Com Kant (1724-1804), desenvolve-se a compreensão
de que o conhecimento de Deus não é possível às formas puras da sensibilidade,
de espaço e tempo. Não se explica pelo princípio da causalidade, não é objeto
de conhecimento. Só pode ser uma ideia pura da razão, como um princípio geral
de unificação do conhecimento. Trata-se de uma ideia, como um mistério
absoluto, cujo conhecimento é inacessível. Deus e o nada seriam a mesma coisa.
É o fim da metafísica.
Com Hegel (1770-1831), o conceito de Deus e do
Absoluto se referem ao pensamento que se pensa. Não se trata de uma realidade
transcendente. O absoluto é a totalidade como realidade imanente, como um
processo de autorreflexão. Esse pensamento que se pensa é um processo que tem
um fim em si mesmo, que se forma na consciência do sujeito.
A filosofia, como se vê, chegou a um nível de
abstração e distanciamento da vida que despertou a crítica de três principais
pensadores – o que chamo de críticos da racionalidade ou filósofos da suspeita.
São eles: Freud (1856-1839), ao afirmar que crer em Deus é uma projeção
infantil; Marx (1818-1883), ao reconhecer que a religião funciona como
instrumento de alienação e de opressão – “ópio do povo”; e Nietzsche
(1844-1900), que declarou que “Deus morreu”.
Essa crítica, porém, não foi bem recebida no âmbito
da teologia sistemática. Como o pensamento religioso esteve moldado a pensar em
Deus a partir de categorias teológicas, dogmas, proposições e conceitos, a
teologia volta-se para uma abordagem que leve em consideração a revelação de Deus
no contexto da história.
A revelação pressupõe um Deus que age na história e
um povo que interpreta essa ação. Nesse sentido, a Bíblia aponta para Deus
através de uma narrativa a partir do fluxo dos acontecimentos. A teologia
precisa se dar conta de que o texto bíblico, como uma fonte, está envolto em um
contexto histórico com implicações socioculturais. Sua leitura é marcada pelos
modos de construção dos sujeitos implicados na narrativa.
Johann Baptist Metz defende que a teologia não pode
seguir sendo especulativa e que a teologia do futuro terá que ser narrativa. Uma
teologia a partir da narrativa envolve aspectos relacionados à memória e à
experiência vivida pelos sujeitos implicados. A compreensão mais abalizada
sobre Deus não está na sistematização da teologia, mas nas narrativas das
formas como Deus se revela na vida.
A fé não é a aceitação de uma verdade, mas a
construção de uma relação com o outro, com o mundo e com Deus. Para Gianni
Vattimo, o Deus da Bíblia não é um fundamento, mas um evento “capaz de mudar a
vida daqueles que recebem o seu anúncio e cuja relevância, podemos afirmar,
consiste justamente nessa mudança.” (em Depois
da cristandade).
Dietrich Bonhoeffer, em suas cartas da prisão,
defendeu a necessidade de se falar de Deus sem subterfúgios: “Deus nos dá a
conhecer que devemos viver como indivíduos capazes de enfrentar a vida sem ele.
O Deus que está conosco é o Deus que nos abandona! (Mc 15.34) O Deus que faz com
que vivamos no mundo sem a hipótese de trabalho Deus é o Deus perante o qual
nos encontramos constantemente. Perante e com Deus vivemos sem Deus. Deus deixa-se
empurrar para fora do mundo até a cruz; Deus é impotente e fraco no mundo e exatamente
assim, somente assim ele está conosco e nos ajuda.” (Resistência e submissão, p. 447-448).
(Palestra apresentada na Igreja Congregacional de
Icaraí, Niterói, em 5 de setembro de 2013. Leia também a Parte 1)
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