quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Desvendando o Reino de Deus / Understanding the Kingdom of God / Descifrando el Reino de Dios

O Reino de Deus ocupa um espaço primordial na mensagem das Escrituras. Jesus Cristo mesmo foi quem declarou a todos que o Reino era chegado, se fazia presente historicamente e que será consumado no futuro. Embora ele usasse uma expressão retirada da esfera política, sua ideia de Reino era completamente diferente de todas as concepções humanas de poder. Ela estava vinculada à própria realidade humana, essa mesma que conhecemos por que estamos nela e diz respeito ao que nós somos: pessoas marcadas pela finitude, mas também pela vontade de liberdade; pela impotência, mas pelo desejo do que está além; e pelo egoísmo, mas que não consegue se realizar sem a ajuda do outro. A nossa condição humana é de ambiguidade e comporta uma abertura para algo que está além de nós, para uma instância de consciência que só a noção de Reino de Deus pode oferecer compreensão.
Para falar de Reino de Deus, alguns elementos precisam ser ressaltados. O Reino é de Deus, essa é a primeira constatação necessária; isto quer dizer que ele governa e dirige todas as coisas conforme a sua vontade. A abrangência do Reino envolve toda a criação, outra constatação inevitável; por isso mesmo, Deus reivindica para si toda criatura para que viva debaixo de sua autoridade. O Reino de Deus implica uma relação entre o Senhor do Reino e todas as criaturas, assim como entre as próprias criaturas sob seu governo; Deus convoca toda a criação para que viva como uma comunidade de tal forma que a comunhão é a essência da relação na dimensão do Reino.
A noção de Reino de Deus está vinculada diretamente ao poder de Deus sobre toda a criação, através do qual Ele conduz o curso da história em direção ao Seu propósito eterno, considerando a autonomia das criaturas em sua própria existência. A maneira como Deus governa sobre todas as coisas ainda é um mistério para os homens pelo fato de que esse Seu propósito ainda não se concretizou historicamente. Por isso mesmo Ele se revela e se insere no curso da história a fim de que o caminho para a consumação desse propósito seja conhecido pelas pessoas. Falar do Reino de Deus, portanto, abrange temas como criação, revelação, salvação, missão e até escatologia. Quer dizer, envolve a vida desde a origem até o seu futuro, envolve um conhecimento a respeito de quem é Deus e envolve também um sentido para a nossa realização como pessoas no mundo.
Compreender a natureza do Reino de Deus fora dos paradigmas humanos de dominação é uma tarefa difícil. Corremos o risco de confundi-lo com um território onde atua um soberano, ou com uma relação dominada por uma autoridade totalitária, ou mesmo com um saber em que um dominador retém para si algumas verdades que não podem ser acessadas por gente inferior. O Reino de Deus não é nada disso: não é um território, não é uma dominação e nem é um saber. Por reconhecer que seria difícil entender o Reino, Jesus – aquele que encarnou os principais discursos sobre o assunto na Bíblia – procurou formas de sinalizá-lo entre os homens. Ele realizou milagres, se compadeceu de gente sofrida, ensinou lições sobre a vida, apontou caminhos para a realização e a felicidade.
Entretanto, a maneira mais peculiar que Jesus utilizou para sinalizar o Reino de Deus foi através das histórias que ele contou. Através das parábolas, Jesus procurou demonstrar aos seus discípulos o sentido e o valor de participar do Reino que veio trazer aos homens. Parábolas são pequenas histórias contadas para tornar mais fácil a compreensão de uma realidade. Elas exemplificam o Reino e têm o valor de uma metáfora, com muito bom humor e sensibilidade, cuja função era a de conduzir as pessoas a uma reflexão sobre a realidade do Reino de Deus.
Todos os quatro evangelhos contêm parábolas contadas por Jesus, através das quais procurava oferecer indicativos da realidade do Reino. De um modo muito especial, porém, Mateus tem uma maneira curiosa de apresentar uma coleção de parábolas específicas para tratar do Reino de Deus. Elas não dizem exatamente o que ele é, mas, para um bom entendedor, uma pequena palavra basta. Algumas ele explicou; outras ficaram a mercê da interpretação dos seus ouvintes. Afinal, “quem tem ouvidos para ouvir, que ouça”, como o próprio Jesus falava quando alguém não as compreendia.
Entrar no universo hermenêutico dessas parábolas é desvendar um conjunto infinito de possibilidades de se construir uma experiência de participação no Reino. O objetivo não é para que nos tornemos diferentes dos demais, como se fôssemos exclusivos ou melhores, mas para tomar parte dessa missão maravilhosa de sinalizar a presença abençoadora, consoladora e libertadora do Reino entre nós. A mensagem acerca do Reino de Deus é a declaração de que as alegrias, as bênçãos e a realização futura reservadas a toda a criação podem ser vividas aqui e agora. Isso faz com que o Reino seja tanto uma realidade presente quanto uma promessa que será consumada no futuro.
A missão de Jesus de Nazaré foi trazer o Reino aos homens. O Reino de Deus pode ser reconhecido na vida, obra e mensagem de Jesus. Por meio dele é que o Reino se constitui uma realidade presente. O anúncio da chegada do Reino de Deus entre os homens é a boa notícia da graça, do perdão, da acolhida, do amor e da compaixão de Deus estendidas a todos indistintamente. É a declaração de que Deus reivindica para si, na pessoa de Jesus, toda a criatura a fim de que tome parte do seu Reino e desfrute do que ele tem preparado para todos. É para isso que somos chamados a sermos cristãos. Trata-se de uma missão histórica e, por isso mesmo, pública.
Por causa do anúncio da chegada do Reino, surge a comunidade daqueles que atenderam ao chamado de seguir o caminho apontado por Jesus – que é ele mesmo – e que assumem compromisso de cumprirem missão, que consiste em dar continuidade ao seu projeto de tornar o Reino de Deus presente na história das pessoas de nosso tempo. A igreja é a comunidade do Reino na medida em que reconhece a Jesus como Senhor e toma parte do Reino que ele inaugurou. A igreja não pode ser confundida com o Reino, mas não dá para ser compreendida separada dele. Somente quando ela experimenta os valores do Reino de Deus é possível servir como sinalizadora da sua presença no mundo.
(Artigo publicado na Revista Visão Missionária, 1T2016.)

domingo, 17 de janeiro de 2016

Uma igreja para hoje / A church for today / Una iglesia para hoy

Fiel é Deus, o qual os chamou à comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor.” 1 Coríntios 1.9 
A pergunta que quero deixar como orientação para está série de reflexões é: se fôssemos os últimos cristãos da história, que legado a igreja de hoje deixaria? Qual seria a contribuição mais significativa para as pessoas de nosso tempo? Tomemos como princípio o fato de que a igreja primitiva de Corinto é o arquétipo para a igreja de hoje. As condições de vida em sociedade, as dificuldades de relacionamento entre os cristãos, os problemas de compreensão da fé e até os conflitos entre princípios de liderança lembram bem algumas das situações vividas pela igreja na contemporaneidade.
Paulo endereça sua primeira carta aos coríntios da seguinte maneira: “à igreja de Deus que está em Corinto [...]” (1 Coríntios 1.2). A ideia é de que a igreja não pertence ao lugar, mas que se encontra ali presente, com uma missão específica. Paulo tinha uma visão missionária. A igreja é aquela instituição que está situada em um lugar, mas com sua visão voltada para o mundo.
Corinto era uma cidade grega importante estrategicamente. Era uma metrópole, um centro de irradiação política, econômica e intelectual. Por causa de sua localização, tornou-se um importante centro comercial, com dois portos que atendiam toda a Europa, Ásia e Norte da África. Era também um importante centro cultural. Ali tanto estavam presentes os valores elementares da cultura greco-romana, com seus lugares de adoração, reflexão e produção de saberes, como também tinha uma convivência harmoniosa com as diversas expressões culturais dos povos com quem se relacionavam. Corinto atraía gente do mundo inteiro que ali se relacionavam, interagiam e compartilhavam suas experiências.
A igreja em Corinto foi organizada pelo apóstolo Paulo em sua segunda viagem missionária, logo após sua saída de Atenas (Atos 18). Juntamente com Áquila e Priscila, Paulo anunciou o Evangelho aos coríntios. A eles se juntaram Silas e Timóteo, logo depois. Dali, Paulo partiu para Éfeso, retornando assim a Jerusalém. Há poucos relatos sobre a vida da igreja de Corinto, mas sabe-se que, de Éfeso, Paulo enviou Apolo para lá com uma carta de recomendação.
À essa igreja, Paulo destinou pelo menos quatro cartas, das quais conhecemos apenas duas, que são as que fazem parte do cânon do Novo Testamento. Até mesmo a que chamamos de Primeira Carta aos Coríntios na verdade foi a segunda. Houve uma anterior que suscitou diversos questionamentos e problemas, os quais foram enviados a Paulo sob a forma de perguntas.
No final do século I, Clemente de Roma, considerado o quarto bispo de Roma, escreve uma carta aos coríntios, na qual se dirige da seguinte forma: “A Igreja de Deus estabelecida transitoriamente em Roma à Igreja de Deus estabelecida transitoriamente em Corinto [...]”. O termo grego empregado para se referir à igreja como uma comunidade “estabelecida transitoriamente” é paroikia que, no Novo Testamento – especialmente em 1 Pedro –, quer dizer “em peregrinação”. Lembra que a condição da igreja está mais para a de um estrangeiro ou alguém no exílio, do que alguém que pertence ao lugar como um cidadão.
Clemente de Roma recomenda a que os cristãos de Corinto leiam novamente a primeira carta que Paulo havia escrito. Os problemas enfrentados por aquela igreja havia repercutido em todas as demais igrejas do Ocidente. “Uma vergonha, meus caros, uma vergonha muito grande e indigna de uma conduta em Cristo ouvir-se que a igreja dos coríntios, tão inabalável e antiga, se rebele contra os presbíteros por causa de uma ou duas pessoas” (47.6), disse Clemente de Roma.
O tempo exerce um domínio sobre a vida. As relações podem se tornar cristalizadas, conceitos podem ser esvaziados, valores podem ser mudados e até palavras podem mudar sentido. Atualizar a linguagem, rever os conceitos e valores e até desenvolver novas relações passam, então, a serem exercícios permanentes para quem deseja ser relevante para seu tempo, para quem tem uma mensagem a ser proclamada e para quem deseja exercitar uma dinâmica de vida contextualizada, que faça sentido para hoje.
Para se tornar uma igreja relevante para este tempo, a igreja precisa sair da defensiva para exercer uma postura mais criativa historicamente. Isso implica que precisamos abandonar o que nos prende a um passado do qual ainda temos saudade, para nos voltarmos para as necessidades atuais.
A igreja de hoje tem sido marcada por tendências que remontam a um estilo de vida mais rural que urbano, a uma moralidade mais medieval que pós-moderna e a um discurso mais apologético que comunicativo. Esta realidade reafirma uma relação dualista, que divide o mundo em profano e sagrado, aqui e além, dentro e fora, incluído e excluído. Essa característica provoca toda forma de distorção, quer seja no campo teológico-doutrinal, quer seja no campo litúrgico ou mesmo nas relações morais.
A igreja para hoje, no entanto, precisa ser identificada como a comunidade daqueles que são chamados para a comunhão com Jesus Cristo. Precisa assumir o fato de que é a nova humanidade formada por aqueles em quem Jesus Cristo toma forma e se faz presente na história. Os cristãos para hoje são aqueles que tornam a mensagem e a vida de Jesus compreensível para os que vivem conosco neste tempo. E essa deve ser a nossa missão.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Calcule os riscos / Take the risk / Asumir el riesgo

“[...] Até quando vocês vão oscilar entre duas opiniões? [...]” 1 Reis 18.21 
Toda vez que você for investir em algo, é importante analisar o custo de fazer bem como o custo de não fazer. Há um custo de se fazer o que se deseja e o custo de não fazer o que se deseja. Você pode pagar um preço por ter o que quer ou pagar um preço por ter perdido uma oportunidade.
O risco pode ser entendido como a probabilidade de vir a acontecer uma situação adversa que pode causar consequências, problemas ou danos. A análise de riscos exige uma certa transparência, uma avaliação mais abrangente da complexidade que envolve uma determinada decisão e até uma tomada de decisão que vise sanar dúvidas e orientar o processo de gestão que a ação demanda. A análise de risco, portanto, implica na avaliação, na gestão e na comunicação dos riscos a serem enfrentados.
A melhor maneira de correr risco é avaliar o custo de encará-los ou não, uma vez que é impossível evitá-los. Os custos podem ser monetários, mas há também os custos não monetizados. É preciso desenvolver um modo de reconhecer os riscos, aceitá-los, interpretá-los e de enfrentá-los de forma consciente, uma vez que eles estão presentes em todos as circunstâncias desta vida.
Ben Carson, em seu livro Risco calculado: aprenda a decidir com ousadia, sugere um modelo de análise das situações que demandam nossas escolhas segundo as melhores e as piores possibilidades. Ele argumenta que sempre que esteve diante de uma decisão difícil ou uma situação de risco, tanto na vida pessoal quanto na vida profissional, orientou o seu pensamento, sua análise de risco e o seu planejamento a partir de quatro simples perguntas:
a) Qual seria a melhor coisa que poderia acontecer se fizesse isso?
b) Qual seria a pior coisa que poderia acontecer se fizesse isso?
c) Qual seria a melhor coisa que poderia acontecer se não fizesse isso?
d) Qual seria a pior coisa que poderia acontecer se não fizesse isso?
Nossas escolhas têm consequências, por isso é difícil escolher bem. Fazer a escolha certa é sempre acompanhado de dúvidas e incertezas, e isso pode provocar conflitos. Porém, isso resulta também em crescimento e aprendizado. Em função disso, Ben Carson diz:aprendi que grandes responsabilidades geralmente são acompanhadas de grandes honras e oportunidades”.
Nem sempre na vida vamos ter os sinais verdes para nós. É preciso também compreender os sinais amarelos e identificar com clareza quando o sinal vermelho acende. Ter medo dos riscos pode inibir a criatividade e a liberdade. Uma vida sem riscos seria o ambiente propício para o autoritarismo e a alienação. Pessoas que não assumem correr riscos acabam ensimesmadas, entediadas e até agressivas. É a possibilidade de correr riscos que nos conduz a novas descobertas, o risco da derrota nos ensina novos sentidos do que é sucesso, vitória e realização pessoal.
Vivemos em uma cultura que nos ensina a evitar os riscos, buscando a segurança e o conforto. Porém, quando procuramos nos proteger, perdemos a oportunidade de experimentar a vida em suas melhores expressões.
Não podemos nos esquecer de que a vida é feita de incertezas. Embora possamos nos cercar de tantos recursos e estratégias para nos sentirmos seguros, não temos a garantia de que estamos livres dos imprevistos. O improvável, o imponderável e a incerteza fazem parte do nosso cotidiano mais do que aquilo que podemos provar, conhecer ou ter convicção.
Em todo o tempo, somos desafiados a deixar a nossa zona de conforto e a agir. É isso que pode definir o que somos e o que podemos nos tornar. Aquele que conseguir ir mais longe é o que teve a ousadia de se arriscar um pouco mais.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Relacionamento: buscar sentido a partir das relações / Relationship / Relación

O que seria de nós, humanos, se não fossem as redes de relações que nos constroem? O ser humano é isso: resultado de um complexo somatório de relações sociais, biológicas e espirituais. Em princípio, ser humano é ser alguém no plural.
Somente quando nos damos conta da presença do outro, do mundo e de Deus é que podemos descobrir quem somos. Por isso que ausências e distâncias são significativas.
Somos um projeto em aberto, sempre em construção. Começa em nossas interações em família, passa pela vizinhança, escola, comunidade, igreja e as formas organizadas da sociedade. É dessa forma que nos constituímos como pessoas, sujeitos e cidadãos.
Há relações que nos destroem. São aquelas que se baseiam no preconceito, na intolerância, no ódio. Mas há relações que promovem mais a nossa condição humana, construídas a partir da generosidade, da gentileza, da solidariedade e do amor.
Há atitudes que inibem as relações. É o que o egoísmo, a vaidade e o orgulho fazem. E há atitudes que estimulam ainda mais os relacionamentos: a bondade, o companheirismo, a sinceridade, o respeito.
Há relacionamentos que nos aperfeiçoam e há relacionamentos que nos adoecem. Da mesma forma, podemos proporcionar saúde e doença, solução e problema, limites e possibilidades para o outro e para o mundo.
Relacionamos-nos porque somos diferentes e essas diferenças não se excluem. Antes, se completam. Relacionamentos são aberturas que temos para Deus, para o mundo, para os outros e para nós mesmos, a fim nos realizarmos como pessoas que somos.
São também possibilidades de experimentar o novo, de assumir desafios e de construir uma vida melhor. É a partir das relações que percebemos identidades e diferenças, que atribuímos dignidade ao outro pelo fato de possuirmos valores em nós mesmos. Por isso, quando estamos insatisfeitos ou nos sentimentos incompletos, aí está um sinal de que precisamos investir mais em nossas relações.
Nossas redes de relações nos dão suporte para alcançar o bem-estar, para desenvolver as habilidades que nos ajudam a viver melhor, mas acima de tudo nos apontam para aquele que se ofereceu para estabelecer uma relação de amor conosco.
Não há nada que aconteça na vida do outro e na natureza que não nos afete. Estamos interligados, conectados e sintonizados o tempo todo com tudo e com todos. Se alguma peça dessa engrenagem não for levada em conta, se algo ficar de fora, haverá esse vazio de significados que nos assola. Por isso que uma vida que não se dá conta de todas as relações em que se está implicado não tem sentido. Viver é, acima de tudo, buscar sentidos a partir de relações.
Portanto, para se ter vida abundante, as relações precisam estar a serviço da vida. Caso contrário, a vida não passará de confronto, de competição e de manipulação. Não passa de sobrevivência. Antes, viver é construir uma rede de relações e se construir a partir delas. E é nisso que o propósito de deus se consuma.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Epifania / Epiphany / Epifanía

“[...] Vimos a sua glória [...]” João 1.14 
Um termo que acompanha o cristianismo desde o começo procura explicar o modo como Deus se revela aos homens na pessoa de Jesus Cristo: “epifania”, que tem sido traduzido comumente como “manifestação”.
Epifania é o instante do esclarecimento, é o momento do descortinar do entendimento, quando tudo passa a fazer sentido e a vida ganha novo significado. Na filosofia, é um acontecimento único, iluminado e inspirador, quase que sobrenatural em que o conhecimento acontece.
A palavra vem do grego, que quer dizer aparição, manifestação ou milagre. É a junção da preposição epi, sobre, com a expressão phaino, que significa brilho. O dicionário diz que é um súbito entendimento ou compreensão de algo. A tradição cristã usa essa palavra para descrever a revelação de Deus em Cristo que se encarnou como pessoa humana.
Três fatos na vida de Jesus são tidos como epifanias. O primeiro, quando os magos que vieram do Oriente se encontraram com o bebê Jesus. O segundo, quando Jesus vai ao encontro de João Batista para ser batizado. E o terceiro, quando Jesus realiza o primeiro milagre, em Caná da Galileia. Eles servem para nos lembrar de que epifania é o que nos conduz à entrega e à doação, é o que nos conduz a uma descoberta de que somos pessoas amadas por Deus e é também o que nos conduz à transformação e à dignidade.
A epifania tornou-se uma festa religiosa no catolicismo, normalmente comemorada no dia 6 de janeiro, que na nossa cultura corresponde ao Dia de Reis. Nessa data, a cristandade é convidada a se lembrar que Jesus Cristo é o filho unigênito do Pai, que se fez homem, para sacrificar sua própria vida em favor da humanidade.
Como festa, a Epifania tem sua origem no Oriente, celebrada como uma forma de fugir das comemorações natalinas, que coincidiam com os festejos pagãos ao Sol. Era chamada de Hagia Phota, a santa luz, como referência à revelação do evangelho ao mundo.
Isso nos lembra que a fé cristã é encarnação. É o reconhecimento de que Jesus é Senhor e Salvador de todos os homens em todos os tempos. O profeta já tinha anunciado a chegada da luz de Deus aos homens: Levanta-te, resplandece, porque é chegada a tua luz, e é nascida sobre ti a glória do Senhor” (Isaías 60.1 ARA). Jesus disse que seus discípulos são a luz do mundo (Mateus 5.14). Paulo interpretou esta passagem a partir do fato de que esta luz já brilha em nossos corações: Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2 Coríntios 4.6). Pedro relatou que somos o povo eleito para anunciar as obras daquele que nos chamou das trevas para a luz (1 Pedro 2.9). João nos convidou para andarmos nessa luz para que experimentemos comunhão uns com os outros: Se, porém, andamos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” ( 1 João 1.7).
Epifania, portanto, é um convite para que a luz de Jesus brilhe em nós a fim de que possamos iluminar o mundo com a mensagem e o testemunho de vida que produz transformação. Tal como na visita dos magos, epifania é o que nos capacita a fazer a entrega do que há de mais humano em nós. Tal como no batismo de Jesus, epifania é o que nos capacita a viver de forma humana diante de Deus como um imitador do caráter de Cristo. Tal como no milagre da transformação da água em vinho, epifania é o que nos capacita a estarmos mais comprometidos com a realização do outro do que com estruturas, sistemas e doutrinas.

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