A discussão, no entanto, não é nova para a teologia
protestante, embora não tenha recebido essa nomenclatura desde o começo. O
pelagianismo, por exemplo, já afirmara, no século V, que todo homem é
totalmente responsável pela sua própria salvação e, por essa razão, não
necessita da graça divina para salvar-se. Pode fazer isso por si mesmo, uma vez
que é moralmente neutro. Esse tema foi a base de uma grande controvérsia sobre
o pecado original, que levou a Santo Agostinho formular a ideia de que a queda
de Adão fez com que toda a humanidade estivesse escravizada ao pecado. Mesmo
que possa fazer escolhas, o homem, por exemplo, não pode escolher não pecar.
O tema da soberania de Deus é o foco central da
teologia reformada e se fundamenta no pensamento de João Calvino (1509-1564).
Essa concepção pressupõe um Deus que tem o controle e o domínio sobre todas as
coisas. Sendo assim, todas as coisas ocorrem como resultado de um plano divino.
Os teólogos do teísmo aberto questionam a abrangência da noção de soberania,
onipotência e oniciência divina do calvinismo e apontam para uma abordagem em
que a condição de todo-poderoso é que faz com que Deus despoje dessa condição
em função da liberdade humana. Isso, no entanto, não faz dele um Deus fraco,
visto que é nesse despojamento que ele demonstra deu poder.
A reflexão teísta, no seu sentido mais amplo, é uma
atitude filosófica cuja tendência se dá a partir de uma perspectiva histórica.
É, portanto, um produto da racionalidade moderna. Ela se fez necessária em
função de algumas questões teológicas que estão em aberto. Até que ponto a
revelação de Deus é afetada pela condição humana? Até que ponto a ação humana é
afetada pela revelação divina?
A modernidade construiu uma compreensão inicial de
Deus dentro de uma concepção racional defendida por René Descartes (1596-1650).
Ele afirmou que Deus é sumamente perfeito, bondoso e verdadeiro e que as
faculdades humanas da razão encontram-se aptas a conhecer a verdade, e por
isso, podem conhecer a Deus. A preocupação era de procurar oferecer uma
explicação sobre o Deus cristão utilizando os paradigmas da filosofia grega e
ocidental.
Nicolas Malebranche (1638-1715) aprofundou o
conceito metafísico de Descartes ao afirmar que Deus é a razão universal que
ilumina a razão humana. Esse Deus é livre e criou o melhor mundo que um Deus
livre poderia criar. A crítica mais contundente sobre o Deus cartesiano foi
feita por Espinosa (1632-1677). Ele desenvolve uma compreensão diferente de
Deus ao afirmar seu princípio do Deus
sive natura: um Deus que age e existe a partir de sua própria natureza é a
própria natureza. Rejeita, assim, a ideia de um Deus pessoal e o afirma como a
substância na qual existem todas as coisas. Todas as coisas são e existem em
Deus.
Como se pode perceber, a modernidade desenvolveu modos
de abordagem sobre Deus: o teísmo –
concepção filosófica que admite a existência da divindade, sem relação com um
sistema de crença ou valores morais ( por exemplo, o cristianismo como uma
forma de teísmo. O oposto é ateísmo) – e o deísmo
– concepção filosófica naturalista que afirma a existência de um Deus que pode
ser conhecido por meio da razão e da percepção pessoal, sem a necessidade da
revelação (por exemplo, a afirmação de Voltaire que, para se chegar a Deus, não
é preciso da religião).
(Palestra apresentada na Igreja Congregacional de
Icaraí, Niterói, em 5 de setembro de 2013. Leia também a Parte 2)
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