Há duas palavras em grego para descrever a felicidade. A primeira delas é eudaimonia. Ela foi usada por Aristóteles para se referir à condição a ser alcançada a partir do cultivo de virtudes. Pode ser traduzida como realização pessoal ou como a definição de um estado para se viver a vida boa, quer seja relacionada a aspectos morais, quer seja materiais. Havia até uma compreensão de que, para ser feliz, era preciso ter uma origem boa. O belo, o forte e o rico seriam pessoas naturalmente felizes. Entretanto, para os que não eram dotados dessas qualidades precisavam de uma forma mais inteligente de viver.
Para Epicteto,
a busca da felicidade dependia da saúde física e da tranquilidade da alma. Isso
implicava o controle dos desejos e o cultivo dos hábitos essenciais ao bem-estar.
Para tanto, seria necessário desenvolver a sabedoria para se viver de forma
feliz com o mínimo necessário. A raiz é daimon,
que está relacionada a divindades mitológicas, responsáveis por nossos
temperamentos, nossas escolhas e até nosso destino. Na verdade, é a voz da
nossa própria consciência que está em permanente conflito com o nosso
inconsciente.
A segunda
palavra é makarios, que difere da
primeira e pode ter o sentido de afortunado, sortudo ou mesmo bem-aventurado. O
radical makar lembra uma pessoa que é
abençoada. O grego clássico usava a expressão makarites para se referir a alguém que recebeu a bênção dos deuses
e, por isso, foi livrado do mal. Aristóteles usou essa palavra para se referir
a ideais mais elevados que o homem tem em si mesmo que o conduz aos atos
nobres. Trata-se de uma felicidade que resulta da vida contemplativa. No Egito
essa palavra era usada como uma saudação. No Novo Testamento, porém, Jesus a
usou para descrever as bem-aventuranças.
André
Chouraqui, em sua tradução do evangelho de Mateus, afirma que, de um modo
geral, é um erro traduzirmos a expressão makarioi somente pelo seu
sentido grego, que seria o de felicidade. Ele entende que Jesus pronunciou essa
palavra com o mesmo sentido de ashrei, termo hebraico encontrado em
alguns salmos, como 1 e o 119, que quer dizer marchar, andar, seguir em frente,
conduzir por uma linha reta. A noção de felicidade, então, não estaria na
formação da frase, mas em seu significado, que aponta para a dinâmica da
salvação “introduzida na vida do homem em marcha em direção ao Reino”, disse
Chouraqui. A felicidade, nesse sentido, estaria na própria alegria de quem
acolhe o convite amoroso de tomar parte do Reino de Deus.
Jesus usou a
palavra makarioi de diversas formas,
não só para se referir às bem-aventuranças. A felicidade em Jesus está
intimamente relacionada com a salvação. Ele declarou que veio buscar e salvar o
que se perdeu, que é todo aquele que perdeu o sentido da vida, que se perdeu de
si mesmo. Jesus afirmou: “[...] ‘Antes, felizes são aqueles que ouvem a palavra
de Deus e lhe obedecem’” (Lucas
11.28). A busca da felicidade depende de um certo exercício de escuta da
palavra que gera vida, que aponta caminhos, que confere força e coragem para
quem perdeu o ânimo de viver.
As duas
formas linguísticas gregas de se referir a quem é feliz podem ser compreendidas
como sendo as duas faces da felicidade: de um lado, a felicidade possui em si
um aspecto moral que nos remete a uma relação com o outro; mas, de outro, a
felicidade implica também o exercício de uma vida contemplativa, em que estão
presentes valores que transcendem as nossas ações. Pode-se afirmar que a
felicidade tanto tem a ver com a maneira como nos relacionamos como também com
o que estamos fazendo com a vida que temos. São formas de felicidade
qualitativamente diferentes, mas que se complementam. Não dá para ser feliz sem
desenvolver virtudes em nossas relações e sem, ao mesmo tempo, cuidar das condições
concretas de existência no mundo.
A cultura
contemporânea reduziu a felicidade ao prazer e o prazer ao gozo do momento.
Felicidade, prazer e gozo são sensações distintas, mas para o senso comum
acabaram se tornando expressões sinônimas de uma falta, a ausência de sentido
para a própria vida. Aprendemos a aplacar a dor com um analgésico. Da mesma
forma, é mais fácil substituir a falta de realização pessoal pelo consumo, a
alegria de viver pelo efeito de um entorpecente, a angústia por um ansiolítico,
o sofrimento pela alienação.
Então, quem
é feliz? Essa pergunta nos remete ao cuidado com a vida. É feliz quem consegue
desenvolver uma atitude de contentamento com a vida de tal modo que possa agir
de maneira responsável para o bem comum e das gerações futuras. Quem é feliz
encontrou uma certa alegria de viver, que faz da vida em todas as suas
expressões um constante objeto de cuidado. Não se trata de um prazer de
momento, mas da busca de uma forma de vida que seja boa para todos e todas: o
prazer de viver. Felicidade é ter prazer de viver e de lutar para que todos e
todas desfrutem da vida.
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