É
preciso ter vivido a condição de negro para saber o porquê de um Dia da
Consciência Negra. Eu, que nasci branco, não sei qual é a dor de se sentir
excluído, oprimido e marginalizado por causa da cor da pele. O fato de ter sido
pobre, estudado em escolas públicas em todos os níveis, crescido na periferia
de um grande centro, convertido à fé evangélica e formado em meio à luta contra
desigualdades a partir de um viés mais à esquerda não me dão a ideia do que um
negro ou uma negra passa em termos de discriminação, preconceito e falta de
oportunidades.
Por
mais que eu me esforce, ou estude, ou leia, jamais vou alcançar o sentimento de
quem se descobre diferente por causa de um tratamento ofensivo, de uma agressão
moral ou física, de um olhar de desconfiança somente pela aparência. Nunca fui
expulso de um ambiente, barrado em uma festa, excluído de um grupo ou demitido
por causa da minha feição física. Isso para não falar da maneira desigual em
que é tratado durante uma ação policial, diante de uma concorrência por
emprego, na busca de cuidado por bem-estar.
Vivo
num país dominado por uma elite branca, em meio a uma população de maioria
formada por negros e pardos. Só nisso dá para se ter uma ideia de que a luta da
comunidade dita afrodescendente – de acordo com o politicamente correto – é desigual.
Políticas de cotas, leis contra o racismo e campanhas publicitárias pelo fim do
preconceito não têm sido suficientes. As marcas de uma história escravocrata e de
um racismo velado ainda estão vivas nas principais mídias, nas universidades,
nas altas instituições da sociedade.
Volta
e meia você precisa assistir, nesta terra, discursos como o do notável jurista
Ives Gandra da Silva Martins, que se acha um “modesto” professor, injustiçado
por ser branco em face da luta por espaço por aqueles que não tiveram a mesma
sorte de ser luso-descendente. Ou as reações a uma piada racista feita pelo âncora
de um dos principais noticiários da maior empresa de TV do país. E há até quem
tenta substituir a ênfase do Dia da Consciência Negra por uma consciência
humana. Se não formos capazes de nos darmos conta da humanidade que há nesse
dia, não é mudando o foco que vamos conseguir. O primeiro passo para a formação
de uma consciência humana passa pelo mínimo de respeito à consciência negra.
Não,
eu não sei o que é ser negro. E nunca vou saber. E nem adianta tentar buscar
formas de entender. O que preciso fazer é me dar conta da história de dor, de
luta e de sofrimento de quem não é branco como eu. E não é um fato que envolve
o Brasil. Ela está presente em todos os lugares do mundo em que o negro, em
todas as épocas, foi visto como sub-humano. Até mesmo na mãe África, explorada
por quem sempre se achou civilizado.
A
lógica da escravidão, da segregação, do Apartheid, da supremacia branca e de
outras mentalidades racistas só têm lugar em meio à falta de consciência sobre
a condição humana de quem nasceu negro. E elas estão ainda aí fazendo suas
vítimas. O Dia da Consciência Negra é para lembrar que quem quer manter o negro
oprimido é uma sociedade dominada por uma elite branca. Se você não consegue
perceber isso, é sinal de que precisamos dessa conscientização. Que em pelo menos um
dia do ano a gente seja capaz de parar para pensar nisso, e tomar consciência.
Se isso nos conduzir a uma atitude de respeito, é um bom começo.
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