sábado, 30 de dezembro de 2017

Uma poética da esperança / A poetic of hope / Una poética de la esperanza

O nascimento de Cristo foi um acontecimento único na história da humanidade, o momento em que o divino e o humano se encontram no surgimento de uma nova vida. Um singelo bebê foi a expressão da plenitude da revelação divina. Um fato como esse não dá para ser descrito a partir da narrativa que a ciência ocidental está acostumada. É o que podemos chamar de inefável, indizível e inebriante. A linguagem não é capaz de abarcar todo o seu significado.
A mentalidade científica, sobretudo a partir da Modernidade, reduziu o conhecimento àquilo que pode ser matematizado, explícito de forma racional e explicado a partir de uma lógica causal e mecanicista. De tal modo que achamos que somos capazes de produzir um discurso esclarecedor. O evento do nascimento de Cristo, porém, está envolto do mistério, dessa penumbra que coloca em questão a nossa razão, que desafia o nosso entendimento.
O Natal é tempo de celebrar a lembrança de um Deus que vem a nós. A história da encarnação de Deus em Cristo é para nos lembrar que tudo é possível para Ele. Ela nos remete ao real sentido da salvação: o resgate do humano que foi criado como semelhante ao divino. Para que possamos viver de forma humana diante de Deus, o divino se fez humano.
Somente a linguagem poética é capaz de alcançar e de expressar o que o Natal nos lembra. Por isso, a maneira como o evangelista Lucas conta a história do Natal é cercada de cânticos. Ele apresenta várias dessas poesias entoadas por anjos e pessoas que fizeram parte daquele momento sem igual. São chamados de “cânticos do advento” e a tradição cristã atribuiu a alguns deles nomes em latim. São manifestações poéticas diante da revelação do mistério divino.
Veja uma breve lista dessas poesias no evangelho de Lucas:
a) O canto de Isabel – Lucas 1.25.
b) Saudação do Anjo, também conhecido como Ave Maria – Lucas 1.28-33.
c) O canto de Maria, também conhecido como Magnificat – Lucas 1.46-55.
d) O canto de Zacarias, também conhecido como Benedictus – Lucas 1.68-79.
e) O canto dos Anjos, também conhecido como Gloria in Excelsis – Lucas 2.14.
f) O canto de Simeão, também conhecido como Nunc Dimittis – Lucas 2.29-32.
g) A profecia de Zacarias – Lucas 2.34-35.
As canções de Natal que nos acostumamos a ouvir durante esse período festivo foram compostas mais recentemente e são reflexos de uma cultura diferente do contexto em que Jesus nasceu. Já as canções do advento registradas por Lucas são expressões de quem viveu aquele primeiro momento, que vislumbrou o descortinar da revelação divina aos homens.
A fé e a poesia são experiências muito próximas. A fé é o que orienta a nossa caminhada em direção a Des. A poesia é um modo de expressar pela linguagem o que está além da nossa compreensão. Fé e poesia se complementam, trazem consigo uma relação que põe em jogo nossa própria existência. A fé se nega a repetir formulações dogmáticas e a poesia se nega a reproduzir a semântica normativa e do senso comum. A fé é o que nos conduz a estarmos abertos às possibilidades divinas e a poesia se manifesta está sempre aberta a uma estética da existência.
A teologia já se deu conta de que não é capaz de descrever em linguagem científica o universo que envolve a fé. Os textos dogmáticos não exprimem tudo o que cremos, em quem cremos nem por que cremos. Através da linguagem poética, é possível mergulhar num universo de sentidos, de vitalidade, de esperança que a inspiração do Espírito nos aponta.
Lucas registra que aqueles cantores eram movidos pelo Espírito para celebrar a revelação da graça, para louvar ao Senhor da Graça, para profetizar o tempo novo e renovar a esperança na graça divina. Eram “boa novas” para toda a humanidade, pois a salvação tão desejada era agora uma realidade.

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