamos dar as mãos uns aos outros para que haja paz entre nós. O caminho é o da reconciliação, do respeito, da parceria. Daqui a quatro anos certamente não teremos as condições ideais, mas com certeza teremos deixado para trás esses anos tristes e estaremos muito mais próximos de nos tornarmos uma nação que avança para que toda sua população seja mais feliz. Eu creio nisso. Resistamos e continuemos a resistir.

Foto: jornal Estado de Minas / AFP.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O Brasil que desejamos: democracia, justiça social e direitos garantidos / The Brazil we desire: democracy, social justice and guaranteed rights / El Brasil que queremos: democracia, justicia social y derechos garantizados

 

A eleição de 2022 é atípica. Não é uma questão de escrutínio apenas, com a defesa de bandeiras partidárias. É a luta pela sobrevivência do que restou de nação no sentimento dos brasileiros depois do golpe de 2016, quando foi tirada do cargo uma Presidente democraticamente eleita. Como se isso fosse pouco, ainda prenderam o principal candidato de 2018 em um processo fraudado para que a extrema-direita vencesse aquela eleição.

O resultado está aí. Em quatro anos de governo e os quase dois anos que sucederam o golpe, o Brasil retrocedeu em todos os aspectos. Tornamo-nos uma terra sem lei, dominada pelo ódio, pelo medo e pela mentira. Nesse tempo, o país voltou ao mapa da fome, tornou-se um pária internacional e de alto risco de investimento. O que contribuiu para isso? Na esteira de causas, estão: os cortes de verbas em pesquisa, ciência e educação, a redução dos gastos em programas sociais de distribuição de renda e diminuição dos incentivos à produção. Não podemos esquecer da redução dos gastos com saúde, da diminuição dos direitos previdenciários, do corte dos direitos trabalhistas, da proteção aos abusos de patrões contra o direito de seus empregados, das ameaças aos territórios indígenas, da degradação do meio ambiente.

São tantos retrocessos que nos levam a crer que o Brasil adoeceu de uma enfermidade que contaminou sua população: a doença da falta de esperança em um país melhor, com direito e dignidade para todas e todos. Para piorar a situação, sofremos os efeitos de uma pandemia e de uma guerra com ares de guerra mundial. Podemos dizer que os últimos quase seis anos foram perdidos. Uma geração inteira não teve a chance de sequer aprender o que é lutar por justiça e igualdade, que se acostumou a normalizar a barbárie e a conviver com ideias que flertam com o fascismo e ameaçam a nossa frágil democracia.

No dia 30 de outubro de 2022, os brasileiros voltam às urnas para decidir o seu futuro. Dois candidatos representam ideias completamente antagônicas. De um lado, um que representa o que há de pior em termos de civilidade, que se beneficiou de toda trama golpista que resultou em tantas perdas e retrocessos, que nutre o clima de ódio disseminando mentiras, ameaças e medo como quem dá rajadas de 50 tiros e lança 3 granadas sobre a nação. De outro, temos aquele que chama o brasileiro a sonhar, a renovar a esperança, a defender a democracia a lutar pelos direitos mínimos de acesso à comida, trabalho saúde e educação.

Qualquer analista, por mais raso que seja, dirá que não é uma escolha difícil. Mas a doença que atinge o brasileiro cega o entendimento, cria uma sensação de insegurança e aponta para incertezas. O retrocesso tem sido tanto que o Brasil que temos hoje não se parece em nada com aquele que aprendemos a conviver na primeira década desse século. Aquele Brasil do pleno emprego, dos aeroportos lotados, da produção industrial em larga escala, das universidades cheias de pessoas oriundas de famílias pobres, da produção de alimentos pela agricultura familiar, enfim, o Brasil sonhado desapareceu. No seu lugar foi colocado um país controlado por pessoas sem escrúpulos, quer seja no parlamento, no executivo ou no judiciário, que saíram dos lugares mais obscuros de nossa história.

Entretanto, o sonho não acabou. Ele precisa ser restaurado. É preciso acreditar que podemos juntos construir um Brasil melhor, com democracia, justiça social e direitos garantidos para todas e todos. E tudo começa com o voto que será depositado na urna nesse segundo turno.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Novo E-book: Bem Viver, Decolonialidade e Cuidado com a Criação / New E-book: Good Living, Decoloniality and Care for Creation / Nuevo E-book: Buen Vivir, Decolonialidad y Cuidado de la Creación /

A vida está em risco. Porém, a saída não será encontrada se a matriz filosófico-teológica não for encarada com a devida seriedade. A solução para a crise ambiental é acima de tudo moral, pois diz respeito às nossas relações com o meio ambiente. Sendo assim, precisamos ter uma resposta a respeito do que estamos fazendo com a vida que temos. Do ponto de vista cristão, é preciso resgatar o sentido original da criação, em que a vida é dádiva que precisa ser cuidada e preservada. Nesse sentido, precisamos de uma teologia da criação que diga que toda forma de vida importa. A vida é o espaço sagrado onde Deus habita. Toda forma de vida importa para Deus porque ele está nelas.

É nesse contexto de compreensão que emerge o campo epistemológico do Bem Viver, do pensamento decolonial e do cuidado com a Criação.

Este livro é resultado de um trabalho de investigação sobre religião e Teologia na América Latina desenvolvido ao longo dos anos últimos anos.

São considerados três eixos de compreensão a respeito da proposta de leitura e diálogo teológico a partir da vivência e o contexto da América Latina: o do Bem Viver, o da decolonialidade e o do cuidado da vida.

Ao final, são apresentadas propostas de abordagens teológicas a partir das epistemologias do Bem Viver, da decolonialidade e do cuidado com a vida. A primeira delas, relacionada com os discursos de Jesus numa perspectiva do Bem Viver e do pensamento decolonial. A segunda, sobre a proposta de uma teologia da criação a partir da ética do Cuidado com a Criação.

Bem Viver, Decolonialidade e Cuidado com a Vida: Teologia Pública em diálogo a partir da América Latina
Investimento: R$ 9,99 (aproximadamente US$1,90, dependendo da cotação)
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terça-feira, 18 de outubro de 2022

Lançamento de novo E-book: Orar como Jesus orou / New E-book Launch: Pray Like Jesus Prayed / Lanzamiento del nuevo libro electrónico: Ora como Jesús oró

Há alguns anos tenho me dedicado ao estudo sobre oração a partir do exemplo e dos ensinos de Jesus. Agora, essas anotações se transformaram em e-book que está disponível na Amazon. Adquira e leia. Tem feito bem pra mim, vai ser bom pra você também.
Veja a Sinopse:
A vida nem sempre acontece como planejamos. Em todo tempo, enfrentamos barreiras e obstáculos que parecem intransponíveis, que nos levam a pensar que não somos capazes de ir adiante ou que não vamos conseguir superar. A boa notícia é que Deus quer nos ajudar a lidar com cada situação de dúvida, de incerteza e até de fraqueza. Ele está sempre pronto e disposto a nos socorrer e a nos dar um novo ânimo. Ele está sempre pronto a nos encorajar. Mas isso não acontece naturalmente. O encorajamento acontece quando você O procura. E a maneira como você procura o Senhor é através da oração.
Ao longo deste livro você aprenderá a cultivar uma poderosa e contagiante vida de oração, assim como você experimentará o encorajamento para enfrentar os grandes desafios em seus relacionamentos, em suas dificuldades financeiras, em sua conduta pessoal, em seus problemas de saúde e em muitas outras áreas de sua vida. O poder da vida de oração não está em quem ora, mas em quem responde a todas as orações. Ter um relacionamento íntimo com Deus é a forma de experimentar o seu poder.
Orar como Jesus orou: Reflexões sobre a vida de oração de Jesus. Autor: Irenio Silveira Chaves. Investimento: R$ 9,99.
Disponível no site da Amazon>>

domingo, 2 de outubro de 2022

Democracia em risco elevado: Reflexões sobre o primeiro turno da eleição brasileira | Democracy at high risk: Reflections on the first round of the Brazilian election | Democracia en alto riesgo: Reflexiones sobre la primera vuelta de las elecciones brasileñas

No encerramento da noite de 2 de outubro de 2022, o Brasil conheceu o resultado das eleições no primeiro turno, com um cenário que valida o projeto conservador que vem tomando conta do país. O bolsonarismo, onda de extrema-direita que conquistou o Governo Federal, grande representação no congresso e diversos setores da sociedade sobretudo religioso – com destaque a parcela significativa da igreja evangélica –, se mostrou como uma força política consolidada, com uma pauta reacionária, que flerta com o nazi-fascismo que se levanta no mundo.

Não se trata de um projeto político-econômico, mas de uma mentalidade que influencia a cultura, a educação, a produção científica e até as relações inter-religiosas. Essa onda que se autointitula conservadora é muito mais do que isso. Ela afeta as noções civilizatórias de relações interpessoais, familiares, de corporeidade, de Direitos Humanos e do que é ser uma pessoa capaz de ter consciência de suas próprias condições concretas de existência.

O paradoxal disso é que o avanço do bolsonarismo se dá num contexto democrático, conquistando o voto de milhões de brasileiros que são influenciados pelo discurso de medo a respeito do papel das esquerdas, dos movimentos sociais de defesa dos direitos das minorias, das lutas por direitos sociais e trabalhistas. O bolsonarismo joga com o sistema democrático representativo para se tornar sua maior ameaça. O avanço do bolsonarismo significa o aumento às ameaças ao Estado Democrático de Direito. Significa a consolidação do golpe contra as políticas públicas em favor dos mais pobres, dos trabalhadores, das mulheres, das populações LGBTQIA+, das expressões religiosas de matriz africana.

Dias piores virão. O ovo da serpente foi chocado. A guinada bolsonarista nessa eleição não é uma boa notícia em qualquer cenário. Como escreveu Dante Alighieri no aviso colocado na entrada do inferno da Divina Comédia, “vós que entrais, abandonai toda a esperança.” Teremos dias mais difíceis para a economia, para as relações internacionais, para nossos biomas, para as populações indígenas, para as lutas antirracistas, para os movimentos em defesa da diversidade religiosa e de gênero, para os recursos destinados à educação básica, saúde, pesquisa científica, universidades e geração de renda.

O que se viu nesses últimos quatro anos não foi suficiente para demonstrar para uma parcela significativa dos eleitores que tivemos até aqui o pior governo de todo o período republicano do Brasil. Com isso, aqueles que perpetraram crimes – bem como seus mentores – contra o Meio Ambiente, contra os territórios e os povos indígenas, com disseminação de fake news, decretos de sigilos e uso de orçamento secreto para a compra de votos no Congresso vão ganhando a oportunidade de continuarem sua ação de forma impune.

Ainda dá tempo de mudar os rumos. A luta pela vitória da esquerda, representada pelo candidato Lula, será renhida, mas valerá a pena o esforço. O segundo turno não deve ser marcado pela união de forças das progressistas, mas pelo apelo ao bom senso, à responsabilidade ética com a vida, pela união daqueles e daquelas que preservam um mínimo de civilidade. A democracia está por um fio. Falta muito pouco para que ela seja enterrada de vez, caso o projeto de governo representado pelo bolsonarismo, na figura de seu principal articulador e atual Presidente da República, saia vencedor no segundo turno.

Caso isso aconteça, resta aos homens e mulheres dessa nação que prezam pelo cuidado com a vida e com os mais vulneráveis travar a luta desigual de quem luta contra gigantes. Da mesma forma, falta muito pouco para vencer no segundo turno. Como digo nas redes sociais, o fascismo voltou. Já o vencemos uma vez. Vamos vencer de novo. É preciso continuar crendo como Cartola que o Sol há de brilhar mais uma vez.

Imagem: Infomoney.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O grito da Criação: é tempo de escutar a voz da natureza, do planeta, dos pobres e dos excluídos / The cry of Creation: it is time to listen to the voice of nature, the planet, the poor and the excluded / El grito de la Creación: es tiempo de escuchar la voz de la naturaleza, del planeta, de los pobres y excluídos

O salmista declara que há uma voz que vem sendo silenciada que emerge do meio da Criação: Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz” (Salmos 19.3). É uma voz sufocada que vem de todas as criaturas que apontam para o Criador. Essa voz que vem da Criação é a voz do próprio Criador que clama pelo cuidado com os que sofrem com o avanço da degradação da vida no planeta e do aumento da desigualdade social.

É preciso que todas e todos se unam para fazer ressoar essa voz “por toda a terra, e as suas palavras, até os confins do mundo” (Salmos 19.4). A Criação é a primeira e mais eloquente forma de Deus se revelar. Quando ouvimos essa voz que vem da Criação, compreendemos quem somos, onde estamos e qual é o nosso compromisso como cooperadores de Deus.

É urgente unir as vozes de cristãs e de cristãos de todo o mundo em um clamor pela proteção de nossa casa comum, em defesa dos pobres e dos que são excluídos. A oração em favor de toda a criação Corresponde a um despertar em defesa da vida como proclamadores das Boas Novas para toda a Terra.

De todas as partes, de todos os povos, de todas as nações e em todas as línguas, é possível ouvir o grito de cada pessoa, de cada comunidade, de cada bioma, de cada espécie que tem sido silenciado pela exploração provocada pela ganância e pelo consumo desenfreado. São vidas que estão ameaçadas pela perda das condições mínimas de sobrevivência por causa das mudanças climáticas.

Escutar a voz da Criação exige um tipo de escuta que envolve nossa sensibilidade em ouvir os modos em que Deus fala conosco. Santo Agostinho escreveu que a Criação “é a página divina que você deve escutar; é o livro do universo que você deve observar. As páginas da Escritura só podem ser lidas por aqueles que sabem ler e escrever, enquanto todos, mesmo os analfabetos, podem ler o livro do universo” (apud Tempo da Criação: Guia de celebração 2022, p. 7). Martinho Lutero também pregou que o Evangelho não foi apenas escrito em livros “mas também em árvores e outras criaturas” (idem).

Através desse exercício de escuta, é possível desenvolver uma nova espiritualidade que implica a percepção da verdade, a virtude da bondade e as expressões de beleza presentes na vida do outro, das relações comunitárias e da natureza. Somos também conduzidos a experiência de tomada de consciência de quem Deus é e como ele vem a nós, como Trindade santa, na qual todas as coisas existem e se movem. Como afirmou o teólogo alemão Jürgen Moltmann: “Deus cria, reconcilia e redime sua criação por meio do Filho. Na força de Espírito, Deus está presente na sua criação, na reconciliação e na redenção da criação” (Dios en la creación, p. 29).

A Bíblia nos diz que toda a natureza geme. “Sabemos que toda a natureza criada geme até agora [...]” (Romanos 8.22). É possível ouvir nos dias atuais o clamor que nos interpela a refletir a respeito dos modos como conduzimos nossa própria vida. Algo precisa ser feito para mudar o rumo de nossa história, que aponta para um fim trágico. Cuidamos da natureza e uns dos outros porque amamos ao Deus da Criação.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Eleições 2022 e Democracia: Análise de Conjuntura / Elections 2022 and Democracy in Brazil: Analysis of the Conjuncture / Elecciones 2022 y Democracia en Brasil: Análisis de la Coyuntura

As eleições 2022 são atípicas. Um grave risco de ruptura democrática ronda a sociedade brasileira. No momento em que a campanha chega em sua reta final, há uma tentativa de interferência de forças reacionárias em todo o processo eleitoral. A principal origem de ataques é o próprio governo federal e seus apoiadores.

Diante da gravidade do momento, há quatro perguntas que devem ser feitas a fim de orientar as escolhas e se tomar atitudes para frear o que vem sendo tramado. Sem querer ser alarmista ou provocar pânico, as circunstâncias apontam para a necessidade de fortalecimento de uma frente ampla em defesa da democracia.

A primeira pergunta é: há uma ameaça de golpe nas eleições 2022? A resposta é sim. Esse golpe já vem sendo tramado desde a eleição anterior, quando se abriu o caminho para o avanço da extrema direita através da farsa da operação Lava Jato, do impeachment de Dilma e a prisão do ex-presidente Lula. Esse ataque é orquestrado pelas forças que dão sustentação ao governo atual e vem sendo realizado a partir de uma trajetória discursiva. Primeiramente, começou com a suspeição da confiabilidade nas urnas eletrônicas, que serviu para promover a aproximação de representantes das Forças Armadas do sistema eleitoral. Com a afirmação da segurança sistema eleitoral, passou-se à suspeição do processo de apuração, com tentativas de controlar os resultados através da ação de setores da Policia Federal e das próprias Forças Armadas. O objetivo final é fazer com que as eleições sejam manipuladas por representantes desses setores.

A segunda pergunta é: quais as chances reais de cada candidato? Até o presente momento, três candidatos despontam na corrida eleitoral para Presidência da República: Lula, que representa o segmento de esquerda e que tem a aprovação da maioria com grandes chances de vencer no primeiro turno; Bolsonaro, que recebe o apoio daqueles que nutrem o ódio às esquerdas e a Lula, principalmente de setores que são contra os direitos sociais bem como que defendem ideias fascistas; e Ciro, que é o candidato que desenvolve uma campanha baseada na reprodução do discurso de ódio a Lula, embora afirme ter projeto para o país, mas não passou da casa de um dígito nas pesquisas. Os demais candidatos formam uma minoria que não consegue alcançar resultados significativos nas pesquisas.

A terceira pergunta é: o que mais preocupa a campanha eleitoral no primeiro turno? Há três ameaças reais surgindo e aumentando suas possibilidades a cada dia: a primeira é a ameaça aos movimentos progressistas, tomados por um ódio de classe, e contra movimentos que lutam por direitos de trabalhadores, negros, mulheres, população LGBT, povos originários, pobres e meio ambiente; a segunda é o aumento da desinformação, com grupos disseminadores de fake news agindo livremente através das redes sociais; e a terceira é o aumento da insegurança social, com o crescimento da miséria, do desemprego, do custo de vida e da fome, que pode ser usada como oportunidade para o governo emitir “pacotes de bondade” para se aproximar dos setores mais vulneráveis, embora seja o único responsável pelo quadro atual.

A quarta pergunta é: o que mais preocupa no segundo turno? Havendo a necessidade de um segundo turno, que provavelmente será entre Lula e Bolsonaro, as possibilidades de agravamento das tensões aumentam. Podemos afirmar que há riscos reais de convulsão social e de aumento dos conflitos envolvendo as instituições que têm o dever de proteger a democracia. O aumento do acesso ao porte de arma, o crescimento do poder e interferência das milícias e a impunidade nas denúncias de crime de responsabilidade do governo contribuem para acreditar que algo muito ruim poderá acontecer.

Nessas eleições, os movimentos sociais e as organizações de defesa dos direitos civis têm o dever de impedir que as forças reacionárias que ameaçam a democracia avancem. Defender a democracia hoje no Brasil é defender a candidatura de Lula no primeiro turno, visto que é o único que tem compromisso com a manutenção do Estado Democrático de Direito.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Decálogo do Voto Evangélico e sua atualidade: como votar como um cristão em tempos tão obscuros / Decalogue of the Evangelical Vow and its relevance: how to vote like a Christian / Decálogo del Voto Evangélico y su relevancia: cómo votar como cristiano

I. O voto é intransferível e inegociável. Com ele o cristão expressa sua consciência como cidadão. Por isso, o voto precisa refletir a compreensão que o cristão tem de seu país, estado e município.

II. O cristão não deve violar a sua consciência política. Ele não deve negar sua maneira de ver a realidade social, mesmo que um líder da igreja tente conduzir o voto da comunidade noutra direção.

III. Os pastores e líderes têm obrigação de orientar os fiéis sobre como votar com ética e com discernimento. No entanto, a bem de sua credibilidade, o pastor evitará transformar o processo de elucidação política num projeto de manipulação e indução político-partidário.

IV. Os líderes evangélicos devem ser lúcidos e democráticos. Portanto, melhor do que indicar em quem a comunidade deve votar é organizar debates multipartidários, nos quais, simultânea ou alternadamente, representantes das correntes partidárias possam ser ouvidos sem preconceitos.

V. A diversidade social, econômica e ideológica que caracteriza a igreja evangélica no Brasil impõe que não sejam conduzidos processos de apoio a candidatos ou partidos dentro da igreja, sob pena de constranger os eleitores (o que é criminoso) e de dividir a comunidade.

VI. Nenhum cristão deve se sentir obrigado a votar em um candidato pelo simples fato de ele se confessar cristão evangélico. Antes disso, os evangélicos devem discernir se os candidatos ditos cristãos são pessoas lúcidas e comprometidos com as causas da justiça e da verdade. E mais: é fundamental que o candidato evangélico queira se eleger para propósitos maiores do que apenas defender os interesses imediatos de um grupo religioso ou de uma denominação evangélica. É óbvio que a igreja tem interesses que passam também pela dimensão político-institucional. Todavia, é mesquinho e pequeno demais pretender eleger alguém apenas para defender interesses restritos às causas temporais da igreja. Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um “despachante” de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja.

VII. Os fins não justificam os meios. Portanto, o eleitor cristão não deve jamais aceitar a desculpa de que um evangélico político votou de determinada maneira porque obteve a promessa de que, em assim fazendo, conseguiria alguns benefícios para a igreja, sejam rádios, concessões de TV, terrenos para templos, linhas de crédito bancário, propriedades, tratamento especial perante a lei ou outros “trocos”, ainda que menores. Conquanto todos assumamos que nos bastidores da política haja acordos e composições de interesse, não se pode, entretanto, admitir que tais “acertos” impliquem a prostituição da consciência cristã, mesmo que a “recompensa” seja, aparentemente, muito boa para a expansão da causa evangélica. Jesus Cristo não aceitou ganhar os “reinos deste mundo” por quaisquer meios, Ele preferiu o caminho da cruz.

VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas, que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de “boatos” do tipo: “O candidato tal é ateu”; ou: “O fulano vai fechar as igrejas”; ou: “O sicrano não vai dar nada para os evangélicos”; ou ainda: “O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos”. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.

IX. Sempre que um eleitor evangélico estiver diante de um impasse do tipo: “o candidato evangélico é ótimo, mas seu partido não é o que eu gosto”, é compreensível que dê um “voto de confiança” a esse irmão na fé, desde que ele tenha as qualificações para o cargo. Entretanto, é de bom alvitre considerar que ninguém atua sozinho, por melhor que seja o irmão em questão, ele dificilmente transcenderá a agremiação política de que é membro, ou as forças políticas que o apoiem.

X. Nenhum eleitor evangélico deve se sentir culpado por ter opinião política diferente da de seu pastor ou líder espiritual. O pastor deve ser obedecido em tudo aquilo que ensina sobre a Palavra de Deus, de acordo com ela. No entanto, no âmbito político-partidário, a opinião do pastor deve ser ouvida apenas como a palavra de um cidadão, e não como uma profecia divina.

(Esse documento foi aprovado na Assembleia da Associação Evangélica Brasileira (AEVB) em 1994. Ainda vale para hoje).

sábado, 21 de maio de 2022

Jesus e as forças de caráter: como Jesus nos ensina a ser feliz / Jesus and character strengths: how Jesus teaches us to be happy / Jesús y las fuerzas del carácter: cómo Jesús nos enseña a ser felices

Nosso tempo tem sido marcado por uma busca imperiosa pela felicidade. O tema passou a ter uma relevância maior no cuidado com a saúde mental, principalmente com o avanço dos sintomas de angústia, depressão e ansiedade causados pelo modo de vida competitivo e cheio de exigências imposto pela cultura de mercado em vigor.

A necessidade de se ter sucesso a qualquer preço despertou a descoberta de que ele não é determinante para que alguém seja feliz, mas que a felicidade é imprescindível para se chegar ao sucesso. Isso quer dizer que o maior esforço que precisamos fazer não é ter o emprego dos sonhos, perder uns três quilos, ser promovido ou mesmo morar em um lugar paradisíaco. É preciso estar bem consigo mesmo. As pesquisas recentes no campo da psicologia têm demonstrado um novo paradigma, que é exatamente o oposto dessa mentalidade: a felicidade é que promove o sucesso, e não o contrário.

O campo de estudo que tem se dedicado à felicidade é o da Psicologia Positiva, que aponta formas objetivas para identificar os fatores que contribuem para o desenvolvimento pessoal e o bem-estar. Por essa razão, grandes universidades como Harvard e Unicamp têm promovido cursos com o tema da Felicidade com grande procura de alunos interessados em todos as áreas de conhecimento há mais de 10 anos.

Martin E. Seligman, no livro Felicidade autêntica, apresenta uma proposta de construção da felicidade a partir da conjugação de virtudes e forças de caráter. O trabalho foi resultado de uma ampla investigação em várias culturas, concepções filosóficas e expressões religiosas a respeito do que as pessoas fazem em busca do bem-estar, da felicidade e do desenvolvimento pessoal.

Foram identificadas 6 virtudes essenciais, que podem ser identificadas através de 24 forças de nossa personalidade que nos auxiliam em nossos modos de pensar, de sentir e de se comportar.

Veja a relação das virtudes humanas mais comuns e suas respectivas forças de caráter:

a) Sabedoria – Criatividade, curiosidade, critério ou pensamento crítico, gosto pelo aprendizado e perspectiva.

b) Coragem – Bravura, perseverança, integridade e vitalidade.

c) Humanidade – Amor, generosidade e inteligência social.

d) Justiça – Justiça, liderança e trabalho em equipe.

e) Temperança – Perdão, humildade, prudência e autocontrole.

f) Transcendência – Apreciação da beleza e da excelência, gratidão, esperança, bom humor e espiritualidade.

Para se alcançar a felicidade autêntica, é preciso dar atenção à maneira como desenvolvemos as virtudes e as forças de caráter, e qual o impacto disso em nossa saúde física, mental e coletiva. Por essa razão, a busca da felicidade se torna apenas um ingrediente na busca de amadurecimento. Muitas vezes, precisamos tomar decisões que podem trazer novos sentidos para a vida, mas que não são muito confortáveis. Também precisamos manter muitos relacionamentos que não nos fazem felizes.

As forças de caráter nos auxiliam na busca pelo florescimento, construindo em nós virtudes essenciais para viver no mundo e interagir com as pessoas. 

Seligman propôs, então, uma nova abordagem sobre a busca da felicidade no livro Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar. Para ele, era preciso enfatizar o florescimento através do fortalecimento das emoções positivas, do engajamento, dos relacionamentos positivos, do propósito e da realização. Esses cinco elementos foram inseridos para que pudessem fortalecer nossa trajetória de vida. Ele compreende que as virtudes e as forças de caráter sustentam esses elementos. A maneira como nos empenhamos em buscar o bem-estar é que produz mais sentido de realização pessoal.

Florescer é despertar o humano que há em nós. A felicidade está mais relacionada com o se sentir bem mesmo em situações adversas. Para tanto, o modo como construímos nossa trajetória de vida é fundamental para que possamos experimentar o florescimento. Porém, uma vida feliz e satisfeita envolve critérios tanto subjetivos quanto sociais. Como diz Seligman, “o bem-estar não pode existir somente na nossa cabeça”.

A felicidade, portanto, é uma conquista que precisa ser feita continuamente. A mensagem e o ensino de Jesus visavam a formação de um novo sentido de humanidade. É possível fazer uma análise dos mesmos e identificar como ele desenvolveu as virtudes essenciais e as forças de caráter como fatores importantes para que possamos alcançar a vida feliz.

As seis virtudes (sabedoria, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência) estão presentes nos ensinos de Jesus. Entretanto, Jesus se ocupou com a felicidade e com o bem-estar na perspectiva da salvação, como uma experiência de sentido para a vida toda. Para quem perdeu o sentido da vida, Jesus convida a aprender com ele o que significa viver plenamente.

Isso lembra o refrão de Tom Jobim e Luiz Bonfá: “Tristeza não tem fim / Felicidade sim”. É um engano pensar que conseguiremos a felicidade apenas pelas nossas forças. Ela não é uma conquista individual com também não conseguiremos ser felizes sozinhos enquanto muitos à nossa volta sofrem. Todos nós enfrentamos tanto circunstâncias que nos trazem felicidade quanto as que nos fazem sofrer. A vida não é um monótono programa de realizações pessoais. Ela é formada de uma sucessão de sucessos e fracassos, de conquistas e perdas, de realizações e frustrações. Jesus nos deixou claro que podemos ser felizes encontrando razões de viver tão significativas que façam com que até mesmo nas situações difíceis encontremos forças para seguir em frente.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Representações de Deus nos discursos de Jesus / Symbol of God: Representations of God in Jesus' Discourses / Símbolo de Dios: Representaciones de Dios en los Discursos de Jesús

O teólogo jesuíta norte-americano Roger Haight propôs uma nova compreensão cristológica diante das transformações do pensamento humano na pós-modernidade, que é considerar Jesus como o símbolo de Deus (em seu livro Jesus, Símbolo de Deus). Jesus, em sua vida, mensagem, morte e ressurreição, simbolizou Deus. Por isso, pode dizer: Quem me vê, vê o Pai...” (João 14.9).

João Batista testemunhou que Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido” (João 1.18). Em sua carta aos Colossenses, Paulo afirmou que Ele é a imagem do Deus invisível [...]” (Colossenses 1.15). Essa definição está em sintonia com o que Jesus falou a respeito de si nos evangelhos. Ele disse aos discípulos: Se vocês realmente me conhecessem, conheceriam também o meu Pai [...]” (João 14.7). E disse às multidões: “[...] Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mateus 11.27).

O simbólico é a dimensão das representações, a forma como expressamos o que está em nosso imaginário. De acordo com a gramaticalidade, a ideia de simbólico vem de symbolos, palavra formada por dois radicais gregos: o prefixo sym-, que traz a ideia de síntese, de união, e bolos, que lembra a ideia de arremessar e de lançar. O simbólico tem a ver com os sentidos que atribuímos a tudo o que diz respeito à nossa existência, que nos aproxima do conhecimento e da realidade. Leonardo Boff, no livro A águia e a galinha, lembra que isso difere do diabólico, que é o que nos afasta. A diferença está no uso do prefixo dia-, que quer tem a ideia de um movimento, com o sentido de “através de”. O diabólico tem a ver com o separa, nos afasta e desagrega.

O simbólico, portanto, confere sentido à nossa existência, enquanto que o diabólico causa impedimentos à nossa realização, como uma rejeição, resistência ou negação ao que nos constitui como pessoas. Todos nós carregamos essa capacidade tanto de construir e agregar valor à nossa existência quanto de descontruir e de destruir. Temos em nós tanto o sentido da vida quanto da morte, o que nos dá esperança e o que nos causa medo, o que nos fortalece e o que nos ameaça. Vagueamos o tempo todo entre o simbólico e o diabólico.

Jesus desenvolveu atitudes que fortalecem uma compreensão de Deus que tem a ver com a ideia de um Pai amoroso que se importa com as condições de vida de toda a criação, que faz justiça aos mais vulneráveis e que nos interpela a uma vida mais solidária. Ele procurou viver de um modo que fosse uma expressão do cuidado de Deus por toda a criação, demonstrou a justiça de Deus, expressou o amor de Deus através de suas atitudes e encorajou a vida de comunhão entre todos e todas que atraiu para si.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

A Mística e os Místicos / Mystique and Mystics / Mística y Místicos


Já está em pré-venda o livro A Mística e os Místicos, lançado pela Vozes e com a minha participação em dois capítulos. O primeiro é sobre Dietrich Bonhoeffer e o segundo sobre Teilhard de Chardin. Agradeço aos organizadores Eduardo Guerreiro Losso, Maria Clara Bingemer e Marcus Reis Pinheiro, bem como a todos os demais autores, pela oportunidade

 https://www.livrariavozes.com.br/-prevenda-misticaeosmisticos-a-6557132849/p

quinta-feira, 17 de março de 2022

Felicidade / Happiness / Felicidad


"A felicidade não está no final de um caminho, mas na maneira como fazemos a caminhada. São felizes os que desfrutam a vida em sua plenitude enquanto caminham."

Irenio Silveira Chaves, no e-book Felicidade segundo Jesus.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Mundo em guerra: o conflito entre Ucrânia e Rússia põe o mundo em alerta / World at war: the conflict between Ukraine and Russia puts the world on alert / Mundo en guerra: el conflicto entre Ucrania y Rusia pone en alerta al mundo

A notícia que chega ao Brasil e ao mundo na manhã do dia 24 de fevereiro é que o governo russo deu ordens para que suas tropas avancem sobre as áreas controladas por separatistas na Ucrânia. É o início da guerra entre os dois países. O conflito entre a Ucrânia e a Rússia vai além de uma disputa de fronteiras. Envolve as principais forças militares globais, controladas de um lado pelo ocidente e, de outro, pela própria Rússia e os membros da antiga União Soviética.

Não é a primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que uma potência invade o território de um país. Da mesma forma, não é a primeira vez, desde o período da Guerra Fria, que um conflito dessa magnitude coloca em xeque interesses e forças ocidentais e as potências orientais como as da Rússia e a China. O que há de novo nesse conflito é o uso da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, a antiga coalizão de defesa de um conglomerado de países ocidentais, para que o Ocidente amplie sua esfera de ação, avançando para mais próximo das atuais fronteiras russas, estabelecendo bases no leste europeu.

Há algumas feridas históricas que ainda não foram superadas. Uma delas é que a tensão entre capitalismo e comunismo continua regendo as relações internacionais, embora a chamada “cortina de ferro” tenha caído em 1991. Outra é que os Estados Unidos da América deixaram de ser a principal força bélica no mundo, perdendo para as potências da Rússia (que já foi comunista) e da China (que ainda mantém um comunismo “de mercado”). E o próprio fato de a OTAN estar envolvida nesse conflito dá indicativos de que, com o fim do Pacto de Varsóvia, o mundo ficou mais vulnerável às pressões do Ocidente e dos poderes dominados por interesses capitalistas.

A humanidade chegou ao século XXI mais suscetível aos conflitos internacionais. Alguns teóricos da chamada “Guerra Justa” até procuram justificar a necessidade de conflitos armados em face da pluralidade de estados e nações. Entretanto, a guerra nunca se justificou em tempo algum, a não ser pelos interesses de poder por parte de governos que querem ampliar sua esfera de ação. Não há justificativa moral para a guerra, nem mesmo para as guerras religiosas. Ela é resultado do exercício do poder.

Santo Agostinho foi um dos primeiros a constatar esse aspecto da guerra. Para ele, todas tinham como causa primeira a ação de uma pessoa que exerce o poder e, como consequência, o desejo de causar dano ao outro a fim de alcançar os objetivos de poder. Não importa se as razões são boas ou más. Elas sempre promovem violência, crueldade e vingança. As marcas que a guerra deixa são as da brutalidade humana, da selvageria e do orgulho de exercer domínio sobre o outro.

Nos tempos atuais, as guerras se justificam pela necessidade de se ampliar mercados e estabelecer relações que viabilizem o modo de produção e de consumo a partir da mentalidade do capitalismo. Não se trata de um personalismo ou de poder totalitário de um líder, mas de garantias para que bens e produtos circulem conforme interesses das potências. No caso do conflito entre Ucrânia e Rússia, está em questão a produção e o consumo do gás natural. Atualmente, EUA e Rússia são os principais produtores desse commodity e a Europa seu principal mercado.

A guerra entre Ucrânia e Rússia não faz sentido para o mundo. Mas não se pode esquecer o complexo contexto histórico nas relações entre esses países. O conflito rompe acordos e tratados internacionais e pode ser identificada, pelas normas internacionais formalizadas pela ONU, como uma agressão por parte da Rússia a uma nação independente, uma violação ao princípio da autodeterminação dos povos. Entretanto, a interferência dos interesses ocidentais não pode ser esquecida, sob o risco de uma compreensão deturpada desse conflito.

Um século depois de vencer uma pandemia e 80 anos após encerrar a Segunda Guerra Mundial, a humanidade demonstra que não se aprendeu nada em termos de relações humanitárias. Para quem achava que sairíamos melhores da pandemia, o cenário de mais uma guerra global expõe a fragilidade das relações internacionais. O tabuleiro político e econômico do mundo continua colocando em risco a vida de pessoas em condições de vulnerabilidade e fazendo mais vítimas.

Há quem defenda que a guerra é uma necessidade. Clausewitz e Marx viram nela uma expressão sanguinária da racionalidade humana. Embora a guerra nunca aconteça como um fenômeno isolado do cenário político e econômico do mundo – ela é resultado de uma pluralidade de fatores –, é sempre consequência da insanidade humana. Exatamente porque requer derramamento de sangue.


domingo, 30 de janeiro de 2022

Felicidade em meio às adversidades / Happiness in adversity / Felicidad en medio de la adversidad

Jesus chamou pessoas excluídas, desprezadas e despossuídas para sem seus discípulos. Ele conhecia bem suas aflições e quais eram as suas causas. Por isso, procurou orientá-las a dar valor às circunstâncias vividas como oportunidades de experimentar uma nova forma de viver. No início do Sermão do Monte, Jesus ressaltou o fato de que seus discípulos eram bem-aventurados por tomarem parte daquele momento, apesar de todas as lutas pelas quais passavam. Afinal, eles estavam diante do novo, de uma nova proposta de experimentarem a concretização das promessas divinas em suas vidas.

As bem-aventuranças podem ser compreendidas como o retrato de quem os discípulos eram e em que eles iriam se tornar por terem aceitado o desafio de seguir Jesus. A expressão era bem conhecida da tradição judaica. Os salmos já declaravam que era bem-aventurado aquele “[...] que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores” (Salmos 1.1); “[...] aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados” (Salmos 32.1); “[...] os que obedecem aos seus estatutos e de todo o coração o buscam” (Salmos 119.2). “[...] o homem que nele se refugia” (Salmos 34.8); “[...] quem teme ao Senhor, quem anda em seus caminhos” (Salmos 128.1).

A tradição judaica estava repleta de referências que ressaltam a felicidade de tomar a atitude de orientar a vida pela direção divina. Diz o sábio: “Como é feliz o homem que acha a sabedoria, o homem que obtém entendimento” (Provérbios 3.13). E ainda recomenda: “Quem examina cada questão com cuidado, prospera, e feliz é aquele que confia no Senhor” (Provérbios 16.20).

Jesus se utiliza de um estilo literário já conhecido pela literatura sapiencial judaica para ressaltar que as pessoas que vivem de um modo extraordinário mesmo em meio as suas circunstâncias de luta são felizes por serem especiais para Deus. Trata-se do estilo baseado no uso da parênese, construído través de paralelismo característico da poesia hebraica-judaica. A parênese era um estilo literário que consistia numa exortação acompanhada de um conselho para a vida.

Na relação das bem-aventuranças, Jesus se refere àqueles que são considerados felizes por causa da sua condição e os que são felizes por aquilo que fazem. Quem são os bem-aventurados para Jesus? São os pobres, os que sofrem, os humildes e os que são injustiçados. Não são situações que possam fazer alguém feliz, mas porque estão contemplados na promessa de realização do Reino de Deus. Os excluídos do reino deste mundo são acolhidos no Reino de Deus.

E o que fazem os bem-aventurados? Eles são misericordiosos, puros de coração, promovem a paz, perseguidos por praticarem a justiça e injuriados por causa de sua fé. Não é fácil praticar tais atos. A felicidade tem um preço, e ele é recompensado pelo Senhor do Reino.

As bem-aventuranças estão registradas em duas passagens dos evangelhos, uma em Mateus 5.3-12 e outra mais resumida em Lucas 6.20-23. Mateus é acusado de espiritualizar as condições concretas vividas pelas pessoas, enquanto Lucas se refere aos problemas de forma mais humanizada.

Em ambas as listas das bem-aventuranças, há uma correspondência entre cada condição humana de fragilidade e uma promessa divina. Isso nos leva descobrir que há felicidade para quem enfrenta a desigualdade social para quem sente angústia, para quem vive humilhado, para quem passa fome, para quem se compadece dos que sofrem, para quem age com bondade, para quem promove a paz, para quem sofre injustiça e para quem enfrenta preconceito e discriminação.

Jesus contraria a compreensão do seu tempo e de sua cultura para afirmar que pessoas excluídas e desprezadas também podem ser felizes. A felicidade não está relacionada a um mérito ou a uma conquista, mas a uma dádiva concedida pelo amor divino. Todos e todas podem experimentar a felicidade mesmo em meio a adversidades.

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