terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Criação e evolução: superação do conflito entre o criacionismo e o evolucionismo / Creation and evolution / Creación y evolución

Como é possível encontrar uma relação entre as teorias da evolução e da criação? Para encontrar um caminho, quero me aproveitar dos argumentos de Gisbert Greshake, no seu livro El Dios Uno y Trino. A tese principal que ele levanta é de que a criação tem traços dinivos – e trinitários – como um dom de origem. Ele usa um conceito aristotélico para afirmar que o Deus trino realiza como ato puro, ele mesmo, sua própria vida, como eterna realização trinitária de vida a partir de si mesmo, ao passo que a criação é pura recepção do ser a partir do nada. Entretanto, uma dificuldade se encontra aí, que diz respeito à distância entre o criador e a criação, que é impossível de se transpor. Essa distância é caracterizada pelo fato de que a criação participa do ser trinitário e que ela mesmo, ao mesmo tempo, é lugar de realização do divino. Não é somente imagem. O objetivo da criação é a participação próxima e direta no “jogo” da vida de Deus.
Isso implica um processo que envolve a antecipação que movimenta a sua realização, que se dá em seu devir evolutivo e em liberdade. Esse processo, portanto, está marcado desde o seu começo e que impulsiona a sua realização plena. O resultado é que, da mesma forma que o Deus trino opera em si mesmo sua própria vida, como comunhão e comunicação, assim também a criação deve operar sua vida nela mesma, conquanto seja de maneira finita, possibilitada e sustentada pelo próprio Deus.
Nesse sentido, a criação se torna semelhante ao criador na medida em que o devir da criatura se realiza a partir de si mesmo, como ato puro, ainda que de modo inferior e limitado. Essa semelhança se dá também por um “mais além de”, na medida em que a vida divina não se realiza numa eterna inércia, mas como algo que se renova, como transbordamento e como transcendência. O devir da criatura se manifesta como reflexo desse permanente “mais além” de Deus.
É isso que possibilita que a criação colabore na sua própria realização, uma vez que não se encontra terminada como um fim em si mesma. O que isto significa: que em Deus, uma pessoa faz a mediação da vida divina à outra. De tal modo que as maiores diferenças se configuram formas de unidade, como comunhão, unidade a partir da pluralidade e pluralidade em e até a unidade.
O devir da criação tem por fim mediar a vida. Hans Urs von Balthasar afirmou que “o devir intramundano é uma cópia do acontecer eterno em Deus que, como tal, é idêntico com o ser e essência eternos”. O devir da criação se dá pela evolução, uma vez que a natureza não é algo estático, terminado em si, nem como totalidade, mas como um processo do devir interativo. Ou seja, comporta complexidades e interações.
Falar de evolução não contrária a fé, uma vez que tudo que há no universo surgiu de modo que o menos se tornou mais, como síntese de elementos e fatores presentes no anterior. Com essas unidades cada vez mais novas e complexas se formam ao mesmo tempo novas possibilidades para uma reiterada novidade.
Dois fatores, portanto, estão presentes na evolução: o que vai das formas mais simples para as formas mais complexas e o que vai da diferença para a comunhão. O fim desse processo é a evolução até a formação de uma communio. Esse processo de evolução não se dá de forma harmônica ou sem rupturas. Não aparece como necessário ou previsível. Não se realiza de acordo com um plano prefixado ou desenhado de antemão. Ele se dá na forma de auto-organização e como autossuperação, que inclui aí a noção de ensaio e erro.
A fé atua como abertura para compreensão evolutiva do mundo, que deixa o mundo continuar sendo mundo e permita que seja analisado pelas ciências naturais e humanas. Da mesma forma que é um equívoco compreender Deus pelo mesmo critério que se compreende as criaturas, não dá para se ter uma compreensão evolucionista vista em si mesma, que pode levar à noção de uma espécie como superior à outra, como um vencedor.
Greshake recorre a Karl Rahner para entender a ideia de “causa infinita, que contém previamente em si mesma como ato puro toda a realidade, pertence à ‘constituição’ da causa finita enquanto tal (‘in actu’), sem ser um momento interno dentro dela enquanto ente”. Esse acontecimento evolutivo tem traços trinitários: o Espírito é quem possibilita o mais além e a unidade, em função de sua capacidade para unidades cada vez mais elevadas e complexas; o Filho é quem, como alteridade, dá início à diferenciação e à individualidade; e o Pai é quem estabelece a criação a partir do nada, com capacidade de auto-organização.
Ele cita Karl Schmitz-Moormann: “tudo se realiza de tal maneira como se Deus esperasse que a coisas se desenvolvam, sem fazer sentir sua onipotência. [...] O amor não esmaga, não obriga. Deus, que é amor, tampouco cria, portanto, nenhuma máquina que funciona segundo leis deterministas, se não que chama ao mundo desde o nada a sua própria existência, a fim de que o mundo possa encontrar-se com ele no amor.”

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