Teresa de Ávila usa a metáfora de um castelo formado por
muitas moradas para se referir à alma humana. “Consideremos
nossa alma como um castelo, feito de um só diamante ou de um cristal
claríssimo, onde há muitos aposentos, à semelhança das muitas moradas que há no
céu”, diz ela. Essa jornada em direção ao encontro com Deus é também conhecida
como o “caminho do itinerário do amor”, um guia de experiência de
espiritualidade que o campo da mística tem se debruçado em suas investigações e
descobertas.
Nesse caminho místico, não estamos sozinhos. É o próprio Rei
que nos guia e nos conduz, a cada morada, em direção ao grande salão real. Para
percorrer essas moradas, é preciso primeiro tomar a decisão de entrar no
castelo interior. Logo na primeira morada, a alma é despertada para a vida
espiritual, convidada a reconhecer o seu valor e a sua necessidade de Deus.
Embora ainda estejamos presos aos desejos e envolvidos com o pecado, não
podemos esquecer que fomos criados como imagem e semelhança de Deus.
Ao chegar à segunda morada, a alma é encorajada à prática da
oração e aos exercícios espirituais. O objetivo é perseverar na luta contra as
distrações e a na busca por uma vida mais próxima da vontade divina. A terceira
morada corresponde ao momento em que a alma desfruta do cuidado divino e começa
a sentir a presença de Deus de forma mais intensa. Entretanto, ela ainda pode sofrer
oscilações e dificuldades.
Na quarta morada, a alma experimenta um aprofundamento da
experiência mística, com um desejo ardente de se entregar completamente a Deus.
Ná quinta morada, a alma atinge um grau de união mais profundo com Deus,
frequentemente descrito como um êxtase místico, onde a vontade da alma se torna
mais alinhada com a vontade divina.
Na sexta morada, a alma experimenta uma união quase plena
com Deus, com a prática constante da oração, das virtudes e da caridade. Enfim,
a sétima morada corresponde à plenitude da experiência de Deus vivendo em
perfeita harmonia com a vontade divina e desfrutando a verdadeira paz e alegria
espiritual.
Há quatro lições que podemos extrair dessa obra de Teresa de
Ávila. Os sete estágios de progresso espiritual descritos por Teresa implicam
conhecer a alma humana e descobrir a vida interior. A primeira lição é o
caminho da descoberta de si; a segunda tem a ver com nossa luta interior que
confronta nossos desejos e a carência de Deus que todos possuímos; a terceira é
a alternativa que o chamado divino nos oferece, de experimentar uma vida de
intimidade com Deus; e, por fim, a lição de que uma vida de plenitude da
presença de Deus é possível num mundo tão conturbado como o nosso.
Teresa de Ávila viveu numa época bastante contraditória. Era
um tempo de mudanças em que o Ocidente abandonava a mentalidade medieval e se
abria para a Modernidade. Essa transição foi dominada pela descoberta da
racionalidade e pela defesa da dignidade humana. Além disso, a Espanha
encontrava-se sob forte influência da inquisição, com o temor constante de
aderir aos novos ventos que vinham do humanismo e das ciências nascentes e,
sobretudo, dos ideais da Reforma Protestante.
Havia também o fato de ela ser mulher numa sociedade
patriarcal. Embora tivesse sido estimulada a escrever sobre suas ideias e sua
experiência, ela foi muitas vezes considerada como impulsiva e desajustada à
sociedade. Aos 21 anos, abandonou a família para viver de forma radical a sua
experiência de fé. Em vez de uma vida reclusa em um mosteiro, optou pela missão
peregrina de formar diversos conventos pela Espanha.
A jornada de espiritualidade, quando vista à luz da tradição
mística cristã e da Escritura, nos oferece uma compreensão mais aprofundada da
vivência do amor ensinada por Jesus de Nazaré. A proposta de Teresa de Ávila
está bem ajustada à experiência mística. De um modo geral, essa experiência
envolve a prática da ascese, a meditação e o êxtase. Dito de outro modo,
envolve a prática de purificação dos sentidos, o esforço para esvaziar a mente
e a experiência de fortalecer o espírito. É um processo lento e gradual, com
muitas idas e vindas, até que se alcance a união mística com Deus. Tudo isso
para que possamos atravessar o deserto e refazer o caminho novamente.
A essência da experiência de Deus é o amor. Esse é o
mistério divino que perpassa a relação de Deus com a Sua criação e nos
interpela a experimentarmos sua realização de forma concreta em nossa vida. Ter
um encontro com Deus é encontrar o amor em sua forma mais profunda.
(Assista à série de reflexões Moradas: Caminhos para a experiência de Deus >> no meu canal: https://www.youtube.com/playlist?list=PL4NVfVIy5Bi7DkhSi1oYXv2cJB2VF0sy4
Nenhum comentário:
Postar um comentário