terça-feira, 30 de agosto de 2011

Visita de Jürgen Moltmann ao Brasil / Jürgen Moltmann Visit to Brazil / Jürgen Moltmann Visita a Brasil




Jürgen Moltmann, um dos principais teólogos vivos, que atravessou grande parte do século XX vivendo ativamente o período de produção teológica mais controverso que a história do cristianismo já experimentou, visita o Brasil pela terceira vez. Alemão, aos 85 anos de idade, apresenta uma lucidez fantástica e uma percepção desse momento vivido como poucos.
O fato de ter vivido o horror da Segunda Guerra Mundial, conhecido Karl Barth e Bultmann, produzido uma abordagem que alterou o rumo da Teologia Contemporânea, desenvolvido um diálogo inter-religioso com outras expressões de espiritualidade, nada disso altera seu jeito humilde de se relacionar com as pessoas e de expor seu pensamento.
Conhecê-lo pessoalmente é um fato que vou guardar como um momento histórico de grande relevância. Acompanho a teologia de Moltmann desde 1998. Meu primeiro contato foi com seu Espírito de vida, procurando entender a dinâmica da ação do Espírito Santo e o modo como é possível compreendê-lo. Os impactos que suas ideias causaram em mim me impulsionaram à busca de outras obras: Teologia da Esperança e os textos relacionados à sua Cristologia.
Em sua palestra aos professores e alunos do Programa de pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio, proferida hoje no Centro Loyola de Fé e Cultura, na Gávea, cidade do Rio de Janeiro, Moltmann afirmou que os teólogos brasileiros são os que mais podem trazer a esperança para um mundo marcado por tanta injustiça. O espaço para isso se dá em meio ao desespero provocado pelos desastres naturais e ao dilema ecológico que se vivencia. Fico a pensar na condição da Teologia no Brasil. Lembro-me da pouca liberdade que se tem de se produzir uma Teologia que seja fruto de uma reflexão profunda das circunstâncias concretas da nossa vida cotidiana, ao mesmo tempo em que se dá uma reprodução de modelos e a formação de um discurso que reafirma uma ideologia do interesse pelo imediato e aparente. Chego à conclusão que o mundo deve estar muito mal mesmo, se realmente somos a esperança. Só me resta orar: obrigado, Senhor, por ouvir esse indicativo de mudança; capacita-me, Senhor, a ser um instrumento confiável para compartilhar a mensagem que pode trazer esperança.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Dinheiro, fama, poder e sexo / Money, fame, power and sex / Dinero, fama, poder y sexo

Qual a fórmula do sucesso? É um engano pensar que está relacionada ao dinheiro, à fama, ao poder e ao sexo. Mas também é um equívoco ignorar a importância desses fatores na formação de nossa identidade, atribuindo um sentido unicamente mau a eles, embora tenham se tornado tão nocivos para a o mundo em que vivemos. Veja algumas considerações que podem lançar outro olhar sobre isso.
O dinheiro determina as relações na sociedade moderna, fazendo com que oriente as ações de indivíduos e a convivência social. O dinheiro tende a interferir na nossa personalidade, transformando-nos em objeto, que não depende mais da relação com o grupo, mas da capacidade de poder aquisitivo. Somos considerados na mesma condição de coisas, diluindo assim a nossa personalidade. O que passa a orientar as nossas relações é o aspecto quantitativo e não mais o qualitativo.
O dinheiro surgiu a partir da troca que se baseia na noção de valor, um critério subjetivo. As relações humanas são relações de troca, por assim dizer. Sendo assim, o dinheiro assume papel de mediador. O dinheiro é, portanto, meio para se estabelecer relações recíprocas, mas que acabou se transformando como um fim em si mesmo.
Assim, o dinheiro influencia o ritmo da vida. Ele é o maior símbolo de como a vida é transitória. Para que o seu valor seja estabelecido, é preciso que esteja sempre em circulação. A Bíblia trata da questão do dinheiro. Jesus disse: “Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração.” João 6.21. O apóstolo Paulo também ensinou: “pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos.” 1 Timóteo 6.10.
O problema não é possuir dinheiro, mas se deixar ser dominado por ele. Disse Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro.” Mateus 6.24.
A fama tem a ver com a maneira como os outros no veem. Andy Warhol (1928-1987) disse que “no futuro, toda pessoa terá direito a 15 minutos de fama”. Com o surgimento da Internet e a popularização dos celulares e das câmeras digitais, alguém disse, parodiando a frase de Warol, que todo mundo, na Internet, vai ser famoso para pelo menos 15 pessoas. Fama é uma palavra que vem da mitologia greco-romana. Era uma deusa com uma forma monstruosa com muitas asas, bocas, olhos e orelhas e que se movimentava para levar para todos os lugares as mensagens verdadeiras e mentirosas que captava dos boatos que se espalhavam rapidamente.
Neste tempo caracterizado pelo que Baudrillard chamou de “sociedade do espetáculo”, observa-se que há um apelo muito forte para com a imagem. O fato é que nós estamos sempre expostos à observação do outro ao mesmo tempo em que nós mesmos precisamos do olhar do outro para sermos reconhecidos.
A busca pela fama está relacionada com a vaidade. A fama pode trazer a ilusão de ser bem-sucedido. Entretanto, todos nós temos a necessidade de ser reconhecidos pelos de fora. O problema é que muitas pessoas têm procurado ser mais reconhecidas pela sua imagem do que pelas suas realizações. Para muitos, o que importa é a fama em si e não o que se faz para conquistá-la.
A fama é determinada, portanto, pela nossa história de vida. Mas Deus não olha para os nossos títulos ou rótulos para agir em nossa vida. Antes, ele não tem vergonha do nosso passado, assim como ele precisa de gente com a nossa história para mostrar o quanto ele é poderoso para transformar uma vida. De acordo com P. Talleyrand: “O comércio mais lucrativo seria comprar as pessoas pelo que valem, e revendê-las pelo que elas pensam que valem.”
O poder tem a ver com a influência que exercemos sobre o outro. O que faz com que algumas pessoas sejam extremamente bem-sucedidas e outras não? Especialistas em orientação de carreiras garantem que 95% das pessoas jamais terão sucesso. O poder é um aspecto que mexe com a consciência humana. O ser humano busca o poder incessantemente. Ouvimos falar de várias formas em que o poder se dá: poder da influência, da sedução, de decisão, do dinheiro, do amor, da cura, pessoal, de atração etc. Quem tem oportunidade de exercitar o poder, considera-se autônomo a ponto de passar por cima de seus semelhantes e até trair a confiança das pessoas mais próximas. Isso é uma questão que envolve ética. “O homem guiado pela ética é o melhor dos animais; quando sem ela, é o pior de todos”, disse Aristóteles.
Poder é a capacidade de decidir, agir e exercer autoridade, controle e soberania sobre dada circunstância ou pessoa através do domínio, da influência ou da força. Poder, segundo Max Weber, significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. O poder tem origem na personalidade – o poder de ser –, na propriedade – o poder de ter – e na organização – o poder de fazer. O poder envolve, então, a força, a influência e o controle.
Para que o poder se realize, é necessário que alguém queira algo que está sob controle de outro. Como afirmava Ulisses Guimarães, “não é o poder que corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder”. Há, dessa forma, uma relação de dependência de indivíduos ou grupos em relação a outros. “O poder influencia quem consegue o quê, quando e como”, disse Gareth Morgan.
O resultado do poder exercido de forma indevida é a corrupção, a desigualdade e a opressão. O exercício do poder de formar leviana e egoísta destrói os relacionamentos. A única coisa que pode neutralizar os efeitos nocivos do poder é o amor. “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro”, disse Carl Gustav Jung. Para a fé cristã, no entanto, o poder não emerge da força, mas da fraqueza. “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.” 2 Coríntios 12.9.
A questão da sexualidade afeta a todos, uma vez que fomos gerados como seres sexuados. Entretanto, a sexualidade passou a ser um problema a partir da construção de concepções equivocadas sobre a nossa sexualidade: desprezo ao corpo, moralismo, mecanismos de culpabilização, redução de nossa capacidade afetiva e até mesmo a valorização do masculino em detrimento do feminino. Tratar da sexualidade humana de forma madura envolve a vida de maneira integral.
A sexualidade abrange as dimensões biológica, social e afetiva. A sexualidade nos ajuda a reconhecer nossos limites e a construir a nossa identidade. Anthony Giddens reconhece que a sexualidade hoje propicia a adoção de novos estilos de vida e funciona como um aspecto maleável do eu, que regula a maneira como tratamos do corpo, da identidade e das normas sociais. Ele percebeu que a sexualidade deixou de ser tratada em seu aspecto reprodutivo e passou a ser definidora da identidade e a estabelecer um meio de ligação com o outro.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Espiritualidade e a questão de sentido / Spirituality and the question of sense / La espiritualidad y la cuestión del sentido

O ser humano é capaz de suportar tudo, só não suporta a falta de sentido. Na verdade, a questão da busca de sentido é uma necessidade humana e faz parte da própria trajetória da humanidade. E é a busca de sentido que remete à questão de Deus. Uma vez que a noção de sentido está relacionada aos aspectos que correspondem ao fim último da existência, deparamo-nos diante do impasse de nossa própria condição: é quando nos damos conta de que o homem constrói suas relações levando em consideração determinismo e liberdade, contingência e transcendência, finitude e infinito.
A necessidade de superar suas próprias limitações é que leva à busca de direção, de um “para onde” ou um fim para o qual a vida se encaminha, que pode encontrar em Deus o fundamento de sentido. O que se vê é que, se o homem não conhece ou reconhece Deus como fundamento último de sentido de sua existência, adota outros absolutos. É uma necessidade inerente de se encontrar algo que dê sentido. O contrário disso é estar diante do desespero e do vazio existencial.
A palavra bíblica para a questão do sentido é a mensagem da salvação. Estar perdido significa ter perdido o sentido de sua própria existência. Há um mal-estar em relação à ausência de sentido porque há falta de referenciais que se manifesta negativamente na vida social. O excesso de informação que marca a dinâmica da vida contemporânea remete a uma mudança de valores e uma busca de novos sentidos.
O sentido hoje, entretanto, está relacionado ao bem-estar e ao prazer levados à última consequência. A questão é se a noção de bem-estar e de prazer resulta em algum sentido para a vida. Isso faz com que se estabeleça uma sociedade insatisfeita que só se realiza diante do consumo.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Mística e ética / Mystic and ethics / La Mística y la ética

A relação entre mística e ética pode ser compreendida a partir de três pensadores: Albert Schweitzer, Emanuel Lévinas e Maurice Zundel. De um modo geral, a história do pensamento humano comporta sistemas antagônicos que têm levado a humanidade a buscar entender a vida em si mesma. Schweitzer afirmou que “o essencial para perceber a ética é que esta é a própria manifestação da nossa vontade de viver”. Essa inquietação resultou em uma busca de sentido, dando lugar a uma ética que Schweitzer classifica como: racional, universal, absoluta e espiritual.
Nesse sentido, a ética é espiritual na medida em que a ética comum não é suficiente para o desenvolvimento espiritual. O pensamento humano sempre procura alcançar a harmonia com o Espírito misterioso do Universo. “Para ser completa, tal harmonia deve ser ativa e passiva. Ou seja, buscamos a harmonia, tanto na ação e no pensamento. Eu quero entender a minha atividade ética como sendo a serviço do Espírito Universal.” A filosofia moderna, entretanto, conduz apenas a uma passividade e nos remete à religião, ou seja, não coloca o sujeito numa relação ética com o universo. Isso só acontece quando se coloca a serviço dele, cooperando com ele, sem tentar compreendê-lo. “Somente servindo todo tipo de vida eu entro no serviço dessa vontade criadora de onde emana toda a vida. Eu não entendo isso, mas eu sei (e isso é suficiente para viver) que, por servir a vida, eu sirvo a vontade criadora. É através da comunidade da vida, não uma comunidade de pensamento, que eu permanecerei em harmonia com a Vontade. Este é o significado místico da ética.”
Reportando-se ao mestre Eckhart, considera que nessa ética universal de reverência pela vida, a união mística com o Espírito Universal é realmente e plenamente alcançada. Assim, provou ser realmente a verdadeira ética. Segundo Eckhart, deve ficar claro que uma ética que só manda é incompleta, enquanto a que me permite viver em comunhão com a vontade criadora é uma ética verdadeira e completa.
Já Lévinas discute a construção filosófica da noção de totalidade, que marcou o pensamento ocidental, fundado numa perspectiva bíblico-judaica. Para ele, a filosofia ocidental sempre tende para a redução do Outro ao Mesmo. Contudo, a filosofia primeira é a ética. Ele vai buscar o fundamento ético no rosto do outro, uma vez que é na face do humano que se dá o sentido, em que o sujeito se descobre responsável e se abre para o infinito.
Lévinas está interessado, não no mundo fechado do indivíduo nem no universo distante do outro, mas na relação que se estabelece, que provoca a inquietação e lança o indivíduo para fora de si. Velasco vê no pensamento de Lévinas uma proximidade com a mística, ainda que a tenha rejeitado, por causa da sua noção de transcendência. Sua interpretação da experiência ética a respeito do Absoluto, a rejeição de toda mediatização, a exigência de cuidado que remete o sujeito ao rosto indefeso do outro são aspectos que evocam a transcendência incondicional de si, como condição própria de realização, e que se constitui na essência da experiência mística.
Para Lévinas, “a transcendência é ética, a voz de Deus é o rosto do próximo”. E mais: “A relação moral reúne, pois, ao mesmo tempo a consciência de si e a consciência de Deus. A ética não é o corolário da visão de Deus, é essa visão mesma. A ética é uma ótica [...] conhecer Deus é saber o que se tem que fazer.”
Uma última abordagem da relação entre ética e mística pode ser encontrada no pensamento de Zundel. Ele tenta fazer uma análise das origens da crise moral que a humanidade se encontra. “A moral está em crise.” Essa crise tem duas raízes: a recusa da moralidade como limitação, como um freio, e o declínio do Absoluto que é posto em questão.
Zundel percebe que há um desacreditar em uma moral da obrigação, que nasce da necessidade de proteção da ordem social. Ela encontra seu lugar na antropologia, que traz á tona a pergunta a respeito do que é homem. Mas o homem é uma soma de determinismo e promessa de liberdade. Por isso, a moral deve ser vista como uma realidade mística, que envolve toda a pessoa em relação com o Deus de amor, que o atrai a Ele. A questão envolve três atitudes: a de receber Deus como uma experiência interior e de liberdade; a experiência de se tornar filho de Deus como expressão de sua presença em nós e nos outros; o homem é chamado a ser como Deus por graça, na intensidade dessa relação.
Esse é o caminho de nossa humanização, uma vez que esse desejo de liberdade e amor está inscrito no coração de cada um. Essa descoberta é humanizante. Essa moralidade tem um viés místico, que pode se chamar de um realismo místico. Uma moral libertadora que abrange todas as ações que envolvem o corpo, as paixões, a relação entre homem e mulher, o direito a propriedade, as relações internacionais, a partilha dos bens, como uma exigência para se criar um espaço vivencial sem o aspecto legalista.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Justiça silenciada: morte de juíza em Niterói é o limite do tolerável / Justice silenced / Justicia silenciada

Quando a violência atinge aqueles que lutam pela justiça, é sinal que já se ultrapassou o limite do tolerável. É hora de gritar por socorro e clamar pelo fim de toda impunidade. Como pastor na região oceânica de Niterói, especificamente na localidade de Piratininga, não posso me calar diante da morte da juíza Patrícia Acioli, em frente a sua própria casa, na noite de 11 de agosto de 2011.
Por que isso nos inquieta? Porque é um crime hediondo, que atinge uma representante do poder que tem a função de promover a justiça e a dignidade das pessoas. Porque é um crime brutal e cruel, que ceifa a vida de uma mulher, mãe e profissional com 21 tiros, na porta de sua residência. Porque é um crime que amordaça a justiça, uma vez que é atribuído ao crime organizado que se articula como um poder paralelo. Porque é um crime que atinge a todos nós, pois ameaça o exercício legítimo do poder em defesa da sociedade.
Quando em 1992 a máfia itáliana matou o juiz Falconi e depois o promotor Boselino pelos mesmos motivos atribuídos ao atentado contra Patrícia Acioli, houve uma forte comoção popular que culminou na destabilização do governo italiano. O caso foi visto à época como um atentado contra a dignidade humana e ao Estado Democrático de Direito. Não foi visto como um crime comum, mas como uma ação desumana, com repercussões em todo o mundo.
O Estado não pode silenciar-se quanto a isso. Quando falo de Estado, não me refiro ao Rio de Janeiro, que já se mostrou incapaz e insuficiente para dar conta dessa guerra. O crime organizado a quem se atribui tal covardia inclui policiais e membros do poder público envolvidos com práticas de abuso, ações de milícia e tráfico de influência e de entorpecentes. Estou falando de Brasil, que precisa garantir a nós brasileiros, através de seus poderes constituídos, o direito ao exercício da legalidade e dos princípios que a Constituição estabelece como sociedade organizada.
Na Itália, o nome dos juristas mortos é lembrado em monumentos para ficar registrada a memória de quem lutou pelo bem comum. Entre nós, a morte de Patrícia Acioli não pode representar uma mordaça na justiça, mas o começo de uma mudança radical que termine de vez com a impunidade.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mude o foco / Change focus / Cambiar el foco

O que tem orientado a sua vida? Essa é uma questão importante porque aquilo pelo qual você se orienta – seus sonhos, desejos e aspirações – revela o seu caráter e pode determinar o seu futuro. Quando a cantora inglesa Amy Winehouse foi morta em sua residência em 23 de julho de 2011, aos 27 anos de idade, depois de experimentar um estrondoso sucesso como cantora, despertou um grande interesse pelas causas de uma acontecimento tão brutal. Entretanto, episódios como esse nos lembram que a vida deve ser tratada como coisa séria. Viver implica uma complexidade muito maior que a realidade imediata e efêmera que a sociedade atual está acostumada a nos anunciar.
Isso leva a pensar no que o autor de Eclesiastes, o livro da Bíblia, diz em suas reflexões: “Eu disse a mim mesmo: Venha. Experimente a alegria. Descubra as coisas boas da vida! Mas isso também se revelou inútil.” (Eclesiastes 2.1) Ele desejava descobrir o que todos nós queremos saber: o que faz a vida ter sentido? Ele disse: “[...] Eu queria saber o que vale a pena, debaixo do céu, nos poucos dias da vida humana.” (Eclesiastes 2.3)
Depois de relatar uma trajetória de conquistas e de busca de prazer, ele conclui: “Contudo, quando avaliei tudo o que as minhas mãos haviam feito e o trabalho que tanto me esforçava para realizar, percebi que tudo foi inútil, foi correr atrás do vento; não há nenhum proveito no que se faz debaixo do sol.” (Eclesiastes 2.11)
Você pode achar que essa é uma triste e dura conclusão. Mas o sábio usa essa reflexão para dizer que não vale a pena ter tantas aspirações na vida e até se esforçar por elas se Deus não está presente nisso. Diz ele: “em meio a tantos sonhos absurdos e conversas inúteis, tenha temor a Deus.” (Eclesiastes 5.7) Seu conselho é: “[...] Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é essencial ao homem.” (Eclesiastes 12.13)
O que, de um modo geral, tem orientado os sonhos e desejos das pessoas está relacionado diretamente a quadro coisas: dinheiro, sexo, fama e poder. Isso não quer dizer que esteja errado ou que essas coisas não sejam boas. Mas há três bons motivos para se entender que são coisas muito pequenas diante do grande mistério da vida. O primeiro é o fato de que tudo nessa vida passa e chega ao fim. O segundo é que a vida é transitória demais e cada momento deve ser desfrutado. E o terceiro é que não temos o controle de nosso futuro. Por isso mesmo, vale o conselho de Harold Kushner, no livro Quando tudo não é o bastante: “Não há jeito de evitar a morte, mas a única cura para o medo da morte é o sentimento de ter vivido.”
Portanto, mude o foco de sua vida, antes que seja tarde demais e você possa vir a dizer: “Não tenho satisfação [nela]” (Eclesiastes 12.1)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Moral Social e Espiritualidade / Social Morality and Spirituality / La moral social y espiritualidad

Wittgeinstein afirmou ao final de seu Tractatus Logico-Philosophicus que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Ao afirmar isso, ele estava preocupado com os aspectos que envolvem as relações entre indivíduos numa mesma sociedade. É disso que trata a moral social, principalmente naqueles relacionados ao agir em sociedade, resultado das representações que os membros de uma coletividade têm em comum. Trata-se, portanto, de uma consciência coletiva que orienta as ações dos indivíduos e exerce poder sobre eles.
A moral, em si, tem uma natureza social uma vez que se manifesta essencialmente em sociedade. A moralidade tem a ver com nossos sentimentos e nossas ações uma vez que estes são representativos de nossa constituição moral, que consiste num sistema construído socialmente, que a sociedade se vale para regular as relações entre os indivíduos. Ela está vinculada tanto a um senso moral quanto a uma consciência moral. Tem a ver, portanto, com a relação que mantemos com os outros e com a noção de bem ou mal que desenvolvemos a partir das nossas interações, bem como ao desejo de realização pessoal.
Mas, o que se entende por moral social tem a ver com a necessidade de se solucionar os problemas morais que envolvem as relações entre indivíduos tanto na vida doméstica, na sociedade e no mundo. Por sociedade entendemos como uma forma de organização estável da vida humana no que diz respeito às relações de poder e de hierarquia. Mas não se constitui em uma forma qualquer de organização, visto que tendem a um fim comum. Isso importa a existência de dois elementos: as pessoas e o fim comum, que acabam por caracterizar a matéria e a forma da sociedade.
As sociedades podem surgir de uma necessidade natural ou de uma associação livre de pessoas por meio de um contrato. Uma sociedade tem por objetivo proporcionar o bem comum em termos de segurança e desenvolvimento de seus membros. É daí que surge a necessidade de seus membros cumprirem deveres e adquirirem direitos. Isso se dá tanto no nível doméstico – a família e seus níveis de parentesco – quanto ao nível da sociedade civil, como resultado da natureza social do homem – incluído aí os aspectos econômicos e políticos.
As sociedades humanas são marcadas por sistemas culturais. O homem é moldado e refreado pela cultura e orientam suas ações de acordo com as normas, símbolos, valores e tradições que acompanham o seu desenvolvimento e sua vida em sociedade. É isso que faz com que a humanidade viva cada momento como de profundas transformações. A sociedade contemporânea tem se caracterizado como uma sociedade consumista e isso tem afetado as relações humanas, o que nos permite falar em novos paradigmas da moral social.
Nas últimas décadas, o mundo tem experimentado mudanças tanto no campo social como no campo econômico que têm provocado uma transformação estrutural de longo alcance. Principalmente a partir de 1980, as mudanças que ocorreram são estruturais e não conjunturais. Conforme Daniel Bell, em seu livro O advento da sociedade pós-industrial, de 1973, podemos apontar: deslocamento da importância do setor de manufaturas para o setor de serviços; mudanças ocupacionais, do trabalho em cadeia linear para o trabalho em rede; o valor da educação para ocupações que requerem maior qualificação; a valorização do capital humano; desenvolvimento de alta tecnologia e novas tecnologias intelectuais; infraestrutura baseada na transmissão de dados; o saber/conhecimento como valor. E esse rumo não tem sido alterado desde então.
Até mesmo o conceito moderno de democracia, que, por assim dizer, serve como fundamento da moral social, representa um profundo envolvimento com a questão humana, e a defesa dos direitos fundamentais. Todos esses aspectos provocam uma reação da igreja instituída, que passa a considerar as formas concretas com que deve atuar no mundo. Está muito claro que não há como se construir uma espiritualidade desvinculada das questões que ameaçam a vida humana na Terra.

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