segunda-feira, 4 de julho de 2011

Cristologia / Christology / Cristología

O debate cristológico é característico da história da igreja cristã. A relevância do tema se justifica: o essencial do cristianismo é Cristo mesmo. A partir do Novo Testamento, é possível encontrar uma diversidade de definições a respeito da pessoa de Cristo, desde a afirmação de um homem excepcional ou até mesmo de uma figura angelical. As posturas cristológicas do Novo Testamento podem ser compreendidas como duas tendências bem definidas de Cristologia que se desenvolverão em regiões diferentes, uma que se pode definir Cristologia do alto e outra que se define Cristologia do baixo.
Duas realidades foram transmitidas pela tradição cristã: a da humanidade de Cristo, com sua atividade e sofrimentos humanos, e a sua união com a divindade. Divindade e humanidade encontram-se combinadas em uma só pessoa. Isso envolve duas questões: quem é Jesus? O único Senhor e Salvador. O que é Jesus? Verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Porém, há uma outra questão suscitada: como compreender essa união? Em outras palavras: como duas naturezas pessoais podem constituir uma só pessoa? O fato é que não houve uma maior investigação a respeito dessas questões, até o final do segundo século. No ocidente, a fórmula de Tertualiano (160-220) afirma com clareza as duas naturezas de Cristo, sem confusão entre as duas, nem redução de alguma delas. A questão mais controversa envolveu o oriente com suas duas escolas: a de Antioquia e a de Alexandria.
A controvérsia cristológica oriental está ligada ao fato de que o que não é assumido não é redimido, conforme afirmação de Gregório de Nazianzo (329-389). Isso implica uma mudança soteriológica. Por essa razão, a busca por uma definição a respeito da pessoa de Cristo tornou-se tão central. A afirmação bíblica nos dá conta de que: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai.” (João 1.14) Ela nos remete à compreensão de que a carne não está separada do Verbo, nem o Verbo da carne. Somente no século V que essa questão vai ter uma solução com a definição da fórmula do concílio de Calcedônia. Muitos afirmam que a confissão de fé firmada nos grandes concílios cristológicos é inadequada à expressão contemporânea da fé. A discussão a respeito de quem é Jesus e o que ele tem de significativo para o homem continua de pé. A questão é: Jesus era divino por ter vivido uma vida perfeita ou pôde viver uma vida perfeita por ser divino?
Essa questão aponta para o dilema que só se resolve diante do fato de que a doutrina da encarnação comporta um paradoxo que não pode ser racionalizado, mas compreendido tão somente à luz da graça. A Cristologia que se encontra no Novo Testamento revela um grande abismo entre o que Cristo é e o que nós somos, mesmo quando nos constituímos como igreja. As passagens escriturísticas, tanto dos evangelhos quanto das epístolas, demonstram uma forte tendência de associar a experiência humana de Cristo e a experiência daqueles a quem ele salva, como se pode ver na Carta aos Romanos 8.29: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.”
Uma Cristologia para hoje aponta para a necessidade de se tratar da humanidade e da divindade de Cristo em uma perspectiva antropológica, em que a vida de Jesus possa ser vista como realização humana. Como afirmou Irineu: “Ele se fez como nós somos para que pudesse fazer-nos o que ele mesmo é.” Essa abordagem, no entanto, corre o risco de pender para um docetismo, que tenta diminuir a humanidade de Jesus, e para um pelagianismo, que tenta conferir à humanidade uma condição de realização para a salvação.
Foi Rudolf Bultmann que abriu o caminho para uma compreensão cristológica que aponta para uma antropologia. Tal como Wolfhart Pannemberg propôs, é preciso desenvolver uma Cristologia que decorra da análise crítica do Jesus de Nazaré, uma Cristologia que vem do baixo, que possibilite interpretar a história de Jesus e sua crucificação, ressurreição e glorificação à luz de nossa própria existência histórica. Karl Rahner reconhece que a descoberta de um uma perspectiva cristológica que tem seu ponto de partida na humanidade de Jesus é “um longo e aventureiro caminho, pleno de imprevistos; uma viagem da qual não se vê o fim senão quando se acaba por entrar no seu próprio coração, para aí descobrir que esse horrível fosso está pleno do próprio Deus”. Para ele, a tarefa mais urgente de uma Cristologia de hoje consiste retomar o dogma da igreja, de um Deus que se manifesta de forma concreta em nossa humanidade, de modo a tornar compreensível o que estas proposições significam e em “excluir toda a aparência de uma mitologia que se tornou inaceitável hoje”. Jürgen Moltmann desenvolveu uma Cristologia que aponta para o futuro, que traz algo radicalmente novo sem estar separado da realidade presente, que desperta a esperança de algo novo que ainda não ocorreu, que se cumpra em todos a justiça de Deus que foi prometida por meio de sua ressurreição.
Essas abordagens contemporâneas dão conta de que a Cristologia não se dá por meio de uma afirmação conceitual e especulativa. Isso já se viu no passado. Toda a argumentação e investigação possível, inclusive como pôde ficar claro pela busca do Jesus histórico no século XIX e começo do século XX, não dão conta da complexidade da pessoa de Jesus de Nazaré e de sua importância para a fé e para a teologia cristãs. Estas, bem como toda a revelação do Novo Testamento, são perpassadas por uma tensão que envolve tanto o Jesus da história como o Cristo da fé, que é percebida na vida e testemunho daqueles que creem e que se constituem a comunidade daqueles que vivem em conformidade com Cristo.
Ainda vale a preocupação do apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas 2.20: ‘Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.”

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