O ventre em que aconteceu a
gestação de Jesus sempre foi objeto de inquietação da Teologia. Maria não foi
um instrumento insensível, um mero recipiente onde Deus semeou seu filho
unigênito. Ela era uma pessoa. O título grego atribuído a ela é cercado de
muitos significados: theotokos, que
literalmente quer dizer “portadora de Deus”, uma expressão fortemente
patriarcal. Porém, a primeira mulher que identificou Maria como a mulher que “portava”
Deus a chamou de mãe. Isabel se se dirigiu à sua parenta, chamando-a de “a mãe do
meu Senhor” (Lucas 1.43).
Ser mãe é algo sublime, carregado
de expressão de humanidade. Não há uma mulher sequer que, ao engravidar, não
seja tomada de um sentimento em relação à formação da criança, que não se
preocupe em como vai ser a sua aparência, a sua saúde, o seu crescimento, as
condições de cuidado. Imagine como isso se deu com Maria, vivendo numa
comunidade de periferia, numa região dominada por um poder estrangeiro, marcada
pela pobreza, cercada de gente sem muita expectativa de vida. As crianças da
localidade não tinham um futuro promissor.
A maneira que Maria encontrou
para expressar seu sentimento foi através do canto. Sua sensibilidade se transformou
em poesia, expressa numa canção em forma de prece em que ela se coloca diante
de Deus como alguém que descobre o seu papel histórico de gerar uma vida em sua
vida. O Magnificat é um canto que vem
da alma, que envolve todo o ser, que parte de alguém que sabe quem é, que se
coloca diante de Deus, que reconhece seu lugar na história da redenção, que é marcado
por expressões de adoração e de gratidão. Mas também é um canto de compromisso
e engajamento, como expressão de alguém que sabe que está diante de uma tarefa
maior do que sua capacidade, e que se levanta e se dispõem porque também sabe que
quem fez o chamado não desampara jamais.
O canto de Maria permite identificar
traços de sua personalidade, seus sonhos de menina, seus temores, como também
sua compreensão da realidade que a cerca. No seu auge, ela entoa um brado
político de libertação e esperança: “Derrubou
príncipes de seus tronos e exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os
famintos e despediu de mãos vazias os ricos” (Lucas 1.52,53). Ela
entendia a relação de poder que provocava opressão e desigualdade sobre sua
gente. A causa da opressão estava na ação dos poderosos, a causa da pobreza
estava na exploração dos ricos. E ela alimentava a esperança de que a redenção divina
seria completa, libertando a humanidade de toda forma de opressão e exploração.
O Natal é a celebração da encarnação
da justiça e do amor de Deus por uma humanidade que sofre os danos da sua própria
maldade. Em Jesus de Nazaré, encontramos não só o perdão pela maldade humana,
mas a possibilidade de libertação e toda forma de opressão e de exploração. A
boa notícia da redenção não combina com as estruturas de poder nem com as
relações que promovem desigualdade. A fé que emerge do encontro com Jesus não
se nutre da ostentação, do preconceito, do orgulho e da vaidade, mas da
esperança de que a graça salvadora e libertadora há alcançar a todos e todas
que carecem dela. O Natal é tempo de libertação e de esperança.