O
nascimento de Cristo foi um acontecimento único na história da humanidade, o momento
em que o divino e o humano se encontram no surgimento de uma nova vida. Um
singelo bebê foi a expressão da plenitude da revelação divina. Um fato como
esse não dá para ser descrito a partir da narrativa que a ciência ocidental
está acostumada. É o que podemos chamar de inefável, indizível e inebriante. A
linguagem não é capaz de abarcar todo o seu significado.
A mentalidade científica, sobretudo a partir
da Modernidade, reduziu o conhecimento àquilo que pode ser matematizado, explícito
de forma racional e explicado a partir de uma lógica causal e mecanicista. De
tal modo que achamos que somos capazes de produzir um discurso esclarecedor. O evento
do nascimento de Cristo, porém, está envolto do mistério, dessa penumbra que
coloca em questão a nossa razão, que desafia o nosso entendimento.
O Natal é tempo de celebrar a
lembrança de um Deus que vem a nós. A história da encarnação de Deus em Cristo é
para nos lembrar que tudo é possível para Ele. Ela nos remete ao real sentido
da salvação: o resgate do humano que foi criado como semelhante ao divino. Para
que possamos viver de forma humana diante de Deus, o divino se fez humano.
Somente a linguagem poética é capaz de
alcançar e de expressar o que o Natal nos lembra. Por isso, a maneira como o
evangelista Lucas conta a história do Natal é cercada de cânticos. Ele apresenta
várias dessas poesias entoadas por anjos e pessoas que fizeram parte daquele
momento sem igual. São chamados de “cânticos do advento” e a tradição cristã
atribuiu a alguns deles nomes em latim. São manifestações poéticas diante da
revelação do mistério divino.
Veja uma breve lista dessas poesias no
evangelho de Lucas:
a) O canto de Isabel – Lucas 1.25.
b) Saudação do Anjo, também conhecido
como Ave Maria – Lucas 1.28-33.
c) O canto de Maria, também conhecido
como Magnificat – Lucas 1.46-55.
d) O canto de Zacarias, também
conhecido como Benedictus – Lucas 1.68-79.
e) O canto dos Anjos, também conhecido
como Gloria in Excelsis – Lucas 2.14.
f) O canto de Simeão, também conhecido
como Nunc Dimittis – Lucas 2.29-32.
g) A profecia de Zacarias – Lucas 2.34-35.
As canções de Natal que nos acostumamos
a ouvir durante esse período festivo foram compostas mais recentemente e são
reflexos de uma cultura diferente do contexto em que Jesus nasceu. Já as
canções do advento registradas por Lucas são expressões de quem viveu aquele
primeiro momento, que vislumbrou o descortinar da revelação divina aos homens.
A fé e a poesia são experiências muito
próximas. A fé é o que orienta a nossa caminhada em direção a Des. A poesia é
um modo de expressar pela linguagem o que está além da nossa compreensão. Fé e
poesia se complementam, trazem consigo uma relação que põe em jogo nossa
própria existência. A fé se nega a repetir formulações dogmáticas e a poesia se
nega a reproduzir a semântica normativa e do senso comum. A fé é o que nos
conduz a estarmos abertos às possibilidades divinas e a poesia se manifesta está
sempre aberta a uma estética da existência.
A teologia já se deu conta de que não
é capaz de descrever em linguagem científica o universo que envolve a fé. Os
textos dogmáticos não exprimem tudo o que cremos, em quem cremos nem por que
cremos. Através da linguagem poética, é possível mergulhar num universo de
sentidos, de vitalidade, de esperança que a inspiração do Espírito nos aponta.
Lucas registra que aqueles cantores
eram movidos pelo Espírito para celebrar a revelação da graça, para louvar ao
Senhor da Graça, para profetizar o tempo novo e renovar a esperança na graça
divina. Eram “boa novas” para toda a humanidade, pois a salvação tão desejada
era agora uma realidade.
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