segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Recomeçar / Restart / Volver a empezar

 

Recomeçar é uma decisão que implica coragem e disposição. Embora seja da natureza a sua renovação, começar de novo, tentar outra vez ou ter uma segunda chance são oportunidades que envolvem a nossa condição humana de estar aberto para novas possibilidades, mesmo quando enfrentamos fracassos, perdas ou derrotas.

A letra da música escrita por Paulo Vanzoline em 1962, eternizada na voz de Maria Betânia e de outros cantores, lembra a gente disso: “Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. A decisão de recomeçar, porém, não é fácil. É preciso encarar a dor, o medo e até a solidão que marcaram a destruição de um sonho, de um projeto, de um relacionamento e de uma trajetória de conquistas que precisam ser recomeçados.

Na natureza, as árvores precisam perder suas folhagens para poderem florescer. Muitas vezes, no processo de recomeçar, é preciso abrir mão de determinadas condições para que possamos experimentar a vida de outro modo. Trata-se de um tempo para rever nossos valores, nossas estratégias, nossos conceitos e até os nossos propósitos. O maior equívoco que se pode ter é tentar fazer a mesma coisa outra vez cometendo os mesmos erros.

O pensamento humano está repleto de ideias sobre recomeços, como uma lei do próprio universo em que tudo se renova como um ciclo na perpétua manutenção da vida. Por isso, recomeçar é revigorante, traz em si uma sensação de liberdade e de abertura para o que está adiante. É como uma disposição para seguir em frente e experimentar novas possibilidades de se realizar.

Nas religiões orientais, como no hinduísmo e zen-budismo, fala-se dos ciclos da vida. O tempo não é linear, é cíclico e se repete constantemente. A circularidade da vida é marcada pelo eterno retorno, como um renovar constante.

Na mitologia grega, encontramos o mito de Sísifo, um personagem controverso que era capaz de enganar os próprios deuses e a morte. Quando morreu, sua alma foi considerada rebelde e condenada a rolar por toda a eternidade uma enorme pedra de mármore até o cume de uma montanha. O problema era que, toda vez que estava quase chegando ao topo, a pedra rolava montanha abaixo de volta ao início. E Sísifo tinha que reiniciar o esforço de levá-la para cima.

Albert Camus viu no mito de Sísifo a representação da existência humana na busca do sentido da vida, mas que se depara com um mundo ininteligível, dominado por crenças e ideologias. Diante da falta de sentido para a vida, a melhor solução não deveria ser o suicídio, mas a capacidade de se revoltar.

Na Filosofia, desenvolveu-se a noção de Eterno Retorno para se referir ao fato de que toda existência é marcada pela recorrência. Esse conceito já se encontrava presente em Heráclito e nos pitagóricos, pensadores pré-socráticos no século V AEC, e também no estoicismo. Friedrich Nietzsche, porém, elaborou a teoria do Eterno Retorno para indagar se seríamos capazes de suportar uma vida em que nossas experiências de prazer e dor pudessem se repetir eternamente. Essa condição serve como um desafio ético para que possamos desejar viver de maneira digna e a nos conduzir a uma reflexão mais profunda sobre os valores que norteiam a vida.

A Bíblia também fala de recomeços. No livro de Eclesiastes, encontramos essa afirmação: O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1.9). Esse texto traz consigo a ideia de que, apesar de todas as mudanças que a vida possa experimentar, permanecemos os mesmos. O profeta Jeremias lembra que a misericórdia divina se renova para continuar sempre ao alcança daqueles que Deus ama:Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade!” (Lamentações 3.22,23).

A mensagem bíblica nos lembra de que recomeçar é uma possibilidade até mesmo para os que podem ser considerados justos: Pois ainda que o justo caia sete vezes, tornará a erguer-se, mas os ímpios são arrastados pela calamidade” (Provérbios 24.16). E diz ainda que Deus não se encontra alheio aos recomeços: O Senhor ampara todos os que caem e levanta todos os que estão prostrados” (Salmos 145.14).

Os evangelhos apresentam a mensagem de Jesus que propõe uma nova oportunidade de vida a partir do seguimento de seu exemplo e da prática de seus ensinos. O Novo Testamento nos diz que Deus está preparando novos céus e nova terra. Por isso: Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (2 Pedro 3.13).

O poeta Roberto Gaefke registrou: “Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo… É renovar as esperanças na vida e, o mais importante: acreditar em você de novo” (esse texto, que também se chama “Faxina da alma”, tem sido atribuído a Carlos Drummond de Andrade por engano). A vida é um eterno recomeço. Pode ser um novo dia que se inicia, um novo mês, um novo ano, uma nova descoberta, um novo relacionamento, um novo emprego. Enfim, a vida está em aberto, só precisamos nos permitir tentar mais uma vez, fazer de outro modo, acreditar nas novas possibilidades.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O anúncio do primeiro Natal: Esperança, alegria e paz para toda a humanidade / The announcement of the first Christmas: Hope, joy and peace for all humanity / El anuncio de la primera Navidad: Esperanza, alegría y paz para toda la humanidad

A primeira experiência de anúncio do nascimento de Jesus aconteceu de uma forma extraordinária: criaturas celestiais apareceram a pessoas humildes. A narrativa desse episódio encontra-se em Lucas 2.1-14 como parte do registro histórico do nascimento do menino Jesus. Nesse texto, dos versículos de 1 a 7, Lucas faz um relato objetivo sobre os episódios em torno do evento. Nos versículos de 8 a 14, encontra-se o relato de como se deu o primeiro anúncio desse acontecimento que mudou a história da humanidade.

O anúncio começa com a visita de um mensageiro especial e culmina com o canto conhecido como Gloria in Excelsis. A presença do anjo anunciador é acompanhada do resplendor da glória de Deus, o que conferiu ao anúncio do evento um grande significado.

A figura dos anjos na Bíblia é sempre envolta por mistérios. Eles são tratados como mensageiros de Deus aos homens. A presença do anjo é marcada pela relação entre luz e trevas: a glória divina resplendece em meio à escuridão da noite, como uma metáfora da luz divina que invade em meio às trevas humanas. Os pastores eram gente do povo, cuja profissão era considerada imunda pela tradição religiosa. Eles eram desprezados e nem podiam servir de testemunha em julgamentos.

Assim Lucas conta como isso se deu: E aconteceu que um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor resplandeceu ao redor deles [...]” (Lucas 2.9). A notícia do Natal foi dada primeiramente por criaturas dotadas de uma extraordinária capacidade de relação com Deus, e foi destinada a gente desprezada e excluída, para pessoas que não eram consideradas dignas para a sociedade.

O anúncio do Natal foi feito a partir de três mensagens simples e objetiva. A primeira mensagem do Natal é: “[...] Não tenham medo [...]” (Lucas 2.10), que remete ao fato de que o anúncio do nascimento de Jesus traz a força que vence o medo, a esperança que vence a angústia. A segunda mensagem é: “[...] Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria [...]” (Lucas 2.10). Lembra-nos que esse anúncio renova o ânimo e restaura a alegria de quem se encontra excluído e marginalizado. E a terceira mensagem é: “[As boas novas de grande alegria] são para todo o povo” (Lucas 2.10), para deixar bem claro que o anúncio é para toda a humanidade.

A boa notícia de grande alegria é que o Salvador nasceu como um de nós, ele se fez nosso irmão, gente como a gente. O eterno se fez história. O sobrenatural se tornou parte da criação. O transcendente agora está presente entre nós. Assim o anjo proclamou: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2.11).

Ao anunciar o nascimento de Jesus, o anjo concedeu a ele três títulos: o de Salvador, que lembra a obra restauradora de Deus para quem se encontra perdido; o de Cristo, que se refere ao ungido de Deus, o Messias prometido, aquele que vem cumprir a missão de Deus; e o de Senhor, que é o título atribuído ao próprio Deus em toda a Escritura.

Havia também um sinal para a checagem de que aquela notícia era verdadeira, com representações humanas e simples: “[...] encontrarão o bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lucas 2.12). O Deus todo-poderoso se fez frágil como uma criança, carente de cuidado e acolhida.

Em seguida a esses acontecimentos, um coro angelical entoa um hino contendo três versos breves. Esse hino é uma exaltação a Deus pela obra redentora, que se dá a partir da pessoa de Jesus Cristo. Eles cantaram: Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu favor” (Lucas 2.14).

Os versos desse hino angelical falam de três aspectos da revelação de Deus em Cristo. O primeiro é o fato de que o Natal é a lembrança do Deus que vem a nós. A essência do Natal é a encarnação de Deus em Cristo. O segundo é o fato de que o Natal é um convite para que todos nós possamos experimentar a paz. A salvação consiste na libertação de tudo aquilo que nos oprime, nos aflige e nos distancia de Deus. E o terceiro tem a ver com o fato de que o Natal é uma proposta de nova vida como pessoas. A mensagem da salvação restaura a alegria e a esperança, renova as nossas forças para seguir em frente.

O Natal tem uma mensagem viva para toda a humanidade, de que Deus se importa conosco, mesmo sendo humildes e desprezados. Foi para isso que a graça foi revelada, para dizer para todos e todas que é possível experimentar a vida de outro modo, como nova criação, a partir da relação e compromisso com a pessoa de Jesus.

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