quinta-feira, 29 de junho de 2023

Diante da finitude / Facing finitude / Frente a la finitud

Lembra-te de como é passageira a minha vida. Terás criado em vão todos os homens?” (Salmos 89.47).

Em pleno século 21, a humanidade ainda não aprendeu a lidar com a morte, embora seja uma realidade tão presente na vida de nossas famílias e de nossa sociedade, seja pela sua chegada lenta ou sorrateira, seja pelo seu acometimento súbito. As novas tecnologias podem até ajudar a controlar sua proximidade, mas não podem evitar que ela aconteça.

A morte não pode ser tratada como uma mera separação entre corpo e mente ou alma. Ela marca o fim de uma existência. Todos nós sabemos que a vida não dura para sempre, porém temos muita dificuldade para lidar com a proximidade da morte. O limite da vida do de ser é conhecido em filosofia e psicologia como finitude. É a característica do que é finito. O sentido de finitude nos ajuda a compreender melhor o valor da vida e a aprender a como aproveitar as oportunidades que ela os traz. Encarar a finitude é enfrentar a realidade da vida sem ilusões.

Freud argumenta que o modo civilizado com que temos tratado a morte tem dado lugar a um sentimento e a uma necessidade de vivermos além dos nossos recursos. A nossa vida é única e breve e, por mais que possamos tentar evitar a proximidade do seu fim, precisamos aproveitar melhor o nosso tempo de vida. Quando passamos a olhar a vida e a morte com mais naturalidade e admitimos a transitoriedade e a brevidade da vida, podemos agir com mais autenticidade, mais amor e mais coragem.

A Bíblia afirma que a pessoa sábia pensa na morte. “Quem só pensa em se divertir é tolo; quem é sábio pensa também na morte” (Eclesiastes 7.4 NTLH). O princípio bíblico apresentado por Jesus é: morra para viver, e não apenas viva para morrer. Disse Jesus: Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida por minha causa, a encontrará” (Mateus 16.25). Pensar na morte é compreender que a vida é muito mais do que uma questão de temporalidade.

Sêneca afirmou, em Sobre a brevidade da vida, que “não é da morte que temos medo, mas de pensar nela”. Esse medo de pensar na morte tem mobilizado a vida da humanidade e alimentado o sonho pela imortalidade. “De todas as coisas que movem o homem, uma das principais é o terror da morte”, disse Ernest Becker, no livro A negação da morte.

A questão que se levanta é: como conduziríamos nossa vida se soubéssemos o dia em que ela irá terminar? Quanto tempo ainda temos aqui para realizarmos tudo aquilo que desejamos de bom para as pessoas que amamos? Manuel Bandeira escreveu no poema Consoada: Quando a Indesejada das gentes chegar / (Não sei se dura ou caroável), / Talvez eu tenha medo, / Talvez sorria, ou diga: / – Alô, iniludível! / O meu dia foi bom, pode a noite descer. / (A noite com os seus sortilégios.) / Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar”.

Diante da certeza da finitude, a melhor decisão que podemos tomar é investir no que vai durar para sempre. Uma vez que não ficaremos aqui de forma permanente, muitas preocupações que temos se mostram desnecessárias, principalmente em relação ao futuro. “Nunca tenha medo de confiar um futuro desconhecido a um Deus conhecido”. Essa frase é de Corie Ten Boom, uma sobrevivente do Nazismo.

O ciclo vida e morte é um duro aprendizado. Nós, maus alunos”, argumenta Lya Luft, no artigo O ciclo da vida, publicado na Revista Veja de 27 de agosto de 2014. Temos em nós mesmos o desejo pela eternidade. Ao comentar essa constatação, C.S. Lewis argumenta: “Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta Terra pode satisfazer. A única explicação lógica é que eu fui feito para outro mundo”.

A sensação de que aqui não é o nosso lugar só pode ter uma explicação: fomos gerados por um amor eterno e para desejarmos a eternidade. Uma vida que anseia pela eternidade encara as circunstâncias da vida com maior esperança. E isso conduz a um modo de vida que possa fazer valer a penas desfrutarmos do tempo que temos aqui.

Não podemos viver o quanto queremos, e morreremos mesmo se não quisermos”, afirmou Santo Agostinho. Foi ele mesmo que fez a conhecida oração sobre a morte: “A morte não é nada. Apenas fiz a passagem para o outro lado: é como se estivesse escondido no quarto ao lado. Eu sempre serei eu e tu serás sempre tu. O que éramos antes um para o outro o somos ainda”. Diante da realidade da morte, só nos resta viver de modo digno enquanto ela não chega.

No livro Um mês para viver, os autores Kerry e Chris Shook propõem um exercício prático durante 30 dias para refletir sobre como poderíamos viver de forma apaixonada, completamente amorosa, aprendendo humildemente e agindo corajosamente. A ideia é viver de tal modo como se cada momento fosse o último da vida. Isso implica uma nova atitude marcada pelo amor, pelo perdão, pela integridade e pelo ensusiasmo. Essa reflexão sobre a finitude tem o poder de gerar mais vida.

terça-feira, 6 de junho de 2023

Desafio para a obra missionária: o lugar do outro / Challenge for missionary work: the place of the other / Desafío para la obra misionera: el lugar del otro

A obra missionária, tal como a conhecemos hoje, é resultado de estratégias que o cristianismo desenvolveu a partir da colonização. As atividades missionárias, via de regra, são definidas com termos retirados das práticas de intervenção desenvolvidas pelo colonialismo ocidental. Expressões como cruzada, conquista e campo missionário são representativas dessa forma de lidar com a evangelização mundial.

O maior desafio da obra missionária em pleno século 21 é resgatar o sentido do envio que está presente no discurso de Jesus e dos primeiros cristãos. Não se tratava de implantar um domínio ou um novo princípio moral, mas de se viver o evangelho da graça de forma plena no contexto de uma nova cultura como testemunhas do amor de Deus. Por essa razão, os primeiros seguidores de Jesus foram chamados de cristãos, por serem as melhores representações de Cristo no mundo.

Fazer missão é fazer um movimento na direção do outro, para dentro de sua realidade concreta de vida no mundo. A principal tarefa da obra missionária, que é evangelizar, não se restringe a conquistar novos adeptos para a religião cristã. Evangelizar é anunciar a boa notícia de que uma nova vida é possível.

O mundo em que a igreja está inserida é completamente diferente tanto dos cristãos primitivos quanto da época das conquistas territoriais do Ocidente e do desenvolvimento das estratégias de missões modernas. Entretanto, a demanda por uma igreja que esteja em sintonia com as necessidades das pessoas permanece como um incômodo chamado para repensar o modo como realizamos a obra missionária hoje.

A igreja é a comunidade dos que são chamados a sair de sua posição de conforto e fazer um movimento para dentro do mundo, não para fora ou para longe dele. A palavra grega ekklesia lembra isso. Ela é iniciada com a preposição ek-, que tem o sentido de um movimento para fora.

A igreja se reúne para orar uns pelos outros, para cuidar uns dos outros, para encorajar uns aos outros e para instruir uns aos outros. Mas o espaço de reunião não é seu local de permanência. A igreja não existe para viver enclausurada num lugar sagrado. Ela existe para fazer diferença no mundo. A igreja só é igreja quando faz o movimento em direção ao outro em suas condições concretas de vida no mundo.

Quais são os desafios para a evangelização mundial e para a obra missionária no mundo atual? Podemos alistar algumas:

- Restaurar a dignidade humana.

- Promover justiça.

- Semear a paz.

- Reacender a esperança.

- Praticar o amor fraternal.

- Cuidar da vida em todas as suas formas e expressões.

Em resumo, o maior desafio da obra missionária em pleno século 21 é levar paz, consolo e esperança para quem enfrenta situações que colocam a vida em risco. Temas como mudanças climática, ameaças de guerra, fome e crise migratória demandam atitudes que emanam do evangelho da graça.

Quem almeja realizar a obra missionária tem o dever de estar antenado e bem informado sobre o que faz o outro sofrer. As causas do sofrimento não são apenas circunstanciais, mas também estruturais. O chamado de Jesus para missões implica levantar os olhos e ver os campos prontos para a colheita, sentir compaixão das pessoas que andam errantes como ovelhas sem pastor, ir às cidades pregar a boa nova do Reino de Deus. O mundo mudou, mas o chamado continua o mesmo.

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