quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Espiritualidade e sustentabilidade / Spirituality and Sustainability / Espiritualidad y Sostenibilidad

A relação entre espiritualidade e sustentabilidade já foi apontada pela Carta da Terra: “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. [...] A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida.” A questão é: de que maneira podemos construir uma relação de fé que possa contribuir para somar forças em prol de uma luta universal pelo respeito à natureza e aos direitos humanos? Até que ponto somos responsáveis por isso?
O desafio que a Carta da Terra lança é constrangedor: “A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida.” Não é uma questão de afirmação, mas de escolha: “[...] decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local.” Uma vez que somos parte de uma mesma “aldeia global”, para usar um termo de Marshal McLuhan, diz a carta que “necessitamos com urgência de uma visão de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à emergente comunidade mundial”.
De que maneira isso é possível? A própria carta aponta o caminho: “Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.” É nessa perspectiva que se encontra uma questão ética emergente.
Albert Schwitzer, no começo do século XX já havia comentado: “Até agora, o grande delito de todos os sistemas éticos é crer que só lhes concerne tratar da relação do homem para com o homem.” O caminho da sustentabilidade passa a ser uma necessidade para toda a humanidade nesse momento em que se pergunta sobre o seu futuro. Porém, não se pode negar que o cristianismo é um grande responsável pela mentalidade ecológica dominante que tem tratado da natureza de um modo devastador. Para a solução dos problemas ecológicos, ainda ressoa a crítica feita por Lynn White Jr.: “Pessoalmente duvido que nosso desastroso retrocesso ecológico possa ser evitado simplesmente pela aplicação de mais ciência e tecnologia a nossos problemas. [...] O que fazemos com a ecologia dependerá de nossas ideias sobre a relação homem-natureza.”
Para White Jr., a noção cristã de um Deus transcendente, separado da natureza, que se comunica com ela somente através da revelação, removeu o espírito da natureza, permitindo uma exploração mais fácil da mesma a partir de uma ideologia individualista e consumista. Toda a conquista tecnológica e científica é fruto de uma compreensão engendrada por um cristianismo arrogante que associa pecado a ignorância intelectual e entende o progresso como fruto do domínio ilimitado do homem sobre a natureza. Como justificativa de tal desastre, encontra-se uma perspectiva escatológica equivocada que condena a natureza a um fim catastrófico como resultado do juízo divino. Uma vez que a origem do problema está em uma compreensão religiosa, a solução, segundo White Jr., deve ser também religiosa.
O caminho que se pode vislumbrar está associado ao que se tem afirmado como sustentabilidade. “[Sustentabilidade é] suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas.” Esse conceito foi usado pela primeira vez em 1987 a partir de um relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, conhecido pelo sugestivo título Nosso futuro comum. A preocupação é com o fato de que vivemos além de nossos recursos, de modo que a ênfase deve estar centralizada na atitude da geração atual tendo em vista a garantia de satisfação de nossas necessidades tanto agora quanto no futuro. Como afirmou o Papa João Paulo II em 1999, em seu discurso pela paz mundial: “Com efeito, a maneira mais segura de salvaguardar a criação consiste em pôr o bem-estar do ser humano no centro da solicitude pelo meio ambiente.”
Uma ética cristã que esteja comprometida com a sustentabilidade tem a ver com o modo como se entende a relação do homem com Deus. A garantia de um futuro feliz passa pela construção de um relacionamento com Deus em que o homem se reconhece como criatura. Tudo o que foi criado por Deus se reveste de um valor intrínseco, de tal modo que o valor que as coisas possuem está diretamente vinculado ao valor que atribuo para mim mesmo. O que as pessoas fazem no campo da ecologia depende do que se compreende a respeito de si mesmo e das relações que se estabelece com tudo à sua volta.

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