sexta-feira, 29 de junho de 2012

Censo 2010: o sentido do crescimento evangélico e do encolhimento católico / Growth of Evangelicals in Brazil / El crecimiento de los evangélicos en Brasil

Os dados do censo de 2010, em comparação com o anterior, apontam o crescimento do número de evangélicos e o encolhimento do número de seguidores do catolicismo no Brasil. Hoje, o país conta com 64,6% de católicos e 22,2% de evangélicos, em seus mais diversos segmentos.
Essa tendência de redução dos católicos e de aumento de evangélicos já é algo esperado no cenário religioso brasileiro, principalmente por causa do crescimento dos segmentos pentecostais e neopentecostais. Até então, esse crescimento se devia em muito ao aumento da população e, em menor escala, ao proselitismo. Pela primeira vez, essa diferença se dá em números absolutos, com a diminuição do quantitativo de fiéis católicos, apesar do crescimento populacional. Acredita-se que, nos próximos 30 anos, o número de evangélicos seja superior ao de católicos no Brasil.
Essa tendência vem se acentuado desde o final do século XIX, com a chegada do protestantismo de missão, com uma ação missionária acentuada nos grandes centros urbanos e nas periferias. De início, deu-se de forma lenta, mas, a partir da década de 1990, essa diferença passou da casa dos 5% para os atuais 22,2%. O aumento foi de 44,1% nos últimos dez anos, o que é menor que o índice verificado na década anterior (71,1%). Pode se dizer que se trata de uma revolução silenciosa, mas que não corresponde a uma mudança significativa em termos sociais.
Outro indicador importante é o crescimento do número de evangélicos sem vínculo com uma igreja. Esse contigente passou de 4% do total de evangélicos em 2003 para 14% em 2009, conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, divulgados em 2011. Em relação à população, o salto foi de 0,7% para 2,9%, o que equivale a 4 milhões de pessoas aproximadamente.
O crescimento dos sem religião no Brasil, porém, é um dado novo que deve chamar nossa atenção. O crescimento do grupo dos que se dizem sem religião (incluindo os que afirmam serem ateus e agnósticos) foi na ordem de 70,2% nos últimos dez anos. Na verdade, os grupos religiosos de um modo geral experimentaram crescimento. Isso demonstra outro dado novo visto que demonstra o crescimento da diversidade religiosa no Brasil. Cresce também a intolerância e o preconceito religioso. Mas isso não aprace nos números do censo. O preconceito e a intolerância se dão de uma forma curiosa, através da construção de estereótipos que tipificam a figura de evangélicos e umbandistas, por exemplo.
A diminuição do número de católicos não significa diminuição da influência da instituição no Brasil, nem o crescimento do número de evangélicos significa crescimento da participação dos crentes na vida social. O crescimento dos evangélicos no Brasil aponta apenas uma mudança expressiva: fortaleceu um mercado religioso que mobiliza igrejas e empresas. Igrejas que tratam a fé como produto e a religião como mercado, empresas ávidas por oferecerem toda sorte de mercadoria para dar conta da demanda de uma nova categoria de consumidores. A igreja não é só o lugar do ritual e do sagrado, mas também de troca e de cuidado com os bens materiais. E isso não se dá somente no contexto da chamada teologia da prosperidade.
Os dados do último censo no Brasil reforçam o que as críticas já apontavam. Eles revelam a necessidade urgente de o cristianismo rever o desempenho de sua missão no contexto brasileiro. Isso não pode servir, de nenhum modo, para o ufanismo de lideranças, mas para conduzir a uma reflexão profunda sobre quais aspectos da ação pastoral precisam ser ajustados, tanto para um maior crescimento numérico como para consolidação dos espaços já conquistados. Deve, sim, nos ajudar a repensar o nosso jeito de fazer missão.
Para ajudar nessa relfexão, é bom lembrar de Dietrich Bonhoeffer, que, em 1944, estando preso pelo nazismo, disse: “A Igreja é Igreja somente se estiver aí para outros. Para começar, deve entregar tudo aos necessitados. Os pastores devem viver exclusivamente de doações livres da comunidade e eventualmente exercer uma profissão secular. A Igreja tem que participar das tarefas seculares da vida comunitária, não dominando, mas ajudando e servindo. Ela deve dizer às pessoas de todas as profissões o que significa uma vida com Cristo, o que significa, “estar-aí-para-outros”.”
(Imagem: http://oglobo.globo.com/, acesso em 29/6/2012)

terça-feira, 26 de junho de 2012

O princípio da solidariedade / The principle of solidarity / El principio de solidaridad

Certa vez Betinho disse que solidariedade não se agradece, comemora-se. Nunca se falou tanto em solidariedade. Empresas se especializam em desenvolver programas que promovam a solidariedade. A razão para isso é a necessidade latente de uma mudança de atitude que traga novas perspectivas para hoje, diante de tantas carências. Porém, cada vez mais se compreende que há recursos suficientes para todos. O problema é que vivemos num mundo marcado pela individualização e pela globalização. A lógica que rege as relações é voltada para o consumo, para a ganância e para a competição.
A solidariedade é um valor que orienta a ação humana a partir do sentimento de identificação com o outro com a finalidade de permitir a vida em comunhão, em que são fortalecidos o respeito mútuo e o sentido de realização pessoal. Nasceu da necessidade da vida em comum, que se acentua com o surgimento do ideal de civilização. Mas mesmo nas sociedades menos desenvolvidas já se veem os princípios da vida solidária entre os pertencentes do mesmo grupo.
Esse é um ideal humano antigo. O primeiro princípio constitucional da república brasileira é o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Aristóteles já compreendia em seu tempo que ninguém pode bastar-se a si mesmo. “Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”, disse. Na Utopia de Thomas More defendeu-se a ideia de que a natureza “quer que o bem-estar seja igualmente dividido entre todos os membros do gênero humano, e, desse modo, adverte-nos que não devemos perseguir os nossos interesses à custa da infelicidade alheia.” Para Dürkheim, a solidariedade é como as pessoas se mantêm unidas na dinâmica da vida social, como um sentimento de pertença e de semelhança.
A Bíblia toda ensina a sermos solidários. Há muita sabedoria nessa afirmação: “Aquele que oprime o pobre com isso despreza o seu Criador, mas quem ao necessitado trata com bondade honra a Deus”, Provérbios 14.31. O profeta Isaías chegou a questionar qual seria a melhor maneira de agradar a Deus: “Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?” Isaías 58.7.
Jesus ensinou que o princípio da nossa ação deve ser orientado pela maneira como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos na mesma situação do outro. Para Jesus, solidarizar é colocar-se no lugar do outro. Ele disse no Sermão do Monte: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas”, Mateus 7.12.
Precisamos construir juntos uma nova experiência de Deus em que sejam superadas a desigualdade e a injustiça, em que o sentido de propriedade e de liberdade ganhe uma nova conotação que estimule a vida em comunidade. É possível a construção de uma sociedade solidária? Seguindo a lógica da competição vigente na atualidade, não. Mas seguindo a orientação do Espírito Santo, sim. Foi isso que os primeiros cristãos experimentaram.
Solidariedade é o tema da pauta por um mundo melhor. Entretanto, para usar uma expressão de Antoine de Saint-Exupéry, “a verdadeira solidariedade começa quando não se espera nada em troca.” Apenas por desejarmos uma vida mais humana, tal como Deus sonhou para nós.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rio+20: o legado para o futuro que queremos / The legacy for the future we want / El legado para el futuro que queremos

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável deixa algum legado para a construção de um futuro melhor? Embora muitos comentários apontassem para o fracasso de um acordo com fixações de metas ambiciosas para as ações dos governos, acredito que há uma interessante contribuição dada pela Rio+20. Alguns até entendem que houve um retrocesso na tentativa de se formar uma consciência global no cuidado do meio ambiente e da vida, mas vejo que houve uma mobilização que irá orientar as discussões em torno do tema daqui por diante.
Em termos concretos, a gente pode dizer que o Espaço Humanidade se constituiu numa oportunidade de oferecer por meio da arte a reflexão sobre o modo como temos estabelecido nossas relações com a natureza e como temos lidado com a vida. A própria iniciativa de se criar um centro de pesquisa sobre sustentabilidade ligado a uma das maiores universidades da América Latina também é uma grande inovação. Podemos falar também da ênfase que se deu na formação de uma consciência planetária, baseada no princípio do agir localmente e pensar globalmente.
O maior legado, no entanto, é a capacidade demonstrada para se construir novas utopias, como a afirmação que as próximas gerações precisam ter as garantias mínimas de disporem dos mesmos recursos que hoje podemos contar. Uma outra utopia é a ideia de que uma nova mentalidade precisa substituir a que domina o consumo atual. Ficou evidente também a aspiração de uma nova consciência política a fim de que não haja mais espaço para a corrupção e regimes exploradores. A maior de todas as utopias, porém, é a convicção de que é preciso e é possível erradicar a pobreza extrema com ações concretas.
Ficou também a abertura para novas possibilidades de se cuidar da vida humana e suas relações. As manifestações que tumultuaram a cidade do Rio de Janeiro, os eventos paralelos e os discursos das autoridades durante a conferência deram conta de que há uma exigência para uma nova relação do homem consigo mesmo. Uma atitude que possa levar à superação do narcisismo e do hedonismo que marcam o comportamento que tem levado às principais causas que impedem a afirmação de uma consciência de sustentabilidade. Uma nova espiritualidade se faz necessária, que dê conta da salvação do homem de sua própria perdição. Não se salva o mundo abraçando árvores. Num tempo em que se dá tanta ênfase aos direitos individuais e de minorias, a Rio+20 colocou em questão a necessidade humana de se viver com dignidade e de se construir valores que estejam relacionados ao resgate de nossa humanização. O maior direito a ser garantido é o da vida. E é nessa hora que ouço a voz de Jesus em meio a tantas vozes que clamam por uma vida melhor: “eu vim para que tenha vida, e a tenham em abundância.”

terça-feira, 19 de junho de 2012

Rio+20: Caminhos para um mundo mais sustentável / Ways to a sustainable world / Caminos hacia un mundo sostenible

A Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, já começou prometendo ser um fracasso no que diz respeito à produção de um acordo para aquilo que tem se chamado de “economia verde”. Seu grande legado, no entanto, será envolver a sociedade organizada em um leque de discussões que pode suscitar mudanças de atitude.
O maior problema enfrentado tem a ver com a adequação do modelo econômico adotado para comportar o princípio da sustentabilidade. Outro problema grave é a respeito de quem vai pagar a conta da implantação de um novo paradigma para a economia mundial. O que se prevê é que esse custo represente cerca de 2% de toda a riqueza produzida no mundo. O custo com material bélico e até mesmo o custo para cobrir o rombo dos bancos em meio às grandes crises envolvem somas muito maiores.
Já se chegou à conclusão de que este é o momento para tomada de decisões a fim de possibilitar os mesmos recursos de que dispomos para a próxima geração. Caso não sejamos capazes de uma decisão que contenha os avanços do consumo, as possibilidades de solução diminuem conforme o tempo passa.
Já se chegou à conscientização de que a natureza fornece recursos para o consumo sustentável para um planeta com até doze bilhões de habitantes. Entretanto, se cada pessoa consumir como um cidadão norte-americano, serão necessários três planetas Terra para dar conta.
Uma outra constatação é que o fenômeno do aquecimento global tem sido questionado cientificamente. Sua principal causa pode não ser a emissão de gases do efeito estufa. Outros problemas precisam de maior atenção, tais como as causas do processo de desertificação e o comprometimento dos mananciais de água para o consumo humano.
Os caminhos para o desenvolvimento sustentável passam, portanto, por atitudes do tipo:
- erradicação da miséria, proporcionando oportunidade de geração de renda e a desocupação das áreas de risco;
- repensar o papel das cidades, as formas de organização da vida urbana e a relação das cidades com as áreas de preservação ambiental;
- mudança do modelo econômico vigente, substituindo a lógica do lucro pela lógica da parceria, a base monetária por uma preocupação mais social e o consumismo pela dinâmica do contentamento;
- cuidado com a geração futura, com ênfase no conhecimento e na formação de valores para o sentido de comunidade e não da competição;
- formação de lideranças participativas, com o combate à corrupção e a rejeição às lideranças autocentradas a partir de princípios de transparência no trato do bem comum.
Pensar em sustentabilidade é imaginar um mundo ecologicamente mais limpo, socialmente mais justo e politicamente mais ético. Embora a Rio+20 possa resultar em poucas soluções práticas, isso desperta a necessidade de uma nova espiritualidade. “Noutros tempos, blasfemar contra Deus era a maior das blasfêmias [...] Agora, o mais espantoso é blasfemar da terra”, disse Nietzsche. Não resta a menor dúvida que acima das decisões dos governos está o chamado divino a uma atitude de respeito à vida como resposta de amor ao Deus da vida.

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