Uma fé que não possa ser
partilhada e vivenciada de modo significativo pelas pessoas a partir do seu
contexto cultural não vale a pena ser vivida. É celebre a formulação do papa
João Paulo II: “Uma fé que não se torna cultura é uma fé que não foi plenamente
recebida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida”. O cristianismo sempre
vagueou entre a inculturação e a globalização da fé, entre uma fé que se
expressa no contexto da cultura e a universalização de valores e princípios que
orientam a vida de fé. A grande questão que envolve a teologia tem a ver com a
maneira como se torna possível vivenciar a chamada “fé uma vez por todas confiada
a santos” (Judas 1.3).
Uma fé assim tem a ver com a
identidade de uma comunidade local, com a maneira como as pessoas enfrentam
seus conflitos de vida. Isso é o que está presente no cotidiano da vida comunitária,
é o que encoraja as pessoas diante da crise, é o que ilumina a busca de
sentido, é o que fortalece a esperança e o que aponta um futuro. Uma experiência
de fé assim está sujeita a uma atualização constante, carece de aperfeiçoamento
a partir de um processo permanente de diálogo. Já houve tempo em que fazer
missão era exportar um modelo cultural, confundido-se unidade com uniformidade.
O fenômeno da globalização,
marcado pelas novas tecnologias de informação, permite um fluxo cultural maior entre
o global e o local num efeito de complementaridade. Daí a máxima “pensar
globalmente, agir localmente”. O que se percebe é que o global é sempre assimilado
localmente de uma forma muito particular, de modo que a experiência de uma
cultura local só pode ser compreendida à luz de paradigmas globalizados. E isso
se dá no campo da fé também.
A realização da missão no contexto
da cultura é a característica principal do Reino de Deus. Nesse sentido, Jesus
afirmou que seu Reino não é deste mundo, mas que é trazido para as pessoas que
nele vivem como realização plena de sua humanização. A realização do Reino em
diferentes épocas e em diferentes espaços traz exigências para a vida de fé.
Sua essência permanece, mas suas formas de expressão podem mudar, como mudou ao
longo da história.
O que é comum todos os povos,
línguas e nações é a graça salvadora, revelada na pessoa de Jesus de Nazaré e
proclamada no Evangelho. Trata-se de uma iniciativa divina de se autocomunicar
com a humanidade toda, de modo que a fé deve ser entendida sempre como a
resposta a esse gesto de Deus. Fé que não acolhe o gesto divino como graça não
faz sentido. O gesto divino se realiza nessa acolhida de fé por parte das
pessoas e se expressa por meio das representações e ações no âmbito da cultura.
O humano é marcado pela cultura. É por causa dela que fazemos uso da linguagem
e de gestos para interagir com outras pessoas. Sendo assim, toda a revelação só
é compreendida como inculturada. Não dá para falar em uma fé pura, mas que é
sempre vivenciada no interior de uma realidade cultural.
Uma fé que não se expressa através das
habilidades e talentos das pessoas em seu contexto cultural carece de
aperfeiçoamento. Uma comunidade de fé que não consegue compreender isso não
alcançou o sentido da missão e precisa rever seus conceitos. Além disso, a vida
marcada pela fé envolve a experiência com o transcendente de modo tal que a graça
salvadora se manifesta de forma diversa para o bem comum. É a fé que expressa
como dom, é a graça que se torna concreta nas ações em favor do outro. Dons
espirituais são amostras da multiforme graça de maneira que possa ser acolhida
em fé. Uma fé que se transforma em dom, talentos e habilidades é o que permite que
a missão seja levada a efeito e de tal modo que possa ser relevante para um
tempo que aprendeu a viver sem Deus.
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