domingo, 30 de setembro de 2018

Fascismo e resistência: mulheres contra o preconceito / Fascism and resistance: women against prejudice / Fascismo y resistencia: mujeres contra el prejuicio


A manifestação do dia 29 de setembro se transformou num símbolo da luta que cerca a eleição 2018: um grito contra o avanço do ódio e do preconceito. Eu diria mais: um grito contra o fascismo que floresceu na sociedade brasileira, travestido de discursos fundamentalistas, racistas, misóginos e homofóbicos. Por dezenas de cidades no Brasil em quase todos os estados e em diversas cidades do mundo o grito foi um só: ele não, numa referência ao candidato de extrema direita que desponta na corrida eleitoral para a presidência da república.
A mobilização das mulheres, através das redes sociais, foi um indicativo de que fascistas, reacionários, oligarcas e conservadores não terão vida fácil na eleição. É a primeira vez na história, pelo que se tem notícia, que se mobiliza tanta gente em torno da rejeição a um candidato em plena campanha eleitoral. O interessante é que o protesto aconteceu um dia depois de o candidato em referência ter declarado que não aceitaria outro resultado das urnas que não fosse a sua vitória. Embora as pesquisas lhe dê uma certa margem no primeiro turno, isso não significa ter a maioria.
O que assusta nessa eleição é o crescimento do número daqueles que defendem ideias reacionárias, como a volta da ditadura, o preconceito racial, a discriminação de gênero e até a rejeição a direitos sociais que foram conquistados com muita luta. São ideias forjadas no contexto de uma elite oligárquica e conservadora que quer se manter no controle do Estado para satisfazer a seus interesses particulares. O mais inacreditável é que tais ideias são defendidas por líderes religiosos cristãos – em grande parte de evangélicos –, induzindo o voto dos fiéis em favor daqueles que as transformaram em bandeira e plataforma para políticas de Estado.
Foi o maior ato comandado pelas mulheres na história do Brasil. Não que tivessem outros. As mulheres já protagonizaram outras manifestações, como a primeira greve geral de trabalhadores em 1917, a luta pelo direito ao voto nas décadas de 1920 e 1930, e a resistência contra a ditadura em 1968, que foram campanhas emblemáticas e vitoriosas. O ato do Ele Não vai também entrar para a história como a maior demonstração de protesto desde o golpe de 2016.
A grande mídia, porém, deu pouca cobertura aos atos. Tentou até menosprezar com a reportagem de manifestações pouco significativas pró candidato da extrema direita. As manchetes dos grandes jornais no dia seguinte tentaram esconder as imagens do movimento das mulheres. Mas as redes sociais foram invadidas de vídeos e fotos que testemunham o sucesso do grito delas.
Isso só reforça o que venho observando. O fascismo voltou. Já o vencemos uma vez. Venceremos de novo.
(Foto aérea de O Globo).

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Fé e política: aproximações e dimensão pública / Faith and politics: approaches and public dimension / Fe y política: aproximaciones y dimensión pública

A fé e a política são concepções distintas, mas que estão inter-relacionadas e são complementares uma a outra. A fé, para ser validada, precisa ser expressa em termos de ações concretas na direção do outro, de tal modo que, sem isso, não passa de um exercício vazio de significado. As atitudes humanas vinculadas à fé se tornam mais significativas quando realizadas em meio à dinâmica da vida social.
Trata-se de duas ações humanas que se destinam a um mesmo propósito, que é o de trabalhar pela realização humana. Ambas, quando estão interligadas, têm a ver com a tentativa de tornar visível o modo como Deus está presente e ativo ha história. Apesar disso, elas não são da mesma natureza. Enquanto a fé é a busca pelo entendimento que liberta, a política é a construção de caminhos para se chegar ao entendimento. Fé e política, desse modo, se completam na medida em que visam a superação do engano e o tratamento dos conflitos que envolvem a construção da dignidade humana.
A fé, portanto, é um exercício político. Optar por uma vida de fé é, em certa medida, fazer uma opção política, visto que ela tanto pode validar um modo de compreender que oprime quanto pode orientar o entendimento para a busca de libertação. E desvincular a fé da política é uma tentativa de aniquilar a própria natureza da missão. Por causa dessa separação, pessoas sem qualquer temor ou caráter chegam ao poder, e a religião se transforma em um território dominado por falsos profetas.
A fé envolve tanto um esforço individual para se inserir na vida comunitária quanto confere identidade para a comunidade daqueles que partilham da mesma vivência de fé. Vincular a fé e a política é uma necessidade que exige um aprendizado a partir de uma escuta atenta do que afeta a vida do outro e a vida comunitária, bem como de saber ouvir o chamado divino para uma ação transformadora no mundo.
Uma vivência de fé que esteja indiferente às formas de opressão, de exploração e de cerceamento da liberdade acaba se tornando um instrumento de perpetuação e de consolidação das estruturas que sustentam aquilo que oprime, que explora e que cerceia a liberdade. Isso implica compreender suas causas históricas, identificar os processos que as desencadeiam e perceber os modos como elas se realizam de forma concreta na sociedade.
A política não está desvinculada da fé. Ela se sustenta por um sistema de crenças, valores e princípios que visam dar direção às práticas e ações públicas que estão voltadas para a promoção do bem comum. A relação entre fé e política diz respeito a uma dialética que permite vivenciar historicamente aquilo que só conseguimos visualizar espiritualmente. Via de regra, achamos que a fé é própria do contexto religioso e que se limita a ele, enquanto que a política está mais relacionada com a atividade de instituições partidárias, de organismos cooperativistas e de movimentos populares. Mas tanto no ambiente onde se vivencia a fé quanto nos contextos das ações coletivas, fé e política se fazem presente de forma inequívoca.
No contexto religioso, a fé precisa estar comprometida com o projeto divino de salvar e libertar o humano de forma integral de tudo o que o afasta e de tudo que distorce os valores do Reino de Deus. Ela confirma esse seu comprometimento através da celebração, do anúncio e da reflexão à luz dos textos sagrados. Uma fé comprometida com o humano de forma integral assume o papel profético de declarar o propósito divino para toda a humanidade e de cumprir a missão divina de convocar e acolher a todo aquele que atende ao convite amoroso do Pai para seguir os seus ensinos. Da mesma forma, ela encoraja cada homem e mulher para serem agentes de sua própria transformação e das mudanças que precisam acontecer na vida social.
Isso, porém, não quer dizer que a comunidade de fé tenha que interferir nas práticas que competem às instituições políticas e nem que líderes religiosos tenham que emitir pareceres sobre os segmentos da sociedade a partir de um juízo de valor. Mas ele têm o dever de contribuir para a formação de pessoas mais conscientes de sua cidadania e que sejam capazes de superar todas as formas de alienação, a fim de que elas protagonizem atitudes que promovam o bem comum, o bom senso e a equidade.
A fé milita com valores que norteiam a ação política, tais como a justiça, a liberdade e o direito de cada pessoa viver dignamente. Sem isso, a fé não passa de “ópio do povo”. Quando a fé e vivenciada em meio aos valores que primam por uma sociedade mais justa, pelo exercício da liberdade e pela defesa dos Direitos Humanos, ela se aproxima daquilo que encontramos Jesus Cristo propor nos evangelhos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Se Jesus votasse hoje: reflexões sobre fé e política / If Jesus voted today: Reflections on Faith and Politics / Si Jesús votara hoy: reflexiones sobre la fe y la política


Jesus viveu num tempo dominado por um regime opressor e oligárquico. Não havia democracia em seu tempo. Votar não correspondia a uma experiência vivida pelo seu povo, principalmente o voto como expressão livre de uma consciência popular. Mas é interessante pensar como Jesus agiria se vivesse num tempo em que a eleição fosse a base da construção de uma sociedade justa e democrática, tal como se propõe nas democracias atuais.
Em tempos eleitorais, em que lideranças religiosas tentam induzir o voto de suas comunidades para beneficiar os candidatos com os quais têm relações, vale a pena pensar a respeito do que Jesus faria se vivesse o momento em que estamos vivendo. A gente percebe nas narrativas dos evangelhos que, em termos de participação social e política, Jesus foi um cidadão comum. Ele não deixou de pagar seus tributos, de praticar os costumes e até de participar dos festejos nacionais. Ele inclusive acatou mansamente a decisão judicial, ainda que injusta, de sua condenação. E isso era um hábito familiar. Seus pais também observaram o decreto de recenseamento da população, uma prova de que cumpriam as leis civis. Ele certamente seria um eleitor consciente.
Três perguntas me vêm a mente a respeito do que Jesus faria se tivesse que votar. A primeira é: em quem Jesus votaria? Ele certamente votaria em candidatos comprometidos com os valores do Reino de Deus, que são a justiça, a compaixão e o amor. Ele também escolheria candidatos dispostos a servir, e não a serem servidos. E penso que teria maior interesse em candidatos que estivessem abertos a romper com as velhas estruturas e com uma forma arcaica de pensar, que sustenta a lógica da dominação e da opressão.
A segunda pergunta é: qual seria a pauta de propostas políticas que Jesus defenderia? Ele defenderia o direito dos mais vulneráveis, dos excluídos da sociedade. Ele daria prioridade à solução de problemas nas áreas da saúde, da educação e do trabalho. Ele também defenderia políticas de combate à concentração de renda e ao exercício do poder na mão dos mais ricos.
A terceira pergunta é: como Jesus se envolveria numa campanha eleitoral? Ele enfrentaria os “vendilhões do templo”, representado por aqueles que fazem do espaço religioso um território de domínio de suas ações políticas. Ele criticaria a atitude dos poderosos, das classes mais ricas e das categorias que têm a responsabilidade de cuidar da sociedade. Ele confrontaria os poderosos a partir combate à ganância e à exploração dos mais pobres. E ele seria solidário com os que sofrem, colocando-se ao lado dos que perderam toda a esperança.
A comunidade cristã tem uma grande responsabilidade em tempos eleitorais. Da mesma forma que os cristãos precisam agir como Cristo em todas as áreas da vida, acredito que essa mesma atitude deveria se repetir na hora de exercer o dever cívico de votar. Cada cristão votando deveria ser como Cristo fazendo valer sua consciência social e política.

sábado, 1 de setembro de 2018

Impedimento de Lula: O desfecho do golpe / Offside Lula: The Coup's End / Lula rechazado: El desenlace del golpe


Na madrugada do dia 31 de agosto para o dia 1 de setembro de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil decidiu barrar a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Levando-se em consideração que se trata de alguém condenado em segunda instância por crime contra a administração pública, o fato poderia ser interpretado como uma aplicação natural da Lei de Ficha Limpa. Mas, para essa decisão, o TSE atropelou prazos, desconsiderou uma decisão da ONU em defesa do direito de Lula ser candidato e ainda não se ateve ao mérito da condenação sem provas e sem direito a recursos ou Habeas Corpus a que Lula está submetido.
Ao tornar Lula inelegível e cassar seus direitos políticos, o TSE confirma o regime de exceção que vem sendo seguido desde o início do golpe. Para relembrar, o golpe foi tramado desde 2014 com a onda de investigações e denúncias seletivas no interior da Operação Lava Jato para enfraquecer a candidatura de Dilma Roussef à reeleição, mas isso não foi suficiente para impedir a quarta vitória consecutiva do Partido dos Trabalhadores ao cargo máximo do país. O golpe teve continuidade com a atitude antidemocrática do candidato derrotado ao não aceitar o resultado das urnas, com sucessivas tentativas de anular o pleito até anunciar da tribuna do Congresso, quando a ocupou pela primeira vez no ano seguinte, que iria “quebrar o país” até Dilma ser deposta. O golpe se consumou com o processo de impeachment, em 2016, sem haver crime cometido pela Presidente. Como resultado, o Brasil tem vivido uma crise sem precedentes, com um governo com alto índice de rejeição e que vem tomando medidas que prejudicam a população, como a perda de direitos, o congelamento de gastos sociais e a reforma trabalhista. O foco final do golpe seria a retirada do cenário político do candidato mais cotado à Presidência, que vinha sendo apontado pelas pesquisas com chances de vencer até no primeiro turno.
Em uma certa medida, o golpe tem sido bem-sucedido. Conseguiu tirar Lula da eleição, assim como tirou o PT do poder e os direitos sociais dos mais pobres. Entretanto, não tem conseguido impedir a mobilização popular de resistência às manobras políticas da justiça para interferir no resultado das urnas. O que poderia ser um processo com aparente legalidade, seguindo o trâmite institucional, torna-se um desencadeador do movimento de resistência que poderá ser verificado no comportamento das urnas. Embora tenha sido bem-sucedido nos quesitos de impedimentos políticos, o golpe tem sido um fracasso total, mergulhando o país numa crise sem volta, com desemprego em alta, baixíssimo crescimento econômico e perda do poder de compra dos salários.
O PT acertou em não abandonar o Lula até as últimas consequências. Seria um ato de traição deixá-lo fora do processo em nome de um pragmatismo eleitoral. Agora que o TSE decidiu, o PT tem legitimidade para colocar a campanha da chapa Haddad-Manuela na rua. Esta seria a hora de as esquerdas unirem forças e seguirem o caminho do voto útil em torno de um nome que reúna condições de dar o troco do golpe, se quiserem retomar o poder no país.
Fazendo uma analogia com a história, o Brasil e a América Latina já viveram situações de tensão em que as oligarquias tentaram interferir na democracia retirando o candidato mais cotado. Em 1945, com Getúlio Vargas deposto e recluso em São Borja, a eleição presidencial pendia para o udenista Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN era o partido das oligarquias). Faltando pouco mais de uma semana, sem rede social, internet ou televisão, Vargas mandou um recado para os trabalhadores: “Votai em Dutra!” Dutra foi eleito e Vargas ganhou as eleições seguintes. E em 1973, na Argentina, os militares que governavam aquele país anunciaram que haveria eleições presidenciais. Juan Domingo Perón, o mais cotado, não poderia concorrer porque estava no exílio na Espanha. O candidato do Movimento Peronista foi Vicente Solano Lima, que venceu as eleições. No mesmo ano, Solano tomou posse, revogou o exílio de Perón, renunciou ao cargo de Presidente e convocou novas eleições. Perón se candidatou e foi eleito para seu terceiro mandato.
É emblemático para a análise do impedimento de Lula, em relação ao cenário do golpe que as oligarquias aplicaram no Brasil, o fato de que a votação do TSE coincidiu com o aniversário de dois anos da decisão que o Senado tomou em favor do impeachment de Dilma. A história não é feita de coincidências. Com um judiciário oligárquico e que se comporta em favor das elites dominantes, não é de se estranhar que suas ações sejam orquestradas em favor dos interesses de uma classe que sempre dominou o poder no Brasil, relegando a maioria da população a uma situação de exploração e de dependência.

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